Crônicas

Ensinamento de vó

Eu não tenho dúvida de que o pensamento positivo é um recurso indispensável ao bem viver. Não sei se ele remove montanhas como faz a fé, mas, certamente, alivia a dor das topadas que damos na montanha. Pelo menos, foi assim que aconteceu comigo: passei o dia 31 fazendo minhas orações, mandingas e simpatias para a virada. Vibrei positivo, recarreguei a mente de energia limpa, joguei para o universo meus maiores anseios e desejos, certa de ser escutada e atendida. Abri os braços para 2025 e declamei em voz alta estar pronta para receber tudo de bom que os astros pudessem me oferecer. Usei roupa clara, alfazema, arruda e rosa branca. 1 de janeiro chegou suave, dengoso e cheio de promessas de uma parceria feliz.

Mal me entreguei à certeza dessa relação fervorosa e já me desapontei. Bastou uma volta de carro apreciando esse primeiro céu azul do novo ano para a relação desandar: passei num buraco e recebi de presente um orçamento de mil reais da oficina mecânica. 

A lição foi clara: cuidado com a paixão que muito promete. 

Quem disse que alguma coisa muda por conta de uma simples troca numérica? 

Não importa, continuo defendendo a magia transformadora do pensamento positivo. Foi bom poder me dizer “quem sabe foi um livramento? Podia ter sido muito pior”. Sendo honesta, também me rondou os ouvidos “que azar o meu; tinha que ser comigo? Ganhar na mega que é bom nada”.

Mas, antes que a minha briga com 2025 esquentasse e trocássemos injúrias, fui invadida por aquele desejo de perdoar que só os apaixonados conhecem. 

Deixei pra lá, argumentando “ainda bem que tenho dinheiro para pagar o conserto. Isso é sinal de que o ano vai ser glorioso, porque o que podia dar errado, já deu. Agora, será só vitória”.

Consideram um otimismo exacerbado? Um pensamento positivo-ilusório? Devaneio? Maluquice? 

Não sei, mas funcionou. Transformei aquela raiva ardida em gratidão ao universo. Me senti especialmente abençoada e fiz as pazes com esse mocinho inquieto e surpreendente chamado Novo Ano.

Seja como for, já dizia minha vó: ruim com ele, pior sem ele. 


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Soraya Jordão

Soraya Jordão é psicóloga e escritora. Nasceu no Rio de Janeiro em 1968, sob o signo de Virgem. Durante a pandemia, descobriu seu interesse pela escrita. É autora do e-book de contos Histórias que contei pra Lua, publicado pela Amazon, em 2022. No mesmo ano, publicou o livro infantil O plano do tomate Tomé, pela editora Itapuca. Foi finalista do concurso Poeta Saia da Gaveta do Verso Falado (2021) e do concurso de crônicas do Instituto Fome Zero (2022). Recebeu menção honrosa no Concurso Literário Relâmpago Virtual, da FALARJ, em 2023. Seu primeiro romance Ciranda de mamutes foi selecionado e publicado pela Editora Patuá em 2023. Escreve para os sites Crônicas Cariocas e Crônica do Dia.

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