Crônicas

Cachaça, reza e um Papa gente boa

Naquela segunda-feira chuvosa em Ipanema, o sol tirou folga. Depois de um fim de semana vaidoso, ensolarado e cheio de turistas na areia, ele se recolheu como quem respeita um luto.

No lugar dele, veio a garoa. Capas de chuva nas calçadas, cangas de folga no armário e um silêncio molhado pairando sobre a cidade. Eu, mineiro de férias no Rio, escrevia umas crônicas no bloco de notas do celular quando veio a notícia: Papa Francisco morreu.

Fiquei abalado. Abaladíssimo. Nem sou católico — sou do time que entra na igreja pra admirar o forro de madeira —, mas meu amigo é. E com ele, missa é antes do café. Domingo mesmo fomos ao Mosteiro de São Bento, na Praça Mauá. Missa linda. Depois, um café da manhã  na Visconde com Farme.

Dizer que o céu chorava pode parecer exagero. Mas ali, com meu amigo ao lado e o coração um pouco apertado, chorei debaixo do guarda-chuva.

Gostava de Francisco como se gosta de uma avó italiana: ele falava com firmeza, ria com os olhos e dava bronca com afeto. Canonizou Irmã Dulce, beatificou Frei Galvão, estendeu a mão pros refugiados, acolheu os gays e soltava frases que viravam camiseta.

Um dia, disse a um brasileiro: “Vocês não têm salvação. Muita cachaça e pouca reza.” Depois, deu a bênção com seriedade franciscana.

Talvez nenhum outro Papa tenha entendido tão bem o Brasil. Nosso jeito de rir da desgraça, de rezar e de fazer piada ao mesmo tempo. Francisco era argentino, mas ganhou a alma da gente.

Ali, naquela manhã nublada de Ipanema, eu não rezei um terço. Mas agradeci em silêncio.

Obrigado, Papa Francisco.

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Leandro Alves

Leandro Alves é mineiro. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas. Como cronista, participou do Jornal Porta Voz de Venda Nova, criou o blog Preciso De Uma Crônica, além de ter publicado também no site OperaMundi. Cinéfilo apaixonado pelo cinema brasileiro, pela MPB, por poesia, Carnaval, sem falar em ler seus cronistas preferidos como Rubem Braga, Carlinhos de Oliveira, Martha Medeiros e Affonso Romano de Sant'anna.
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