o devasso e o certinho

  • Pink Flamingo, o devasso e o certinho

    Peguei o táxi na Visconde de Pirajá como quem vai saltar de paraquedas — eu, sedento pela farra, e o poeta carioca ao meu lado, trajando cachecol marrom e sorriso aberto, pronto para qualquer desvio de conduta. No rádio, Caetano entoava seu inconformismo poético:

    “Vaca das divinas tetas
    derrama o leite bom na minha cara
    o leite mau na cara dos caretas”

    E eu, espremido entre banco e sede de noite, absorvia cada verso como promessa de libertinagem, enquanto o carioca soltava um riso baixo, fingindo anotar tudo num diário imaginário.

    O mineiro acomodado ficou no hostel, reclamando que só queria pizza, redes sociais e cama cedo. “Vai lá e depois me conta”, disse ele pelo whatsApp, sem imaginar que a noite carioca nos devoraria vivos.

    Quando o táxi estancou em frente à Pink Flamingo, cumprimentamos a hostess com um aceno torto — convite formal para o desenrolar da loucura. Em seguida, descemos a calçada e fomos comer uma pizza ali perto, vapor subindo em redemoinhos dourados:

    — Tira foto da minha bunda pra mim?

    — O quê?

    — Uma foto da minha bunda. O jeans tá muito justo.

    O casal chileno da mesa ao lado, estupefato, se entreolhou em silêncio, incapaz de decifrar a pepita de humor brazuca — um homem fotografando a bunda do outro numa pizzaria, só em Copa mesmo.

    O carioca, metódico que nem relógio suíço, tirou do bolso uma folha de papel e começou a riscar cada centavo: táxi, ingresso, pizza, deslocamento do Méier a Ipanema. Tudo anotadinho para a planilha do Excel no fim do mês — certinho com o botão de camisa engomado; eu, já com o cartão pronto pra estourar e a alma pronta pra esgotar quaisquer limites.

    Recarregados pela fome saciada, fomos a pé de volta à Pink Flamingo. A chuva miúda fazia do asfalto um espelho trêmulo, realçando o letreiro cor‑de‑rosa no fim da rua. E foi ali, sob aquele brilho artificial, que vimos a drag Cútis Negra descendo de um Uber, batom borrado e aura de quem invade um palácio. Outras drags se amontoavam, homens de mãos dadas cochichavam segredos e mulheres de saias curtíssimas sacudiam o quadril como lei. Ali, percebi que o escárnio e o êxtase formavam uma única batida — e era nela que eu buscava redenção.

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