Crônicas

Ao mestre com carinho

Dia 15 de outubro sempre foi uma data importante para as crianças, momento de demonstrar o carinho por seus mestres. Para alguns a escolha é simples, pois com pouca imaginação podem comprar um presente convencional que certamente agradará.

Não foi o caso de Lucas, não. Naquele ano, queria muito homenagear seu professor preferido, o de biologia. Um homem apaixonado pela profissão e que tinha uma vida bastante solitária depois da morte da esposa. Por esse motivo, o menino queria que o presente fosse algo que pudesse preencher esse vazio.

Depois de muito queimar as pestanas, teve uma ideia inusitada, certo de que ninguém na sala o superaria no quesito surpresa. Sabendo da predileção do mestre pelos répteis, começou a pesquisar como poderia presenteá-lo com um espécime que fosse adaptável ao ambiente doméstico. Inicialmente pensou em um jacaré, pois já tinha ouvido falar de pessoas que criam crocodilianos em tanques na residência. Como não sabia se ele teria espaço para um réptil desse porte, descartou a ideia.

Fez então uma lista de requisitos que o rep-pet deveria atender: não fazer barulho, não atacar, não defecar grandes quantidades, não precisar ser alimentado, não destruir móveis, não comer roupas ou livros e, por último, não necessitar de atenção permanente.

Passou dias pensativo, passando em revista a lista de répteis que tinha no material de aula e suas características. Sapos foram descartados direto por conta do barulho. Cobras nem pensar pela agressividade. Jabutis seriam simpáticos, mas têm que sernalimentados. A escolha estava difícil. Até que, finalmente, numa noite quente, ao olhar para a parede viu algo se movimentando. Com o coração aos pulos, percebeu que tinha encontrado o pet-rep ideal: uma lagartixa! Sim, perfeito!! Ela passou com louvor na prova, atendendo a todos os requisitos da lista.

Teve uma certa dificuldade em captura-la, mas com muito cuidado conseguiu encurralar a bichinha e coloca-la numa caixa com furinhos, para que tivesse condições de sobrevivência até o grande momento do presente. Ao entrar na sala de aula, Lucas teve até um lampejo de dúvida — Como seria a reação do professor a esse presente tão estranho?

Quando chegou sua vez, com uma certa ansiedade ofereceu a caixinha com os seguintes dizeres gravados em cima: Ao mestre, com carinho, um companheiro fiel para suas noites solitárias. Olhos mareados, o professor abraçou Lucas, sem conseguir proferir uma única palavra. Desconcertado, o menino voltou para casa sem saber se tinha atingido ou não seu objetivo.

Dizem que as lagartixas vivem por cinco anos, e pelo visto isso é uma verdade. Um dia, já formado, Lucas encontrou com o professor de biologia que, sorrindo, lhe disse: “Sabe que o Lucartixa continua me visitando todas as noites?”


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Ana Helena Reis

Ana Helena Reis é paulistana, pesquisadora e empresária, com extensa produção de textos acadêmicos. Em 2019 começou a se dedicar à escrita literária e à ilustração de seus textos em prosa: contos, crônicas e resenhas, relacionados a fatos e situações do cotidiano. Publica em seu blog, Pincel de Crônicas, em coletâneas, e revistas eletrônicas. Em 2024 lançou seu primeiro livro solo, Conto ou não conto, pela editora Paraquedas/Claraboia, e, em Espanhol, Inquietudes Crónicas, pela editora Caravana/Caburé.

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