Crônicas

Lasanha

E a lasanha deu certo. Sim, confesso que por um momento eu duvidei que o resultado final ficaria bom. Minha filha decidiu fazer sua receita a partir de outra receita.

Explico. Começou com o pedido dela para fazer lasanha. Cantei de felicidade. Concordei que ela deveria fazer diferente da que a avó faz, claro. E fui em busca da receita.

Ela leu e disse que queria fazer do jeito dela. Engoli em seco e perguntei do que se tratava. Não queria presunto. Tudo bem. Nem pimenta do reino. Me espantei.

Ponderei que tirar tempero não dava. Era essencial para dar sabor. Ela estava irredutível e ai apelei: perguntei se já tinha provado. Disse que não. Peguei um pouco e pus na mão. Arregalou os olhos azuis como se tivesse visto o diabo em pessoa.

Acalmei-a e já ia capitular – ela era a chef – mas para meu espanto ela concordou em manter desde que não provasse a pimenta do reino. Concordei em silêncio para não perturbar o equilíbrio cósmico que decidira a favor do sabor.

Fui seu assistente. Abri lata de tomate pelado, lavei coisas e indiquei onde achar talheres. Ela temperou a carne moída, picou cebola e alho, juntou sal, azeite, pimenta do reino e por aí foi. Porém…minha filha simplesmente não parava de falar.

De tudo e de nada. De música e de anime. De Jung Kook (não conhece?) e de (G)I-dle (também desconhece? Pesquisa quando for descobrir quem é Jung Kook). Das amigas da escola e dos desafetos. Do sol e da lua…

Mas da receita, do processo culinário que é bom, nada. Nem uma palavrinha. Eu agoniado, preocupado com essa dispersão verbal dela. Será que estava se concentrando, fazendo direito? Seguiu direto da tagarelice à montagem da lasanha. Ao forno, papai colocou. Mas ela vigiou o derretimento do queijo, sinal de lasanha pronta.

Queijo derretido, papai tira do forno, leva à mesa, convoca a irmã e serve. Segundos de tensão até provar e….não é que a lasanha ficou boa? Boa, não, ótima!

Lavando a louça fiquei imaginando de onde vinha a determinação de minha filha, que uns chamam de teimosia. Descobri quando fui escovar os dentes.


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Fernando Neves

Fernando Neves é carioca, nascido em 24 de setembro de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Mora na cidade de São Paulo, continua Tricolor de Coração, é separado duas vezes e tem filhas gêmeas do segundo casamento. Jornalista profissional, desde os tempos no Colégio Pedro II sempre se interessou pelas letras, seja como leitor ávido seja como aprendiz de escritor. O jornalismo abriu a oportunidade de escrever e praticar mas não foi suficiente para seu desejo de escrever cada vez mais. As opções de forma são a mininovela e o conto. O estilo adotado pelo autor compreende um arco que inclui suspense, humor, conspiração e realismo fantástico. Semanalmente ele exercita sua paixão pela crônica e poesia publicando em seu instagram @fernandonevesescritor.

Um comentário

  1. Fiquei com água na boca nham nham pela lasanha e pela companhia do suchef

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