Feliz Dia dos Namorados

  • Feliz Dia dos Namorados

    Ele entrou no carro — com sono atrasado e a alma desabada.

    — Bom dia — disse para a motorista.
    — Bom dia — respondeu ela.

    Ele vinha cansado. Noite inteira no hospital: gente gripada, filas enormes, enfermeiras com três noites sem dormir, indo de um plantão para o outro.

    Com anos como enfermeiro, aprendeu a não exigir sorriso nem bom humor dos outros. Dava o sorriso dele, a ajuda dele — ou, às vezes, só um atendimento decente. E isso já bastava.

    O perfume da motorista era bom, mas nada invasivo. Aliás, como ela estava bonita. Se maquiara para o trabalho naquela manhã, se agasalhara, se perfumara.

    Na esquina da Amazonas com Araguari, ela disse:
    — Feliz Dia dos Namorados, viu?

    Às vezes o amor está só perdido no trânsito.

    Os dois riram.
    — Ah, já sei. Você é casado, né? Acertei?
    — Não, não sou casado. Sou solteiro.
    — Então seu amor deve estar preso no trânsito.
    — Batucando no volante?

    Ela riu. No rádio, Alcione cantava “A Loba”, e ela acompanhava — com a cabeça, com a voz, com vontade.
    Ele comentou que, duas semanas atrás, tinha ido a um show da Alcione, numa praça de Contagem.
    Ela cantou “A Loba”, “Faz uma Loucura por Mim”, “Garoto Maroto”.

    Um vozeirão — mas debilitada. Fez o show todo sentada.

    Falaram do trânsito, da vida, dos ex, do trabalho.
    Ela contou que queria deixar de ser Uber, tirar carteira de caminhão, rodar pelas estradas.
    Ser caminhoneira — como foi o avô.

    Mas ele não esqueceu aquela frase: “Feliz Dia dos Namorados.”
    Vinda de quem ele menos esperava, lembrando que a vida — ao contrário do que a gente pensa — não vive no piloto automático.

    E se a moda pega?
    O motorista do ônibus para a passageira. O farmacêutico para a freguesa. A atendente da Casa Rio Verde para o cliente bonitão. A gari para o garçom.
    Quem não tivesse namoro, que desejasse um Feliz Dia dos Namorados a um desconhecido atraente. Simples assim.

    Mas não.
    Somos todos engolidos pela pressa, pela urgência de ganhar mais e mais dinheiro, comprar mais e mais do que não precisamos.
    Mas, de vez em quando, algumas pessoas saem do automático. Como aquela motorista.

    Chegaram na casa dele.
    O dia começava — algazarra de crianças indo pra escola, o bom dia dos vizinhos.

    — Débito ou crédito?
    — Débito.
    — Aproximação.
    — Obrigada. Até a próxima.

    Antes de ir embora, ele não resistiu:
    — Feliz Dia dos Namorados pra você também.
    Deu o cartão dele.
    Ela também ofereceu o dela.

    A próxima, quem sabe, podia ser numa cafeteria charmosa. Ou num bar.

    E você, leitor?
    Ficou com vontade de desejar um Feliz Dia dos Namorados a um desconhecido?
    Quem seria?
    Tenta. Vai que.

Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar