A SANTA DAS BRs
Das que vivem nas estradas e costumam subir na boleia dos caminhões, a Santa é a mais velha. Ainda conserva as grandes tetas, com o bico marrom pendurado nas extremidades. O pinto ela nunca quis cortar. “Esse nasceu comigo e ainda tem serventia”, justifica. Esperta e rápida, conhece e domina as rodovias próximas à cidade e a paisagem escura ao redor, apesar da iluminação forte dos postos de gasolina. Contam que é sobrevivente da matança de travestis nas BRs nos anos 2000, na capital paulista. Poucos motoristas chamam por ela. Quando aparece um que queira, ela cobra vinte.
Para as mais novas como eu, é um alívio ver a cara enrugada da Santa toda noite por perto. As BRs escondem perigo e nunca se sabe quem está na cabine dos caminhões estacionados. Como aquela vez em que o motorista do Rio Grande do Sul, depois de encher a pança de cerveja e fazer o que queria comigo, não quis pagar pelo serviço e apertou meu pescoço com os dedos cheios de gordura. A Santa percebeu, invadiu a cabine e, com as unhas, tirou sangue da cara do sujeito. Ela me olhou e gritou com um vozeirão que eu desconhecia: “Esse tem grana no porta-luvas, pega aí. E corre, estúpida, tá esperando o quê?” Peguei o dinheiro e desci correndo da cabine. A Santa também desceu e sumiu na escuridão.
Ela me salvou a vida. Foi quando entendi o motivo que faz a Santa, apesar de pouco solicitada, continuar nas BRs. Também entendi o nome que puseram nela.