Crônicas

Caminhos da Jordânia

A Jordânia é quase toda um deserto de areia e pedras, mas definitivamente vale a pena visitá-la, em especial Petra. Por enquanto, coloque o país na sua lista de destinos a fundo perdido, já que as coisas por lá andam complicadas. Os conflitos da região são milenares e periódicos, assim como as tréguas. Espere uma oportunidade e acredite: é possível.

No entanto, se você tiver que esperar até ficar velho demais, desista de Petra. Uma visita básica, sem explorar todos os monumentos significa andar a pé uns dez quilômetros, sob sol escaldante se for verão. Eu andei cerca de doze e acabei recorrendo a uma carroça puxada por um pobre cavalo. A pena que senti de mim superou a que senti dele, então deixei culpa e a empatia para depois. Em alguns trechos você também pode optar por carrinhos elétricos, camelos ou burricos, mas aviso: se escolher os simpáticos animais sua roupa vai se lembrar do cheiro por muito tempo, quiçá precisará livrar-se dela para sempre.

A volta de Petra para Amã foi de carro, um serviço excelente e confortável, em uma van com apenas três passageiros cujo simpático motorista mal sabia duas dúzias de palavras em inglês. Na estrada parou em dois postos de combustível e percebemos que trocava ideias com os frentistas. Não dava para entender uma palavra, mas era óbvio que algo o preocupava.

A explicação veio rapidamente: a van parou de funcionar no meio da pista, do lado oposto ao acostamento, os outros veículos sendo obrigados a nos ultrapassar pela direita. A custo conseguimos entender o motivo: falta de gasolina! O motorista, nervoso, numa tentativa suicida, tentou empurrar a van com os passageiros dentro. Claro que o veículo nem se moveu. Saltamos e ajudamos.

Não sei se vocês já tiveram de empurrar um carro enguiçado, contudo acredito que nós fomos os únicos brasileiros a fazer isso na principal estrada jordaniana, entre automóveis e caminhões em disparada, tentando alcançar o acostamento. Fechei os olhos, fiz o máximo de força que consegui (não é muita) e pensei: seja o que Deus quiser. Deus quis porque milagrosamente atravessamos a estrada e chegamos sãos e salvos ao acostamento. Cansados, pasmos, mas inteiros.

Logo se aproximou um empoeirado homem vestido com kaftan e turbante: um pastor de cabras cujo rebanho se espalhava ao lado da estrada. Trocaram umas poucas palavras em árabe e nosso motorista embrenhou-se terra deserta adentro sem dar a menor satisfação. Imaginem o susto! O homem estava tão aflito que cogitamos que tivesse nos abandonando. Naquelas circunstâncias, no meio do nada, cercados por cabras, só nos restava esperar.

Respiramos aliviados ao vê-lo voltar. Trazia duas boas garrafas PET e o pastor improvisou um funil com uma terceira. Nós, que havíamos criticado o lixo deixado pelos jordanianos ao longo das estradas, naquele momento abençoamos esse mau costume. Ao menos tínhamos as ferramentas necessárias para trazer e colocar no tanque um pouco de gasolina – só faltava a própria.


Não sei quem chamou a polícia, mas ela apareceu. À paisana, três homens fortes armados, o que nos deixou desconfiados. De modo geral, a Jordânia é segura, mas a cena era bizarra. Seriam mesmo o que diziam ser? A essa altura já havia cinco pessoas discutindo o caso em árabe e embora a situação fosse estranha pareciam realmente interessadas em resolver o problema. Em momento algum sentimos medo. Os policiais levaram o motorista e suas garrafas e nós ficamos curtindo o rebanho de cabras e o seu pastor. Ele visivelmente muito pobre, desdentado, sacou um celular do kaftan e falou com desenvoltura. As cabras, alheias ao nosso sofrimento, continuaram sua busca pelo escasso capim que havia entre as pedras.

Intrigava-nos o fato de uma van tão luxuosa e bem cuidada ter parado por falta de abastecimento. Acabamos por deduzir que a empresa fornecia um cartão para pagar o combustível, mas naquele dia um problema com a internet afetou vários serviços, incluindo a administradora do tal cartão. Resultado: pagamento negado em alguns lugares. Pois é.

Finalmente a polícia trouxe o motorista de volta, a gasolina foi colocada no tanque com o auxílio do funil improvisado e, cheios de pó e calor, retomamos a viagem para Amã. Quinhentos metros adiante paramos novamente: uma segunda van da empresa com o mesmo problema. Demos carona ao motorista e às suas garrafas PET e especulamos: outro desconhecido e a polícia já foi embora. Quanta emoção para um único dia! O novo personagem não se mostrou dos mais simpáticos, porém falava um inglês melhor e seguiu conosco por vários quilômetros até alcançar o posto de abastecimento salvador.

Fiquei curiosa em saber como ele ia voltar e a resposta foi que não me preocupasse com isso. Segui o conselho: os jordanianos aparentam ser muito solidários, mas por precaução é melhor não abusar.


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Claudia Valle

Claudia Valle nasceu no Algarve, mas desde criança mora no Rio de Janeiro. Já foi professora, matemática, informática, administradora, agora é escritora nas horas vagas. Acredita que rir ainda é o melhor remédio e que o humor também é capaz de provocar reflexões profundas.

12 comentários

  1. Petra é um destino turístico importante e desejável! Porém a sua excelente crônica deixou a questão se ainda é possível viajar para a Jordânia sem se deparar com dificuldades que podem ser intransponíveis, principalmente para os “da melhor idade”?

  2. Sônia,
    Sua crônica está tão boa que fiquei cansada junto a você. Entrei totalmente na aventura .
    Parabéns!

  3. Adorei acompanhar sua aventura para Amã mas confesso que essa viajem não está na minha lista. Mais uma gostosa crônica

  4. Prezada Claudia!!!
    Adorei a crônica, Petra está na minha lista de desejos. Deve ter sido uma experiência com muita emoção!!! Haja coração.
    Parabéns pela crônica.

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