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Conto baseado na poesia de Gabriela Mistral, Prêmio Nobel de Literatura 1945.
Pascal foi incumbido de escolher a imagem de Cristo que iria ser utilizada na pregação da Sexta-Feira Santa.
Saiu à procura daquela que fosse capaz de comover a consciência dos fiéis, nesses tempos tão sombrios de conflitos, intolerância, violência e genocídios.
Buscava algo que transmitisse o sofrimento do Criador, não por sua condição de torturado no alto de uma cruz, mas sim pelo reflexo de sua dor naqueles que padecem no mundo dos vivos.
Queria uma imagem que iluminasse o coração e o cérebro dos que a ela elevassem os olhos, e fosse capaz de acender uma centelha de reflexão, primeiro passo para a expiação das culpas de um rebanho desgovernado.
Percorreu céus e terras analisando representações de Jesus talhadas em madeira, mármore, granito, mas, apesar de sua beleza, nenhuma delas conseguia transmitir o sofrimento terreno que achava importante representar nesta sexta-feira.
Sentou-se para descansar em um banco de praça, e logo se deparou com uma cena cada vez mais comum na cidade. Uma família, abrigada na cobertura da marquise ao lado. Voltou-se para a mulher que embalava a criança e o observava com um meio sorriso. O que buscas? — Perguntou a desconhecida.
— Estou à procura de uma imagem de Cristo para a pregação da Sexta-feira Santa. Uma que represente todo o sofrimento do Criador ao ver que sua palavra não tem conseguido refrear as injustiças, a violência e a falta de solidariedade de seus seguidores — respondeu Pascoal.
— Se queres retratar o sofrimento, não procures nas estátuas, nos altares e templos. Vá buscar essa imagem nas ruas, entre as pessoas sem teto, onde há gente morrendo, crianças famintas, mulheres vítimas do abuso. Você vai encontra-la entre os pobres, uma imagem de carne e osso.
Pascal fechou os olhos por um instante para refletir sobre a revelação. Quando os abriu novamente, a mulher e a criança tinham desaparecido, como por encanto.