Andam me perguntando porque mencionei a comida húngara como uma boa surpresa de viagem. Não foi por um prato específico, mas pelo conjunto da obra.
Quando resolvemos ir a Budapeste morava no Rio um senhor húngaro que se gabava de sua culinária. Eu colocava esses elogios na conta do exagero patriótico ou da saudade afetiva, duas coisas que embotam o julgamento e a memória. Ele nos deu algumas dicas de restaurantes, mas não levei muito a sério porque, salvo algumas exceções, em viagem acho mais prático fazer as refeições perto de onde estivermos. Foi assim, comendo ao acaso, que percebemos que a comida húngara era realmente saborosa e resolvemos experimentar um dos locais indicados.
Pegamos um taxi e mostramos o endereço ao motorista. Ainda não existia a internet para nos dizer que era longe e a que horas funcionava. Chegamos lá por volta das 14 horas e o taxi já tinha ido embora quando percebemos que o lugar abria apenas para jantar.
O restaurante ficava numa casa bucólica, numa rua idem, deserta, onde só havia residências. No entanto tínhamos visto no trajeto uma rua mais movimentada e fomos nessa direção procurar outro restaurante ou um taxi para retornar ao centro.
Eis que no meio do caminho começa a chover! Corremos para a rua principal e nos abrigamos sob uma marquise. Observamos ao redor, receosos de que as cozinhas fechassem logo depois do almoço como é comum na Europa, mas poucos passos adiante nos deparamos com um restaurante em um quase subsolo. Chovendo, já tarde, decidimos que o almoço ia ser ali mesmo e descemos as escadinhas.
Como nossa presença naquele local era algo inusitado, todos os clientes se voltaram para nós quando entramos. Uma única atendente servia às mesas ocupadas majoritariamente por homens que pareciam saídos de fábricas ou de caminhões.
A moça trouxe o menu do qual obviamente não entendemos uma palavra. Depois de muita mímica, meu marido conseguiu escolher um prato que deduziu, sabe-se lá como, que era de cogumelos. Na mesa ao lado um senhor comia panquecas que pareciam ser de carne e nosso conhecido havia elogiado essas panquecas, então não tive dúvidas: apontei e pedi igual. Por garantia acrescentamos ao pedido duas entradas escolhidas ao acaso no cardápio. Afinal, pensamos: até que não foi tão difícil.
Os pratos não demoraram e chegaram todos ao mesmo tempo. A garçonete, rindo, colocou dois na minha frente e dois na do meu marido. As panquecas que eu supus serem de carne, na realidade eram de chocolate e a entrada que escolhi era uma segunda sobremesa. Meu marido, por sua vez, tinha pedido dois enormes pratos principais. Acabou dando certo por linhas tortas e divertiu a plateia.
O prato de cogumelos era uma travessa de arroz, no topo da qual vinham umas bolinhas empanadas, algumas eram cogumelos, outras pedaços de frango. Meu marido odeia empanados, mas estava com fome e provou. Não sobrou nem o arroz. E as panquecas de chocolate estavam maravilhosas.
Budapeste é cortada pelo rio Danúbio, que de azul não tem nada, e no meio do rio fica a ilha Margarida, um parque de lazer. Lá existe um teatro ao ar livre (a cortina é de água!) onde decidimos assistir a uma opereta. Sei agora, não sabia na ocasião, que as operetas têm muitas partes faladas. No caso, em húngaro. O libreto em húngaro também não ajudava. Parecia um vaudeville e, na minha imaginação, fui inventando o enredo: esta é casada com aquele, o outro é o amante da vizinha e por aí vai. Devia ser muito bom porque todo mundo ria, menos nós.
No intervalo, enquanto meu marido foi ao bar tentar comprar um lanche, a senhora que estava sentada ao meu lado, percebendo a situação, ofereceu-se para resumir o enredo. Nada do que eu imaginara era verdadeiro e à medida que ela explicava eu ria cada vez mais. Não da opereta, mas de mim mesma e das maluquices que fantasiara. Nunca soube o que se passou no segundo ato (no momento nem me lembro do primeiro), contudo a experiência ficou marcada.
Meu marido voltou com o lanche: sanduíches e bolinhos, as únicas opções disponíveis, vendidas a preços populares e simplesmente deliciosas. Tem como não achar boa a comida húngara?
Meu conhecido também era entusiasta do vinho Tokaji, porém como não sou muito chegada a vinhos doces, deixo a vocês a tarefa de saboreá-lo.