A aula teve início com a seguinte frase: o texto que vamos trabalhar hoje é muito conhecido. Com certeza, todos vocês já leram.
Antes mesmo de descobrir que eu estava na contramão das certezas, jamais tinha lido tal texto. Me indaguei a respeito do propósito dessa afirmativa. Ela não tem nenhuma utilidade para quem endossa a fila dos aplicados (a não ser que ofereçam uma estrelinha dourada) e, ao mesmo tempo, causa grande desconforto/culpa em quem não acompanhou a fila dos sensacionais. Ora, se estou ali para aprender e me surpreender, por que deveria saber sobre aquilo de antemão?
A relação já começou devedora e com indícios de um etarismo intelectual: “velha demais para o novo”. A bem da verdade, não notei no professor nenhuma intenção de alfinetar ninguém. Tive a impressão de se tratar de mais uma daquelas frases ditas por hábito, falta de traquejo ou de assunto.
Voltando à sala de aula, a situação ainda ficou pior. Lá pelas tantas, uma coleguinha de turma afirmou que quem tinha mais de 50 anos, com certeza (sempre a maldita) conhecia o famigerado texto, afinal fazia parte de um livro didático usado naqueles tempos.
Querida, eu rasguei o caderno de caligrafia, zerei prova, queimei boletim, repeti de ano, fui suspensa, fiquei de castigo. Você acha que eu tenho memórias afetivas com os livros didáticos? Na época em que você lia, eu estava embrenhada na luta para sobreviver ao inferno de uma escolaridade que jamais entendeu minhas inquietudes e desatenção.
De que livro mesmo você fala?
Não levem tão a sério minha acidez momentânea, gostei do curso, do mestre, mas cada vez tenho menos paciência com essa competição social, com esses diálogos-monólogos que se resumem a ouvir o quanto o outro é magnífico.
Não sei se é uma questão minha, mas parece que temos investido mais em seguidores do que em amigos e parcerias.
Volto ao ambiente de aprendizagem aos 56 anos e constato que nada ou muito pouco mudou. Ainda se espera que você esteja pronto, apto, antenado, preparado para a corrida.
Eu só queria caminhar com meus passos tortos, mas interessada nas surpresas do caminho. A diferença é que hoje eu sei que quem chega por último na corrida também completou o percurso e também recebe aplausos da torcida. Sei que a persistência é a corrente elétrica que faz girar a roda da vida.
Para vocês, eu confesso: eu não li o texto nos idos dos anos 70, mas, graças ao generoso tempo e sua infinita possibilidade de começos, ontem eu o saboreei por três vezes.
E sabe o que mais me anima nessa experiência? Poder recomendá-lo aos amigos sem contar com a certeza de que eles já o conheçam. Abrir caminhos de descobertas e divagações.
Hoje, entendo Eva mais do que nunca. O mundo é muito chato quando se torna o paraíso dos superperfeitos.
Quanto a mim, adoro fofocar com a cobra, me encostar numa palmeira, abrir um livro desconhecido e saborear, distraidamente, a maçã da curiosidade.
E, pensando bem, agora me deu um estalo: não sei dizer se não li a tão famosa crônica ou se, menopausadamente, me esqueci.
Não importa! Estou aqui sobrevivente do processo. Viajante no caminho e, teimosa que só, depois disso, me matriculei numa nova pós-graduação.
A vida não é freada, é controle do volante na derrapagem.
Que delicia essa constatação de que não temos a menor obrigação de ter lido ou feito tudo o que esperam de nós! A gente não “temque” mais nada!! 👏🏽🥳
Simm, bem isso ” controle na derrapada” adorei!
👏👏👏👏
Adorei. Bem isso: controle do volante na derrapagem. Gratidão
Muito bom!!!