Para sempre Urca
Naquela tarde quente de verão ele desceu do táxi na avenida Portugal, um pouco depois da igreja de Nossa Senhora do Brasil. Parou na mureta de pedra de frente para o mar apreciando a vista da enseada de Botafogo, do Iate Clube até a curva em direção ao Aterro. Suspirou sorrindo e disse para si com o peito estufado do mais genuíno orgulho carioca: incomparável.
Virou o rosto para dentro do bairro, olhou para as casas e prédios baixos e caminhou lentamente até achar o que procurava. Um dos prédios de três andares de arquitetura tradicional do bairro, charmosinho e típico da Urca. Sim tinha sido em frente a você, meu amigo de outros tempos, que eu sonhara com ela. Sentou-se de lado na mureta de maneira a ver tanto a enseada de Botafogo, com a estátua do Cristo Redentor no alto do Corcovado compondo o cartão postal, quanto aquele endereço tão presente em sua memória afetiva. Não tinha a menor idéia de quem morava ali nem como eram os apartamentos daquele pequeno edifício de três andares. Mas fora em frente a ele que fez alguns dos mais doces planos de sua vida. Planos jamais cumpridos.
Uma gaivota passou fazendo barulho e ele a acompanhou com o olhar. Quanto tempo fazia mesmo? 15 anos? 20 anos? Talvez mais.
Mas foi ali, naquela mureta de pedra, que ele fez planos com ela. Sorriam, riam e se beijavam enquanto escolhiam onde iriam morar ali. Na Urca.
O ideal seria ali de frente para o mar. Mas a grana não daria. Teria de ser em uma das ruas menores, mais para dentro do bairro. Mas a Urca não é grande então tudo bem, riam felizes.
Faziam a contabilidade dos filhos. Ela perguntava enigmática se ele preferira menino ou menina. Ele respondia apaixonado que tanto faz desde que fossem quatro. Ela ria alto, contente.
Na época ela tinha dito que queria engrenar o mestrado e o doutorado de uma vez. Ele concordara dizendo que se desdobraria como pai. Imaginavam a rotina diária, a escola dos filhos, os passeios a dois e depois crescendo aos poucos até chegarem a seis. Os dias quentes, os dias frios, os dias mornos e os dias felizes. Todos passados ali, na Urca.
Depois veio o depois com seu fim amargo. Poucas palavras tristes trocadas entre si. Olhares decepcionados, silêncios doloridos e suspiros amargos. E sua bela estória de amor tinha naufragado.
Cada um tomou seu rumo. Nunca mais se viram. Ocasionalmente ouvia falar dela mas aos poucos, como não queria mais saber nada a respeito de sua antiga bem amada, o rastro foi sumindo até que simplesmente esqueceu dela. Ele imagina que ela também o esqueceu.
Saiu do Rio, morou em outras cidades. Ainda mora longe mas naquela semana veio por compromissos profissionais. Um misto de reunião de negócios com lançamento de seu livro de contos. Sim, sorri para si mesmo, esse era um dos planos que fizeram naquela mureta de pedra. Ele tocaria em paralelo sua vontade de escrever para, quem sabe, se tornar uma sólida carreira de escritor. O tempo passou, vieram os livros mas a carreira de escritor ainda segue paralela à sua atividade principal. Menos mal, acaba dando um certo charme.
Suspira, confere a hora e mira o horizonte na direção do Corcovado. Tenho de ir embora. As pessoas me esperam na livraria.
Sentado ainda aciona pelo celular um táxi. O lançamento com noite de autógrafos será em Ipanema. O carro não demora a chegar e antes de embarcar ele lança um último olhar à paisagem completa. A enseada de Botafogo, aquele trecho da avenida Portugal e suspira. Esse é o seu lugar que nunca mais voltará, que foi uma possibilidade de felicidade que agora jaz no fundo de sua lembrança.
Triste, se acomoda no carro que parte rumo a Ipanema. Mas pouco antes de passar pela ponte do Quadrado da Urca ele sorri para si mesmo e pensa: a lembrança nunca desparecerá da minha memória porque está eternamente gravada. Na mureta de pedra da Urca.