LiteraturaBrasileira

  • A conversa que não tem fim

    Nem bem ela disse Alô, ele logo disparou:

    — Pensei muito antes de te ligar. Você poderia estar dormindo, ou jantando, ou ocupada com outras coisas. Poderia estar acompanhada. Está?

    Era uma voz que ela não escutava havia cinco anos (mas como esquecer?). Mostrou surpresa espontânea:

    — Ora, veja só! Pensei que ainda estivesse morando na Europa. Onde era mesmo? Londres, não é? E não, não estou acompanhada. Como vai você?

    Ele sorriu quando ela disse que não estava acompanhada (ela percebeu).

    — Vou bem, obrigado. Sim, estava em Londres. A empresa me trouxe pra São Paulo de novo. Gostei de voltar, chove demais e faz muito frio em Londres. Cheguei há pouco mais de dois meses. E você, como os anos te trataram?

    Ela sabe que “Como os anos te trataram” não era a pergunta que deveria ser feita, e sim “Você está com alguém?”

    — Foram generosos comigo. Os anos, quero dizer. Me trataram bem. O tempo correu a meu favor, nada a reclamar.

    Ele pôs bebida num copo (ela escutou o barulho) e modulou a voz.

    — Sei que depois de tudo é inútil dizer alguma coisa, mas digo mesmo assim: continuo sentindo a sua falta. Os anos não apagaram as lembranças que tenho do nosso tempo juntos. Pode me dizer como está a sua vida, como estão os seus dias?

    Ela de repente sentiu que cinco anos de separação não foram nada, simplesmente não aconteceram.

    — Inventei uma fórmula, uma ideia para superar aqueles dias:  se eu me lembrava de você quando garoava, você também devia se lembrar de mim quando chovesse. Em São Paulo garoa demais, você sabe. E em Londres chove todo dia. Então…

    Ele bebeu um gole.

    — É igual à explicação que dava pra mim mesmo. Como é que ainda me lembro do cheiro da sua pele?

    Ela fechou os olhos e fez silêncio por dez segundos.

    — Você não vai acreditar, mas ainda tenho aquelas presilhas pretas de cabelo, estão em alguma gaveta por aqui. Eu tinha uma cabeleira enorme, volumosa. Você me deu de presente num Natal. A gente queria fazer igual ao Jim e Della, do conto do O. Henry, lembra disso? Eu te dei um relógio.

    Ele riu.

    — Claro que me lembro, como me esquecer disso? Eu não quero me esquecer disso (foi a vez de ele fazer dez segundos de silêncio). Ainda tenho o relógio. Me diga só mais uma coisa pra eu ir dormir e deixar você em paz: continua usando o cabelo comprido?

    Ela teve ímpeto de dizer “Não desligue ainda”, mas não disse.

    — Sim, continuo.

    A despedida veio em seguida, e foi breve.

    — Obrigado por conversar comigo. Foi bom ouvir sua voz de novo.

    Começou a garoar em São Paulo. De um lado e de outro da linha disseram “um beijo” e apertaram o botão “end” do telefone.


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