Paraíso

  • Paraíso também fica nublado

    Não foi difícil achar essa cadeira de frente para o mar. O sol, que estava poderoso desde as primeiras horas da manhã, cansou da função e foi se esconder atrás das nuvens. Os turistas, ou melhor, os outros turistas porque também não sou daqui, bateram em retirada e se espalharam pelos bares e lojinhas.

    De onde estou, na ponta da praia, ouço distante o murmúrio da música. Nada que me agrade e por decoro estético e consideração com as pessoas que gentilmente me atendem na pousada não vou mencionar o gênero. Mas fica combinado que nem no meu enterro é para ser tocada.

    Um vento suave passa pelo meu rosto, braços e pernas. A saída de praia me cobre quase por completo. Sobre o mar, gaivotas aproveitam e descansam no ar quase imóveis, me lembrando Tom Jobim e seu Jereba.

    Suspiro. Início de ano. Sozinha. Ou melhor, sem ninguém para trocar uns sorrisos e fechar os olhos a dois. Mas nada que me faça ter palpitação. Depois de dois maridos, vários namorados e casos que não fico contando porque não é elegante posso dizer sem exagero que meu coração segue forte.

    Confesso que eventualmente sinto falta daquela arritmia que uns chamam de amor e eu, a partir dos meus poucos cabelos brancos, prefiro entender como momentos para compartilhar a curtição. Sim, porque o descompasso cardíaco também acontece nas pequenas situações, no olhar sedutor, nos cumprimentos gentis e nas palavras bem escolhidas.

    Pode durar pouco, é verdade. Mas se conseguiu acelerar a circulação, pode contabilizar na coluna dos bons momentos vividos. Não foi uma fantasia sua, existiu de fato. Mesmo efêmero, mesmo sem condições de ir adiante.

    Vale o momento, por que não? Para sentir-se bem, com o coração cantando, não é preciso ter uma estória de amor com música francesa, vinho e coisa e tal. Por muito menos, já dá para remexer o corpo e sorrir em sintonia com alguém que valha à pena. Não para a vida toda, mas para aquele momento especial que um foi posto diante do outro.

    Como saber que instante mágico é esse? Basta você prestar atenção.

    Porque a vida é assim e diante do mar não tem como deixar de lembrar de Lulu Santos. Um ir e vir infinito, de ondas, afetos, amores. Uns me marcaram, outros eu marquei. Alguns passaram sem deixar lembrança, em outros fui eu quem não deixou vestígios. Faz parte, sempre faz parte.

    O que não estava no roteiro era esse tempinho feio em pleno verão. Se continuar assim vão achar que passei as férias na Groenlândia vestindo burca.

    Porque sei que ninguém vai acreditar que o paraíso também fica nublado.


Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar