O tempo está sujeito a chuvas e trovoadas, o horizonte parece mais distante e inatingível como o daquelas tardes à beira do mar, quando se faz planos inúteis para o futuro. Uma garota brinca com seu cachorro na rua onde poucos carros passam. Corre uma ambulância com a sirene ligada, e eu jogo fora, mais uma vez, outro poema que escrevi sem pensar.
A história é escrita diariamente por um robô, tantos fatos iguais se repetem até que fiquemos fartos. Caem os heróis de ontem, e hoje não conseguimos fabricar um novo — não tiramos ninguém de real valor do meio dessa gente de pele mole, olhos opacos e nervos flácidos. Minha memória tenta resistir, mas já conhece seu tempo de validade, e eu luto à exaustão para permanecer. Sei que só ela sobrará quando eu não estiver mais aqui.
Vejo presidentes passando na rua, vejo também os opositores, e a proximidade entre todos eles me espanta. Vejo um bloco de Carnaval vestido de falsa alegria, os foliões tocam bumbo e corneta e gritam frases estridentes, mas as vozes não têm vibrato nem metal e não alcançam além dos próprios ouvidos.
Ouço sobre o suicídio coletivo das baleias no Mar do Norte, a televisão se esforça para mostrar só o seu ponto de vista, as galinhas põem ovos coloridos, eu tomo um sorvete de chocolate e observo com preguiça o deputado corrupto que vocifera no plenário contra a corrupção.
Enquanto isso, tua cintura cresce e se arredonda feito lua cheia, beijo teu umbigo e juntos aguardamos a chegada da nossa cria.