Alguns acontecimentos recentes me despertaram para algo que suspeito faz tempo: a sorte tem seus escolhidos.
Por mais que não haja um processo claro e justo para esse favoritismo, ele acontece ali diante dos nossos olhos. É como assistir seu irmão ganhar de presente de Natal um carro elétrico e você um lindo pijama florido de flanela. A diferença é gritante, a revolta é muda, a raiva, efervescente; e uma pergunta que sobe pelas paredes: por quê? Por quê?
A sorte assume seus filhos preferidos de forma escandalosa. Faz concessões absurdas, muda as regras e os critérios para agraciar seus queridinhos. E não adianta reclamar, bater pé, rogar por igualdade, o jogo é sujo e indecoroso.
Quem tem sua benção, em geral, não precisa de esforço, empenho, desgaste, a coisa acontece, cai no colo, bate na porta. Quem não conhece alguém que tem a vida afortunada pelo acaso? Nem me refiro aos que nascem herdeiros, não. Esses também têm o que eu queria ter, mas, muitas vezes, pagam o preço de uma família insuportável, vivem numa selva emocional, de competição e vazios que eu não invejo.
Refiro-me ao sujeito comum, assim como eu, que por ordem da Mãe Suprema, Dona sorte, recebe, de mão beijada, o que eu não alcanço nem de mão cuspida. Exemplos não faltam: a pessoa que se dedica ao trabalho e nunca chega a sua vez de ser promovida porque tem sempre alguém que não faz nada, mas é a escolhida; as colegas de academia, fisicamente privilegiadas em curvas e formas que comem de tudo e não engordam, os que acertam na Mega-Sena. Enfim, diante dos fatos não há argumentos. Ou a Sorte tem seus escolhidos, ou a vida tem um prazer mórbido de ser injusta, implicante e ordinária, ou ainda eu e todos os filhos renegados somos invejosos e despeitados. Mas assumo: ouvir uma escritora, premiadíssima, dizer que nunca desejou fazer sucesso, apenas “aconteceu” em sua vida, me derrubou. Constatei de forma brutal que não sou mesmo atraente para sorte. Passo longe de ser a favorita, a preferida, a escolhida, a queridinha. Pelo visto, ela se agrada dos filhos rebeldes, desinteressados ou distraídos. Só me resta saber: todo patinho feio pode virar cisne pelo seu próprio esforço ou só deixa de ser patinho feio se um cisne poderoso decide promovê-lo ou enxergá-lo como tal?
Sem encontrar a resposta ou garantias, me atravessa outra dúvida: continuo escrevendo minhas crônicas, livros e poemas? Sigo divulgando, postando, fazendo cursos, indo às feiras literárias na tentativa de construir meu lugar? Insisto em esperar que os amigos leiam, compartilhem meus escritos? Alimento o sonho que me abraça de ser lida por muitos e pelo mundo, de habitar escolas e bibliotecas? Ou me faço de tonta para que a sorte me perceba e a magia aconteça?
Acho muito cansativo tudo isso. Prefiro torcer para que a persistência seja aquela tia boa que, inconformada com o favoritismo do caçula, se empenha em compensar o renegado, lhe dando um sorvete de casquinha, um brinquedo interessante, um colo quentinho e um cafuné reconfortante.
Vc tem razão sobre a sorte escolher seus queridinhos! Presenciei alguns sortudos ao longo dos meus inúmeros dezembros! Por isso, várias vezes me comportei como a madrinha que presenteia as afilhadas, com alguma bobagem, mas dando destaques como se fosse ouro em pó! Também recebi de volta!! Mas deixo o registro de que a sua escrita é um bálsamo! 😉🙌🏽
Belas reflexões, Soraya. Gostei muito da crônica. Grande abraço.
Você não imagina a alegria que senti por ser lida por um escritor que sou fã. Obrigada!
Lindo texto que provoca reflexão e me dá vontade de dizer: “não desanime, não desista, você escreve magnificamente bem”.
Não deixe de alimentar “o sonho de ser lida por muitos e pelo mundo, de habitar escolas e bibliotecas”, mas, se nada disso acontecer, saiba que muitos de nós escritores seguiremos, a partir do seu texto, refletindo sobre a sorte de alguns poucos contemplados, e trabalhando para que chegue a nossa vez.
Oi Soraya!!
Eu vejo nesse texto a frustração de quem se sente à margem da “sorte”, uma sensação muito comum. A comparação com os “sortudos” destaca a amargura silenciosa de lutar sem ver o reconhecimento merecido. Mas, ao final, eu vejo também a esperança na persistência como uma forma de compensação reconfortante. Talvez a “sorte” não escolha seus favoritos de forma justa, mas a insistência em continuar pode ser a verdadeira força que, ao invés de esperar por um milagre, constrói seu próprio caminho.
Nossa, adorei a reflexão. Muito obrigada, pela leitura e participação.
Minha resposta saiu como anônimo, mas sou eu, Soraya.
Eunice, suas palavras me inspiraram. Obrigada pelo carinho e leitura.
Esse texto é profundo e reflexivo demais porque não deixa de ser verdade .Claro muitas vezes não se trata da inveja cruel de energia densa .Mas é o questionamento que fazemos de tanto esforço e tudo ser tão difícil . Dentro dessa narrativa refletimos e filosofamos a natureza de nós deres humanos e o que a vida escolhe ao favorito .
Obrigada, amiga, pelo seu apoio desde sempre!
Eu diria que esse texto seguramente me deixou mais forte. Vc é na verdade uma filósofa, amiga Soraia.
Lu, obrigada pela leitura carinhosa e por sua participação. Amei!