língua

  • 6 poemas de Campista Cabral

    #06 – FAZER POÉTICO

    O primeiro verso é um pouco como o ar
    Palavras soltas, palavras para cá e para lá
    Mas mãos cuidadosas vão caçando no brincar
    E o céu poético se ordena e tudo lá está.

    O quinto verso, já encorpado, é como a terra
    Palavras fortes e consistentes que criam raiz
    E mãos habilidosas escolhem no tempo de espera
    E o chão poético é desejoso e tudo diz.

    O nono verso movimenta-se ágil como a água
    Veloz como as corredeiras e quieto como lago
    Percorre a vida a noite inteira e depois deságua

    E quando tudo parece a morte – derradeira cena
    As cinzas das brasas voltam ao natural estado
    O último verso dissolve-se e é o fim do poema.


    #05 – EXERCÍCIO POÉTICO

    E vai e vem e vem e vai e agora cai
    Um verso e mais outro e outro mais
    E de novo, mais um e mais um e mais um
    E a rima certeira se aconchega em “algum”

    E vem e vai e vem e vai e de novo cai
    Mais um verso e mais outro e outro mais
    A rima, no momento, se aproxima do “cais”
    E então, a estrofe, mais uma, vai…

    E assim segue o poema um pouco escorregadio
    Inteiro, em pedaço, movediço e quebrável
    Todo, completo e depois o vazio e o nada!

    E assim segue o poema um pouco vadio
    O primeiro ou o último, inteiriço, mas mutável
    Item por item, som a som, palavra por palavra


    #04 – TEMPO

    Horas… as horas… é o tempo que passa
    e passa o tempo todo o dia inteiro
    independente do que faça ou não faça
    devagar e impreciso ou certo e ligeiro.

    Curioso é que tudo muda nessa trama:
    o sentimento que se sentia já não sente
    o amor com que se amava já não ama
    todas as coisas passam, assim, de repente.

    No fim de tudo, até os sentidos somem
    e transitamos entre o que há e o que não há:
    o improvável, o contraditório, um senão…

    Tempo, palavra antiga, antes do homem…
    Marca do que foi, do que é e do que será
    máscara de sonhos, momentos, desilusão.


    #03 – LÍNGUA

    Língua breve, toda clara, toda escura,
    Aos poucos caminha, para, continua.
    E entre o areal, a bruma, a leve chuva.
    A face se mostra, inquieta e muda.

    Língua instante – objeto nada – rara, pouca.
    Para, continua, para, tonta e louca.
    Ensaia um grito, uma palavra, outra,
    A voz se insinua, miúda e rouca.

    No entanto, nas contradições do descaminho,
    Faz-se a língua na própria língua
    Faz-se o verso em todo o canto.

    O poeta, imagem irreal, o instinto,
    Busca a palavra, suga-lhe o sentido.
    Regurgita o poema sob aplausos e espanto


    #02 – SOMBRAS, PEDRAS E RIOS

    Sombras, rios, sussurros ou delírios?
    Delírios, sombras, rios ou sussurros?
    Pedras, muitas pedras correm com os rios.
    Com os rios correm os murmúrios.

    Rios, sussurros, delírios e sombras.
    Pedras, muitas pedras correm com os rios.
    O resto são assombros e tu contas
    Que escrevo um poema? Delírios!

    No primeiro terceto faço questão:
    Pedras, muitas pedras correm com os rios.
    Sombras, sussurros, mas o que são delírios?

    Imaginar que faço o poema e não
    Importa-me o verso que segue… São fios
    E tu a acreditares nas pedras e rios?


    #01 – É A ROSA

    Nas rodas antigas o freio e a vida
    É a rosa, desgosto, gosto do mundo
    Frágil, sublime, aos poucos ferida
    Viva num instante, morta num segundo.

    A entreter o poeta num beijo longo
    Ao desfalecer é pedra, mar e cio,
    Conchas de luz no céu onde ponho
    Um poema um tanto escorregadio.

    E foge de mim assim como o mar,
    E foge de mim sem sequer pensar,
    E foge de mim sem mesmo olhar.

    É a rosa, tanto doce quanto amarga,
    É a rosa metade da madrugada,
    É a rosa, poeira e mais nada.


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