Não é notório o peremptório pacto sobre formas de estrutura de quina nos guarda-corpos (popularmente ditos corrimãos). Deixemos que a liberdade flua por entre as forças físicas que o mantêm firme: deitemos por terra a quina, uma reta majestosamente anacrônica, que se vangloriza da sua sina – e importância ‘inforjável’(1).
Estruturas… abalemo-nas! Libertemos os ângulos, para que sejam mais agudos ou obtusos aos olhos de um passante com tempo livre – cada vez mais curioso… raro é o observar; os ângulos podem ser o que lhes convir, a torto ou a direito – tudo é ilusão e perspectiva. Um guarda-corpo sem discernimento pode se encontrar na esquina de si mesmo – ou foi o ponto no qual entendeu-se perdido? Labiríntico idílico! Interface por interface, sejamos ousados no trilhar dos nossos limites: esquecei os ângulos retos! O mundo não está mais para a certeza do que já foi traçado. A complexidade dita, as pernas de ponta a cabeça sem que as veias se exaltem e o sangue avermelhe-nos a face, pelo rigor da gravidade – nem esta é contínua no mundo ubíquo da tecnologia. Hoje, em 2024, é possível contratar um pacote turístico com destino à Lua. Deixar um avatar artificialmente inteligente – sua cópia fidedigna, em uma constatação física e um parecer primário – pronto a uma substituição que preza pelo fim da morte…
O que há de ser belo em uma existência em linha reta para o infinito, sem olhares tangenciais e qualquer banalidade chamada ‘fim’?
Sem caminhos (quiçá, atalhos) a nos direcionar os sentidos, pairaríamos no ar, ecoando sutil e lentamente pela eternidade sem deixar vestígios. De que vale a imortalidade, senão o mesmo que o acabamento vertical de canto, triplamente “es” (esnobe, estético, estrutural), da borda do parapeito?).
Por segurança, limite, estremeio, rigidez e demais sofismas sem sentido destinados a prolongar a defesa efusiva da pretensa multifuncionalidade do objeto, enlataríamos o mundo e vagaríamos a uma frequência desaturada, sisuda e aleatória, em busca da grande busca. Não faz sentido: um ultimato é qualquer coisa que artimanha, maliciosa em sua finitude, instigando-nos a desejar, sonhar, tentar, errar, cantar, amar, odiar, refletir, insistir, desistir, sentir, existir, eternizar – só pela fugacidade das cidades, estas que são mutáveis por natureza – tão humanas!
A luta que nasce do luto – não enlatado – é todo um universo que importa. Com o pesar, perde-se a visão de uma realidade que já não existe, mas desabrocham os outros sentidos, pelos quais também deveríamos aprender a viver. Experiências negativas são essenciais em uma instância de equilíbrio; inexistindo-as, acabaríamos todos sentados num banco de praça, esperançosos, empunhando nossas sacolas recheadas da feira domingueira. Sorriríamos para o vazio, como se este nos fosse sorrir de volta. E ali esperaríamos, não sei o quê. A atmosfera positivista, essa razão-artefato ofuscante, por vezes clareia-nos tão pujante, que nos cega em realidades paralelas. Então tropeçamos em nossa própria ignorância, com ares de sabidos. Há aqueles que se levantam, e há também os que permanecem entorpecidos, e assim se ajustam, aos caprichos do compasso.
O usuário-sapiens da Era das Complexidades aproxima-se, em mentalidade, mais a uma criança caprichosa, cujo interesse converge apenas à diversão no aprendizado, com ares de carpe diem, sem perceber a ilusão e os escombros deixados pelos ingênuos, que permanecem tal qual migalhas, à espera da doce promessa de um conto.
(1) Neologismo da autora.