Na quietude da noite, em meio ao escuro do quarto, eles iniciam uma conversa.
Uns indignados, outros seguros de si, e alguns, incrédulos.
Como todos a conhecem, não poderia ser diferente.
— Naturalmente, diz o preto, eu me
garanto; vou com ela aos mais diversos lugares, do escritório às noitadas, restaurantes e bailes. Comigo ela fica tranquila, sabe que não sou inconveniente. Dou segurança e conforto. Portanto, serei o último a ser trocado ou nem isso, podem apostar!
— Querido, presta atenção!
Sabemos o quanto você a atende e, por isso, acaba sendo o preferido. Mas não pense que é pela sua cor.
Eu por exemplo!
Também vou a todos os lugares, sou seguro, discreto e tudo mais.
— Alguém me nota? Só se for para perguntar onde ela me encontrou. E suas amigas ainda dizem: com esse não tem erro! A cor não é o ponto da questão, já que sou considerado pardo.
— Verdade! eles dizem, ao mesmo tempo.
— Eu não sei de nada, pois sou a companhia certa dela para irmos em casamentos, batizados e ocasiões especiais. Estranho seria se não fosse assim. Só os brancos me entenderão!
Eles estavam ali, no quarto dela, discutindo, buscando entender o que havia.
Tudo aconteceu muito rápido.
Há pouco tempo, ela ficava dois ou tres dias em casa, resfriada talvez; aos finais de semana ia à praia, ou então apenas descansava em sua rede com os pés descalços, lendo um livro. E eles permaneciam tranquilos a aguardando.
Depois, ela passou a quase não sair mais de casa. Separou peças do guarda roupa, colocou em sacolas, etiquetou, limpou gavetas, caixas de quinquilharias e foi arejando o seu quarto.
Na manhã que a amiga foi buscar as sacolas de doações, eles entenderam tudo.
Seriam descartados!
E essa foi a razão da surpresa e da conversa noturna.
— Ela não nos traiu, disse o preto.
Mesmo quando trouxe para casa os baixinhos disfarçados, marrentos e cheios de si, ela nos revezou entre eles.
— Embora cada vez menos nos procurasse, um deles resmunga com um muxoxo.
Nada mais havia a ser dito.
A discussão terminou, a Reflexão se impôs e disse:
— Imaginem como não deve ser fácil para ela nos deixar ir embora.
Somos amados, bons, fortes e de qualidade. Ainda podemos ser úteis e
parceiros de outras mulheres.
E ela?
O Amor responde:
— Fizemos parte da sua vida e amar significa deixar espaço para o novo.
Nada é descartado ou trocado. Nem coisas e nem pessoas.
Ela está bem.
E vocês também ficarão.
Portanto, entrem em suas caixas, vamos!
— De fato, disse o mais antigo…
E aos pares, foram se acomodando.
É o ciclo da vida, resumiu o amarelo.