Crônicas

O lixo que não é lixo

Se você fosse responsável pela limpeza de um local e encontrasse duas latas de cerveja amassadas no chão, decerto as recolheria para jogar no lixo.

De agora em diante pense duas vezes: isso aconteceu com um funcionário zeloso em um museu de Amsterdã, porém as tais latas eram uma obra de arte propositalmente deixada no chão de um elevador já que o museu acredita que a arte deve ocupar todos os espaços, inclusive os mais inesperados. O erro foi descoberto a tempo, embora o verdadeiro responsável fosse quem teve a ideia de jerico de considerar o chão do elevador um lugar adequado para expor aquele trabalho.

Essa notícia saiu na mídia e a pergunta é sempre a mesma: como definir o que é arte? Assunto polêmico.

O curador do museu alegou que as latas foram meticulosamente pintadas à mão e consumiram imenso tempo e esforço do artista. Critério estranho: alguns criam maravilhas em pouco tempo, outros nunca dão por encerrado um empreendimento (dizem que isso aconteceu com Leonardo Da Vinci e a Mona Lisa). Falta de habilidade ou talento também demanda mais tempo e esforço sem garantir a qualidade do produto final. Ao menos o curador declarou que no futuro seriam mais cuidadosos quanto aos locais de exibição.

Há muitos anos visitei uma exposição de arte contemporânea no MAM do Rio. Uma das obras consistia em uma reta vermelha desenhada à mão livre numa parede branca com um título em inglês que, em tradução livre, era algo tipo “Risco vermelho em parede de comprimento aleatório”. Ou seja: em cada museu do mundo o autor escolhia uma parede, nela fazia um risco vermelho e alguém considerou que isso era uma criação artística digna de figurar em exposições importantes.

Esse rabisco vermelho dificultou minha relação com a arte contemporânea, embora várias outras peças modernas agradassem meus sentidos, cores e formas que me davam prazer ao contemplá-las. A arte figurativa saiu do primeiro plano há muito, porém que critérios fazem um trabalho merecer o privilégio de ser exibido em um museu renomado?

Fiz as pazes com a arte contemporânea depois de uma visita guiada a Inhotim, imperdível. De algumas coisas gostei, de outras não, mas percebi que conhecer a história por trás da obra é fundamental. A história, sempre ela, para mim é tudo

Senti pena do funcionário do museu de Amsterdã: deve ter ouvido uma longa explicação sobre arte e, cá entre nós, duvido que tenha adiantado muito. Só posso imaginar, mas adoraria saber a opinião dele.


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Claudia Valle

Claudia Valle nasceu no Algarve, mas desde criança mora no Rio de Janeiro. Já foi professora, matemática, informática, administradora, agora é escritora nas horas vagas. Acredita que rir ainda é o melhor remédio e que o humor também é capaz de provocar reflexões profundas.

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