Sorrelfa

  • CASO SÉRIO

    – Pai, urge que o senhor aumente a minha mesada.

    – “Urge”?!  O que é isso?

    – A professora de redação ensinou que a gente deve dizer “urge”. Tem mais força do que “é preciso”, “é necessário”. Parece, tipo assim, o rugido de uma fera. URRRGEEE!

    – Calma, tudo bem. Não precisa me morder. E pra que é que você quer mais dinheiro?

    – Vou fazer o Enem, não vou? Preciso ler, me informar. Destarte…

    “Destarte”?

    – Sim. Destarte, dessarte… A professora falou que é melhor do que “então”, “logo”, “diante disso”. Ela quer que a gente arrase na prova. E quer, outrossim, um pouco de fama para ela também, claro.

    – “Outrossim”?

    – O senhor não conhecia?

    – Não. Conhecia “outro não”. Era o que eu ouvia de sua mãe toda vez que lhe pedia um beijo. Ela dizia: “Outro não, Valfredo. Por hoje basta.”.

    – Ah, pai, o senhor é mesmo ignorante. Não é “outro sim”; é “outrossim”, entendeu?

    – Não estou vendo diferença, mas entendi. O contrário, então, deve ser “o mesmo sim”. E não outro!

    – Caramba! Achei massa essa história do beijo. Então ela lhe dava um fora… Que sádica! E o senhor, entrementes, o que fazia?

    – “Entrementes”? Deixe eu ver… Primeiro preciso saber o que é “entrementes”. É alguma coisa como “escorraçado”?

    – Nada a ver. Significa “nesse espaço de tempo”.

    – E por que você não falou isso?

    – Porque a professora disse que “entrementes” impressiona mais. 

    – Nesse caso, pode entrementar à vontade. O importante é que você arrase na redação.

    – Esse é meu desiderato.

    – Como?

    – “Desiderato”, “vontade”, pô! Também o senhor não saca nada da língua portuguesa!

    – Desculpe, ando meio desatualizado. Embora, aqui pra nós, esses termos que você está usando sejam um tanto serôdios.

    – “Ser” o quê?

    – Serôdios! Sua professora não mandou você usar essa palavra no lugar de “antigos”? Se ela ainda não fez isso, vai fazer. Com certeza.

    – Epa! Nada de “com certeza”! É “indubitavelmente”. E sabe de uma coisa? É mister que eu não converse mais com o senhor.

    – “Mister”?!

    – Isso mesmo. E não fale mais da minha professora, viu? Não quero ouvir. Se fizer isso, que seja à sorrelfa.

    – “Sorrelfa”!? Essa também veio da professora?

    – Negativo. É contribuição minha mesmo. Pesquei no dicionário para fazer uma surpresa a ela.  

    – “Sorrelfa…” Socorro, Alaíde! Vem cá ouvir teu filho. Alguma coisa muito séria está acontecendo com ele!

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