Crônicas

Cry me a river

Se você de repente descobrir que se perdeu de mim, não sofra muito. Ou ao menos faça como eu e tente não sofrer muito. A falta da presença minimamente incomoda e honestamente se não conseguir tudo bem porque eu mesmo nem sei se isso é possível.

Mas sei que se perder acontece. Lamentavelmente.

Pode ter sido algum caminho que eu ou você escolhemos. Ou nem isso, fomos apenas jogados nessas direções, opostas ou paralelas mas sem nos cruzarmos. Circunstâncias, azares, ventos, quem sabe. Os gregos acreditavam que as pessoas eram meros joguetes da vontade dos deuses. Pode ser também. Zeus e Hera brigam e nós pagamos a conta. Enfim…

Se foi você quem escolheu esse caminho diferente ou fui eu, ainda importa mesmo? Talvez seja mais importante saber o que nos motivaria a olhar na direção um do outro. Não um olhar de estranhos mas aquele olhar de olhos que se cruzam e se alinham e aninham no reconhecimento.

O reencontro dos olhares não é impossível. Não seria como foi um dia porque aquilo que passou, passou. Seria certamente em outros termos. Uma nova receita.

Com boa vontade mútua para abrir os trabalhos, umas doses de concessões leves e bastante atenção para não abrir feridas. Paciência para regar por cima e pode servir levemente aquecido deixando a temperatura ambiente decidir se esquenta ou esfria.

No mais, não pode faltar boa vontade em crer que não foi por maldade que os passos tomaram direções diversas levando um para longe do outro. Um par por opção, outro por falta de opção.

De qualquer forma terá algo de doloroso para os dois se os olhares se cruzarem. Sempre é para quem amou demais – como se houvesse amar de menos ou se amor fosse demais. Mas a gente sobrevive. Vida que segue e vem em ondas.

Se eu for até você, não sei o que vou encontrar. Mas minha coragem é grande. E sofro calado. Se você vier até mim não vai encontrar a porta trancada. Venha sem medo porque comigo mal algum encontrará.

Se a porta estiver dura de abrir é porque as dobradiças estão enferrujadas. Nada demais. Normal em porta fechada por muito tempo. Não pode usar força para abri-las. Com um pouco de determinação e alguma paciência elas cedem.

Mas se vindo do outro lado da porta você escutar “Cry me a river” na voz de Julie London, atenção. Seja paciente e vá dar uma volta. Ou entre e venha escutar junto.

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Fernando Neves

Fernando Neves é carioca, nascido em 24 de setembro de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Mora na cidade de São Paulo, continua Tricolor de Coração, é separado duas vezes e tem filhas gêmeas do segundo casamento. Jornalista profissional, desde os tempos no Colégio Pedro II sempre se interessou pelas letras, seja como leitor ávido seja como aprendiz de escritor. O jornalismo abriu a oportunidade de escrever e praticar mas não foi suficiente para seu desejo de escrever cada vez mais. As opções de forma são a mininovela e o conto. O estilo adotado pelo autor compreende um arco que inclui suspense, humor, conspiração e realismo fantástico. Semanalmente ele exercita sua paixão pela crônica e poesia publicando em seu instagram @fernandonevesescritor.

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