Chegou antes da hora marcada. Uns minutinhos somente mas tempo suficiente para se acomodar no café. Escolheu uma mesa na parte externa que dava para o jardim interno da ala elegante do shopping. E ficou ali.
Marcou o encontro com uma amiga de anos e escolheu aquele lugar para agradar a ela e, sendo sincero, também a si mesmo. A atmosfera do ambiente fazia seu senso estético se manifestar contente. A idéia do encontro era marcar o fim de dois anos de isolamento forçado. Eles não estavam desatualizados a respeito dos respectivos assuntos particulares e comuns. A internet ajudara bastante a manter as conversas constantes. Porém, faltava a proximidade física.
Os dois encaravam aquele encontro como sua celebração pós pandemia. A volta ao mundo real. Mas o que ela não sabia é que para ele havia um algo a mais por trás daquele encontro. Sem alarde e em segredo ele decidira começar naquele dia um ritual íntimo que ele chamara de retorno às névoas perfumadas.
Das ausências provocadas pela pandemia em sua vida uma das mais significativas foi a falta de aspirar perfumes. Conversar com as pessoas, manter um contato mínimo, pôde ser contornado com as webconferences. Mas sentir aquele aroma agradável especial, sem chance.
Não perfume do vidro mas sim aquele cheiro perfumado que sobe das pessoas. Esse é insubstituível. Fica gravado na memória para sempre.
E sua predileção era pelas fragrâncias que envolviam as mulheres. Sentia uma falta imensa de encontrar alguma mulher perfumada.
Logo que tomou coragem para sair de casa, tentara um paliativo que era circular pela rua ou pelo shopping e passar pelas pessoas que emanassem nuvens perfumadas. Não dera certo.
Tinha que entrar em contato com as mulheres para sentir de perto o perfume feminino. A química entre fragrância e a pele de cada pessoa era única, ensinava o senso comum e ele assinava embaixo com todas as letras. Sabia que não precisaria de muito para satisfazer seu olfato. O aperto de mão seria suficiente para trazer para perto de si a nuvem de aroma perfumado. Aspiraria profundamente arquivando na memória o cheiro suave e envolvente daquela névoa deliciosa.
Aos poucos fora formulando em sua cabeça a idéia desse ritual íntimo. Não via maldade nem inconveniência em sua busca. Era um movimento puramente estético e sensorial, dizia para si.
Nada abusivo ou ofensivo.
Não se considerava invasivo, nem tarado ou pervertido. Apenas um apreciador desse aspecto sensorial do mundo feminino. Outra forma de justificar o que iria dar início naquele dia.
Honestamente não tinha pretensão alguma em se envolver com ninguém. Bastava para seu prazer captar aquele aroma particular. O arrebatamento do encontro do perfume com suas narinas seria sem igual.
Depois de muito pensar e pesar decidira passar a ação. Agora estava ali, prestes ao primeiro encontro de retomada do prazer sensorial provocado pelo perfume de uma mulher.
Selecionara com cuidado quem seria sua primeira convidada e optara por uma amiga de longa data e apurado senso estético. Ela era um dos melhores exemplos de química perfeita entre perfume e pessoa. Não conhecia ninguém que combinasse tão bem com a fragrância daquele perfume de nome exótico.
Portanto, para abrir os trabalhos seria com ela.
Seus pensamentos foram interrompidos com a visão de sua amiga chegando. Ela caminhava devagar e sorridente. Ele se levantou sorrindo, aspirou o ar profundamente e pensou: seja bem vinda névoa perfumada.
Crônica escrita originalmente em 5 de outubro de 2022