Crônicas

O hambúrguer e o pós-estruturalismo publicitário

Lavava o banheiro num sábado à tarde ouvindo um quilométrico solo do Zakk Wylde quando uma propaganda em volume absurdo atravessou a música anunciando a inauguração da mais nova hamburgueria da cidade, naquela noite, com diversas atrações e um precinho supimpa. Toda vez que isso acontece me culpo por não pagar uns míseros reais para matarem os anúncios do aplicativo. O susto faz qualquer pessoa prestar atenção naquela porcaria por alguns segundos, malditos publicitários. O Zakk e os outros membros do Black Label Society provavelmente não se importam com a intromissão porque a plataforma deve depositar uns centavos na conta da banda de quando em vez. Eu, no entanto, continuo aproveitando a versão grátis até a curta paciência consumir as barreiras da minha verve mão de vaca.

Mais tarde abri o Instagram e lá estava um conterrâneo metido a influencer fazendo o maior merchan da hamburgueria. Ele mostrava os diversos molhos e opções de lanches a perder de vista, um espaço arejado e confortável, perfeito para passar algumas horas aproveitando o bom da vida com os amigos, vez ou outra, com promoções e música ao vivo. A cidade crescia, o mundo mudava, a gastronomia dava
um salto a outro patamar. Incrível como alguns belos hambúrgueres podem deixar interessantes inclusive os vídeos forçados de alguém com desenvoltura igual ou menor que zero para a comunicação.

No domingo fomos ao jogo de basquete e nos deparamos com panfletos da tal hamburgueria distribuídos na entrada do ginásio. Não vou mentir, larguei aquilo na lixeira a dois passos da bilheteria. O time da cidade perdeu feio e eu tomei todas. O chope daquela lanchonete sempre tem um descontinho para os amigos do dono. Ao sair só não paramos na hamburgueria em questão porque eu estava visivelmente bêbado.

Na semana seguinte a sociedade ao nosso redor, num raio de quilômetros e quilômetros, foi golpeada insistentemente por propagandas, divulgações, anúncios, vídeos, impressões e mensagens da hamburgueria. Nunca mais teríamos um dia de paz. Abrir uma página na internet sem encontrar aquelas coisas se tornou impossível, as redes sociais pareciam ter incorporado a hamburgueria como sócia, soltando vídeos e mais vídeos dos suculentos e recheados lanches. Na rua, carros de som me deglutiam num volume desproporcional, panfletos eram ingeridos pelas caixas de correio e cartazes empanturravam os muros e pontos de ônibus. Encontrei também ao menos três modelos de outdoor bastante sugestivos daquele estabelecimento. No trajeto de casa para o trabalho ouvia no rádio comentários elogiosos dos apresentadores, além das chamadas no intervalo da programação e, só não digo ter visto propagandas na televisão porque sento no sofá apenas para assistir aos jogos do Grêmio. A questão de quem estaria por trás desse investimento me devorava porque o gasto com divulgação naquelas duas ou três semanas superaria com folga o meu salário de um ano inteiro. E, por mais ranzinza e desinteressado que tentasse parecer, a curiosidade me consumia.

No fim das contas, aquela defumada publicidade atingiu os seus objetivos. Minha esposa e eu decidimos conhecer o lugar no sábado seguinte. Nem um café tomamos no meio da tarde porque comeríamos um hambúrguer grande e delicioso dali a pouco. No carro a última conferência de chaves, cartões, celulares e fome, partimos. O local borbulhava, encontramos um estacionamento com vaga e preço inflacionado seis quadras a diante. Esfriamos na fila até desocuparem uma mesa, não demorou muito, mas nos colocaram perto do banheiro. Quando, ao fazer os pedidos, perguntei sobre as bebidas, descobri que trabalhavam com uma marca apenas, regime de exclusividade, sabe? Justamente um chope que não me agrada. O banheiro estava imundo e a música era um sertanejo universitário tão ignóbil que por certo assou alguns dos nossos parcos neurônios. Seguindo a receita desde a primeira divulgação, o som alto fritava a possibilidade de qualquer conversa ali dentro.

A gente ainda confiava na propaganda achando que pelo menos o tamanho e o gosto do hambúrguer compensariam. No fundo, não aceitávamos ter caído num conto do vigário, numa lorota publicitária, mas fomos engolidos por essa patacoada toda. O hambúrguer era pequeno e sem gosto, as opções de molhos se restringiam a um combo caríssimo, o chope ruim vinha quente, e, para completar, uma infestação de mosquitinhos ao som daquela dupla ridícula e desafinada nos mastigava no inferno. Comemos rápido e saímos com fome. Terminamos na barraquinha de cachorro quente do seu Everaldo, aqui perto de casa. O bom e velho lanche barato para ser consumido num banco da praça, com os mesmos ingredientes e os mesmos acompanhamentos, feito do mesmo jeito e com o mesmo gosto ao som pacato e estranhamente afinado dos carros na avenida. Concluímos com ódio que a pior decepção é a gastronômica. Ademais, o seu Everaldo tem várias opções de cerveja, e nenhuma publicidade.


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Alexandre Leidens

Alexandre Leidens é um cronista nascido em Gaurama/RS radicado no Paraná, leitor compulsivo, cínico e pessimista. Retrata os meandros do cotidiano com o desdém tragicômico dos velhos ranzinzas. Também trabalha com coisas sérias, mas gosta mesmo é da reclamação e da fofoca. Hipócrita assumido, rouba livros sempre que possível e sem culpa. Adepto do chope gelado e da conversa fiada, só gosta do verão quando vai à praia. Escreve quinzenalmente para o site Crônicas Cariocas.

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