Quinta-feira

  • Sempre é tempo de refletir!

    Em visita à antiga capital mineira, Vila Rica, descobri que a história conta suas verdades com sangue e dor, mesmo que o fruto tenha sido dourado.

    Hoje a cidade se chama Ouro Preto, cujo nome teve origem porque uma camada preta de minério de ferro cobria o ouro brilhante, e ao ser fundido, o ferro deixava à mostra o que tinha mais valor.

    O Negro mais famoso da região, veio do Congo, era o Rei Galanga Muzinga, se tornou o escravo mais caro e disputado pelo senhorio da região, para extrair ouro nas minas e comandar seus trabalhadores marcados a ferro. 

    Em Vila Rica ele virou Chico Rei, o homem que ganhou dinheiro para se auto alforriar, e trabalhou com muitos outros para fazer o mesmo, ajudando a todos para que tivessem novas vidas, livres das amarras da escravidão, do chicote, da fome e do senhorio, que os tomaram de suas terras e famílias.

    Em 6 de janeiro de 1747, Chico e todos alforriados comemoraram suas liberdades na Igreja Nossa Senhora do Rosário.

    Mais tarde ele construiu uma capela em homenagem à Santa Efigênia(negra), que foi pintada por muitos artistas por longos anos.

     Chico foi coroado Rei junto a seu povo, num grande evento que se tornou anual na ocasião da festa da Senhora do Rosário.

    Outro Negro famoso naquela região, por seu talento como escultor, era filho de um Português branco, Manuel Francisco Lisboa, com a negra Isabel. 

    Raramente os Portugueses reconheciam os filhos que vinham de sua relação com as indígenas ou as negras, mas Aleijadinho foi exceção e deixou seu legado esculpido como decoração nas ruas de Ouro Preto, Mariana, São João Del Rei, Sabará e Congonhas do Campo.

    A vida imita a arte, e constrói caminhos pra que nossos descendentes desfrutem do prazer de uma existência livre de ausências e dores, rica em esperança e possibilidades, com direito a usufruir de seus sonhos, mesmo com as mãos calejadas de dor, num corpo farto em talento.

    Outro negro alto e forte, o carrasco da época, pediu perdão a um certo alferes antes de enforcá-lo. Esse momento culminou com o fim do filho de Ouro Preto, que se tornou um dos mais populares inconfidentes.

     Joaquim José da Silva Xavier, que aprendeu o ofício de arrancar dentes com seu padrinho, por isso recebeu o apelido de Tiradentes. 

    Sempre é tempo de refletir sobre o que passou por nós, como chegamos aqui, e o que nos espera. 

    Se a renovação é o que desejamos, que sejam fartos os momentos, para que a história de muitos tenha válido a pena ter sido vivida.

  • Nem um pouco bonito!

    Há uma frase atribuída ao renomado psicanalista austríaco Sigmund Freud que diz o seguinte: “Quando Pedro me fala de Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”. Embora sua autoria seja discutida — há quem sustente que a frase é da ensaísta canadense Lise Bourbeau, porém, é certo que a declaração atinge em cheio quem tem mania de fofocar.

    É válido ressaltar que fazer fofoca consiste em um hábito socialmente arraigado em praticamente todas as culturas, afinal, somos curiosos por natureza e, consequentemente, interessados na vida alheia. Mas, os fatores nos quais envolvemos, os mexericos, em especial, quando falamos dos outros ou passamos o “disse me disse” adiante, revelam muito a respeito de nosso caráter, nossa personalidade e até como anda a nossa vida. E o que isso mostra, acredite, não é nem um pouco bonito.

    Para Blenda de Oliveira, psicóloga e psicanalista, a maioria das fofocas é tóxica e desrespeitosa porque simplesmente não há autorização de quem é envolvido para passar a informação adiante. “E mais: essa informação às vezes sequer corresponde à realidade. Sabe aquele ditado ‘quem conta um conto, aumenta um ponto?

    Não é apenas nosso valor moral que condena a conduta em falar da vida alheia. Juridicamente a fofoca nos Leva ao cometimento de alguns crimes e nos obriga a indenizar o prejuízo material ou moral que tenhamos causado em razão disso. É o que dizem a Constituição Federal e o Código penal brasileiro.

    Tem gente – e muita! – que parece se interessar mais pela vida alheia, principalmente os “defeitos” dos outros, do que por sua própria vida. E o adjetivo para eles? 

    Aí vão alguns: fofoqueiro, cesta-rota, zizaneiro, gazeteiro, saco-roto, onzeneiro, tagarela, calhandeiro, coscuvilheiro, novidadeiro, chocalheiro, intriguista, bisbilhoteiro, cavaqueador, tesoura, murmurador, mexeriqueiro, assacador de aleives, cavilador, detrator, aleivoso, vilipendioso, mordente, pechoso, vipério, sardônico, insidioso, introsca, enxerido, espora, leva e traz, de língua viperina, fuxiqueiro, futriqueiro, arengueiro, turgimão, porta-novas. 

    Você conhece algum?


  • O SACRIFÍCIO

    Dinah, nascida da mãe de Caim e Abel, era irmã desses dois. Irmã legítima, de mesmo sangue, mas diferente pelos músculos menores, pelas tetas, pelas pernas roliças. Diferente também por dentro: tinha útero. Olhavam-na. A mãe: “É uma mulher como eu, quando chegar o dia certo vai sangrar no meio das pernas.” O pai: “Não tem força pra me ajudar na lavoura, não serve de muita coisa.” E os irmãos: “É como uma ovelha, só que maior; quando chegar a hora, Deus se agradará de uma oferta assim gorda.”

    Tempos mais tarde, a família colocou Dinah na frente da pedra do sacrifício. A mãe cobriu o rosto com as mãos. O pai cuidou de despir as roupas da filha, cobrindo sua nudez com um mínimo de panos. Os irmãos tratavam de avivar as chamas do carvão. O fogo estalava. Antes de tudo, oraram de olhos fechados, braços abertos e dirigidos para o alto.

    Ouve-nos, Deus!
    Olha-nos, Deus!
    Aceita esta oferta, Deus!
    Abençoa-nos, Deus!

    O sol do meio do dia é inclemente e queima tanto quanto o fogo. A medula de Dinah começa a derreter. Um espanto: acima dos músculos dilacerados, bem acima das tetas inchadas, no fim do labirinto do útero, Dinah tinha uma cabeça. E olhos, e boca, e ouvidos. Como num riscar de pedras, como numa faísca, naquele instante antes do fim, Deus, pela primeira vez, lhe dirigiu a palavra e, pela primeira vez disposto a ouvir uma mulher, perguntou-lhe algo.

    Antes de ser consumida pelo fogo, Dinah respondeu.

    Deus não ouviu.


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