Contos

UM ESCÂNDALO

Nem bem entrou no vagão do metrô, você ouviu os aplausos. Os passageiros que lá estavam o olharam e começaram a bater palmas em sua direção. Quem lia dobrou o jornal, os outros olhos saíram da tela do celular e todos passaram a aplaudir, aplaudir. Os velhos sorriram e balançaram a cabeça em aprovação. As crianças se assustaram com o barulho. Os jovens eram os mais estridentes, juntaram gritos e assovios aos aplausos. Era um modo teatral de aplaudir, pausado, ritmado, uníssono, como costuma acontecer no final de uma peça, em que os atores saem do palco e voltam em seguida para agradecer outra vez o entusiasmo do público.

Como um bicho solitário dentro de uma jaula, sentindo o peso do olhar de todos, você não sabe se sorri ou se cobre o rosto, envergonhado. Não sabe se mostra gratidão pelos aplausos. Não sabe por que está sendo ovacionado. Você não sabe nada.

Na estação seguinte, mal as portas se abriram, você saltou e correu desembestado pela plataforma. Não olhou para trás, não quis sofrer mais do que sofre diariamente. Mirar-se no espelho todas as manhãs e confirmar o engodo e a fraude em que tinha se transformado já era doloroso demais. Que isso tivesse se tornado público era insuportável. Perceber que esse mesmo público o aceitava como tal era um escândalo.


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Mário Baggio

Mário Baggio é jornalista e escritor. Nasceu em Ribeirão Claro-PR. Mora em São Paulo-SP desde os anos 70. Tem 6 livros de contos publicados: “A (extra)ordinária vida real” (2016), “A mãe e o filho da mãe (2017), “Espantos para uso diário” (2019), “Verás que tudo é mentira” (2020), “Antes de cair o pano” (2022) e “A vida é uma palavra muito curta” (2024). Publicou contos em várias revistas eletrônicas (Germina, Gueto, Ruído Manifesto, Subversa, entre outras). Escreve quinzenalmente no blog literário Crônica do Dia e no Crônicas Cariocas. Participou da “Antologia Ruínas” (2020), “Tanto mar entre nós: diásporas” (2021), “Brevemente Infinito” (2024) e Antologia de Contos da UBE-União Brasileira de Escritores (2021 e 2023).

Um comentário

  1. Baggio é dono de um estilo único de se fazer bons contos. Parabéns pelo retorno ao Crônicas Cariocas.

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