Natal, para mim, sempre significou o Natal do meu avô, o Natal de nossa família em sua casa e ao seu redor. Mesmo hoje – após a sua partida e o fim do que vivenciei por anos –, é a memória daquele apartamento e daqueles dias que me vêm à mente ao chegar dezembro. Ainda hoje, para mim, esta data continua a significar o Natal do meu avô.
Antes de chegar a tão almejada noite, eu já a vivia. E a vivia com fervor e cupidez. A sua semana, os dias que a antecediam, era de expectativa e preparação. Fantasiando a respeito de como seria neste ano, ansiava que chegasse logo o momento de eu me entregar às brincadeiras e às delícias da mesa. A preparação imaginativa era ladeada pela preparação dos presentes e dos alimentos, das quais eu participava ou apenas acompanhava com vivo entusiasmo. Dos mais simples dos feitos aos mais notáveis, tudo aparecia dotado de um encanto singular, que só poderia ser vivido nesta época.
Eis que era chegada a véspera e, assim, dirigia-mo-nos para a casa de vovô Chico, onde toparíamos com nossos velhos conhecidos. Tios, primos, parentes distantes e amigos se reuniam naquele recinto, com os mesmos abraços e os mesmos votos de todos os anos, que jamais fatigaram a criança que a tudo assistia. Era o momento da família se reunir, hora de vermos os que sempre víamos e encontrar os que só anualmente encontrávamos. Era a ocasião ideal para isso. Sem ela, possivelmente, tais contatos não viriam a ocorrer.
Os parentes mais velhos e as visitas – ou, os adultos, como dizíamos – iam conversar, contar as novas e as antigas e bebericar na varanda, onde não faltava o Old Parr de meu avô e o pistache de meu tio. A felicidade tomava conta das crianças, afinal, teriam colegas para brincar a noite inteira. Reunidos os primos e incorporados os filhos dos amigos da família, folgueávamos pela sala. Depois, era a vez de passarmos aos quartos, procurando nos esquivar dos olhares vigilantes dos pais, que, a certa altura, nada mais vigiavam.
As idades separavam os convidados, mas a comida sempre os unia. Postos à mesa, todos se entregavam às iguarias, das quais voltaríamos a nos servir no almoço do dia seguinte. E lá estavam a batata gratinada, o famoso salpicão de minha mãe e o indispensável peru, do qual a tradição sempre reservava a coxa ao meu avô.
Sei que estas lembranças têm algo de idílico, fruto da afetividade dessas memórias ou da cândida visão de uma criança. Em boa parte de minhas recordações, já não estavam todos os meus. Perdi minha avó muito cedo e muito cedo se iniciaram as cisões. Não obstante, durante toda a minha vida, naqueles momentos, sentia a união da família, sentia a minha família.
Quando vovô se viu doente e já não integrava a festividade como antes, o Natal seguia ocorrendo em torno dele. Com menos convidados, com menos comida e com mais silêncio no meu avô, celebrávamos. Todos os anos, continuávamos a nos dirigir à sua casa e a desejar passar aquela data ao seu lado. Como por uma força inata, ele – passivo e inconsciente – seguia a agrupar a família e a fazer com que prosseguíssemos juntos.
Porém, dias obliteraram anos. Com sua ida, foi também o seu Natal, foi o nosso Natal. No vendaval que se seguiu, os conhecidos se desconheceram e os afetos que pareciam tão sólidos se evanesceram no crepúsculo familiar. Desde então, as noites do dia 24 passaram a ser menos luminosas, embora a luz de meu avô siga a brilhar na memória do seu Natal perdido.