Crônicas

O azul e a lágrima

A manhã estava calma. Calma como um gato se espreguiçando.

Tinha combinado de almoçar com um amigo, ali pros lados do Mercado Central. Um passeio tipicamente mineiro: caminhar pelo centro sem pressa, sem carros, sem aquela multidão apressada. Nem buzinas, nem o relógio invisível cobrando compromissos. Conversávamos sobre música, livros e algumas bobagens que fazem bem. Uma moça gritou:

— Gente, olha ali! O que é aquilo, meu Deus?

Na esquina da Augusto de Lima com a São Paulo, dois moleques batiam num velho. Tentavam arrancar algo dele. O homem reagia como podia. Dava uns sopapos, levava outros.

A cena corria diante dos olhos da cidade. O povo assistia. Comentava. Protestava — só com a boca. Braços e pernas, não. Esses estavam mudos. Uma moça gritou:

— Eu filmei tudo! A polícia vai pegar! Tá tudo aqui!

Até que um homem, forte e corajoso, entrou no meio. Encarou os pivetes. Eles correram. Sumiram como ratos quando a luz acende.

A tristeza embaçou minhas vistas. A manhã perdeu o brilho. O sol, as árvores, os pássaros — tudo parecia cenário falso.

Que cidade é essa que assiste calada um velho apanhar? A paisagem virou ruína.

O homem forte correu atrás dos garotos. Não sei no que deu.

Fui almoçar com meu amigo. Porque, mesmo triste, a gente almoça. Conversa. Toca a vida.

Ficou só uma prece, em forma de crônica:

Alguém, por favor, olhe para esta cidade.

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Leandro Alves

Leandro Alves é mineiro. Formado em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a PUC Minas. Como cronista, participou do Jornal Porta Voz de Venda Nova, criou o blog Preciso De Uma Crônica, além de ter publicado também no site OperaMundi. Cinéfilo apaixonado pelo cinema brasileiro, pela MPB, por poesia, Carnaval, sem falar em ler seus cronistas preferidos como Rubem Braga, Carlinhos de Oliveira, Martha Medeiros e Affonso Romano de Sant'anna.

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