Toda vez que eu me vejo diante de uma situação de entrave burocrático causado pela tecnologia eu me lembro da Nova 99. Era uma autoestrada controlada por computador, considerada perfeita, e era personagem de uma estória em quadrinhos publicada na saudosa revista Kripta, lá dos loucos anos 70, que misturava ficção e terror.
No enredo uma família entra com seu carro autônomo, programava seu destino e quantas paradas fariam, e seguiam descansados e contentes pela rodovia. Pois é, mas como eu disse a revista misturava ficção e terror. A parte de ficção já foi agora vem a de terror. O sujeito se engana e programa como destino a casa do cunhado que ele detesta. Começa a confusão porque o sistema não permite que seja desprogramado. Tem que ir até o final e ponto.
O cara não se conforma, se rebela, abandona o carro e tenta sair da rodovia. Ele é atropelado e
fica todo quebrado e passa a vagar com a família, em companhia de outras pessoas que fizeram o mesmo. Lembra um pouco a lenda que diz que os funcionários da rede Graal são antigos clientes aprisionados por não pagarem a conta de R$ 90 por um pão de queijo.
Para mim, a Nova 99 representa a burocracia triunfante e, sem exagero, da dominação em geral. Inicialmente simpática e aparentemente prestativa mas que esconde em seu âmago o desejo de controlar a vida das pessoas.
Controlar alguém é para mim um ato ofensivo. Não é desagradável nem é mau hábito. É ofensa mesmo.
Porque traz em si a vontade de privar os outros do seu livre arbítrio, algo garantido para nós na maior parte das religiões. Tudo em nome de oferecer a você uma alternativa melhor, de cuidar de você, em favor do seu bem estar. É o máximo da prepotência alguém querer dominar sua vontade, comandar seu arbítrio dizendo o que você pode ou não fazer.
O discurso da Nova 99 vem pronto. E com sorrisos. Pode ser aparentemente bom, oferecer mil benefícios e tal, mas no fundo não passa de dominação. De agrilhoar outra pessoa.
Não acordei de mau humor nem brigado com a vida. É que assisti um bom filme de terror metafísico brasileiro e ainda estou de pelo arrepiado por causa dele. E sempre abre portas para divagações. Dessa vez, na linha sombria.
Mas passa.