Crônicas

O beijo salvador

Vida de mãe de adolescente é dureza. Que foi, a namorada de algum deles tá tirando o seu sono ou o dele? Não, nada, nesse campo está tudo calmo. O que foi então? O meu mais velho fez 18 anos há três meses e rapidinho aprendeu a dirigir. Ai ai, agora começa a fase de fazer cara de cachorrinho e pedir “empresta um pouquinho seu carro”? Claro, rsrs, e foi isso mesmo, ele me pediu o carro para ir até a Barra. De dia? É, para ver umas coisas lá do time de volley. Ai, que ótimo quando eles se interessam por esporte né? Verdade, essa dedicação ao time, a disciplina… Fora que faz um bem danado à saúde. Verdade. Mas conta, ele pegou o carro. Sim estava ali no Humaitá quando foi parado por uma blitz. Que chatice, mas ele não tinha bebido, né? Nada, o Rafa é só no suquinho. Ai que bênção, amiga! Pois é, Oxum me guia e guarda meus filhos. E ai? Eu esqueci de pagar o bendito licenciamento. Ai, que mancada!  Acontece, você sabe, não tem nada demais. Verdade é só um papelzinho virtual e nada, nem sei para que serve. Nem eu mas o negócio é que ele foi parado por causa dessa porcariazinha. Xii, e ai? Ai que o policial não quis conversa e guincho nele. No seu filho? Não, no carro né. Ah tá, e levaram seu carro? Vai vendo, ele ligou para o pai. Ah sim, seu ex-marido. E sabe o que o bonitão respondeu? Nem imagino. Não podia sair do consultório para ajudar o próprio filho. Jura? Tô te falando. Ah tenha paciência, né? Minha mãe que tem razão quando diz que na hora de fazer todo mundo quer, mas cuidar que é bom não aparece uma alma. Verdade, mas e como ficou, rebocaram o teu carro? Vai vendo, ai menina, o Rafa na sequência me ligou contando tudo. E você, espumou de raiva? Não né, porque a culpa era minha. Verdade e o que você fez? Eu estava em Laranjeiras, naquela reunião de captação de recursos para a produção daquele filme que te falei que é baseado no livro “Extermínio”. Que livro é esse? Daquele meu amigo que te falei semana passada, lembra?. Ah sim o cara que é…Ele mesmo rsrrss. Bom, mas e aí? Ai, minha amiga, encarnei a Mulher Maravilha sai voando da reunião e praticamente me atirei em cima do primeiro táxi que apareceu. Você deu sorte porque quando a gente não precisa tem mais taxi do que gente na rua. Exato, e sabe tinha um sujeito descendo do taxi, eu peguei ele pelo braço, tirei o homem praticamente de dentro do carro e me joguei no banco de trás. Você é louca mesmo! O cara ficou na calçada com cara de besta e o motorista sentindo a situação só me perguntou: para onde, madame? Ainda tem motorista que chama a gente de madame? Tem e eu só respondi “Toca para o Humaitá como se fosse tirar o seu pai da forca!” Boa! O cara operou milagre para me levar lá. Esse trânsito da zona sul é o caos. Bom ai, pulei do taxi e já vi o Rafa em pé com a cara mais assustada do mundo. Tadinho. Eu cheguei junto do policial que estava guinchando o carro e pedi para ele reconsiderar, afinal era só o licenciamento. E ele? Acho que o time dele deve ter apanhado de algum clubinho pequeno na Copa do Brasil porque ele estava intratável. Nossa, homem fica intratável quando o time apanha. Eu ali naquela aflição toda de repente sinto uma mão no meu ombro. Quem era? Menina, lembra daquela festa a fantasia que a gente foi em Niterói no penúltimo ano do Pedro II? Sim, claro, nós fomos na barca já fantasiadas. Exato. O que é que tem? Lembra de um garoto alto fantasiado de morte, que ganhou o apelido de O Morte? Sim. Era ele. O Morte estava na blitz? O Morte comandava a blitz. Minha nossa! Pois é, fiquei espantada. E ai o que aconteceu? Ele sorriu, perguntou se eu lembrava dele, eu disse que sim, comentamos um pouco daquela festa e ai você não vai acreditar. Conta que eu acredito rsrs. Ele mandou tirar meu carro do guincho e me liberou. Jura? Juro. Assim do nada? Bem, não sei se te contei mas naquela festa eu estava brigada com o Marcus e decidi me vingar. Não creio! Exatamente, e fiquei com ele.  Ah é? É, trocamos uns beijos e tal, na parte de trás do jardim, lembra que era uma casa enorme. Ô se lembro, menina, nossa dá até calor em recordar aquela festa. Enfim, foi só isso. Como só? É, uns beijos naquela noite e nada mais. Mas deve ter sido inesquecível para ele. Ai, menos né, você acha? Claro, afinal ele te viu e, se nem pensou duas vezes, mandou tirar seu carro do guincho, é porque sua boca é poderosa, nheim amiga? Ai, abafa, por favor!

Mostrar mais

Fernando Neves

Fernando Neves é carioca, nascido em 24 de setembro de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Mora na cidade de São Paulo, continua Tricolor de Coração, é separado duas vezes e tem filhas gêmeas do segundo casamento. Jornalista profissional, desde os tempos no Colégio Pedro II sempre se interessou pelas letras, seja como leitor ávido seja como aprendiz de escritor. O jornalismo abriu a oportunidade de escrever e praticar mas não foi suficiente para seu desejo de escrever cada vez mais. As opções de forma são a mininovela e o conto. O estilo adotado pelo autor compreende um arco que inclui suspense, humor, conspiração e realismo fantástico. Semanalmente ele exercita sua paixão pela crônica e poesia publicando em seu instagram @fernandonevesescritor.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar