Crônicas

Panqueca

Pai vamos fazer panqueca? A pergunta-convite me acendeu os olhos de alegria!

Chequei se tinha tudo que ela precisava. Sim, nada faltava. Peguei um avental para cada um e fomos à cozinha. Estava radiante, afinal cozinharia com uma de minhas filhas. Prometi ser seu assistente.

Abri o livro com a receita, ela se inclinou sobre a página, concentrada. Separou os ingredientes, testou os ovos (Não sabe como faz? Põe na água, se boiar joga fora). Se enrolou um pouco com aquela estória de colher de café, de sobremesa e de sopa.

Mas quando começou a operação percebi que estava diante de alguém de padrão muito elevado. A farinha foi medida no copo medidor com uma precisão de deixar qualquer câmera de trânsito, daquelas que flagram os infratores, no chinelo.

E os ovos? Nem na próxima encarnação serei capaz de quebra-los com aquela eficiência. Nem um caquinho da casca caiu no liquidificador.

Depois de misturar a massa – o que é mesmo homogênea, papai? – chegou a vez de aquecer a frigideira. De primeira, ligou o fogão com uma intimidade de chef de cozinha.

E veio o toque especial: com um gesto quase diáfano estendeu uma camada fina de massa na frigideira. Eu ali, em silêncio reverencial, porque as minhas são grossas como sola de sapato. Fez umas seis panquecas, fininhas, deliciosas. A irmã comeu, gostou, elogiou pouco, levantou da mesa e sumiu. Ficamos nós dois. A chef e seu assistente.

Eu comi encantado. Enebriado. Afinal, cozinhar com filha pré-adolescente não tem preço.

Já ela, compenetrada, comia avaliando sua obra recém concluída.

Quando terminou me mirou com olhar blasé e soltou: ficaram boazinhas. Eu prendi o riso.


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Fernando Neves

Fernando Neves é carioca, nascido em 24 de setembro de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Mora na cidade de São Paulo, continua Tricolor de Coração, é separado duas vezes e tem filhas gêmeas do segundo casamento. Jornalista profissional, desde os tempos no Colégio Pedro II sempre se interessou pelas letras, seja como leitor ávido seja como aprendiz de escritor. O jornalismo abriu a oportunidade de escrever e praticar mas não foi suficiente para seu desejo de escrever cada vez mais. As opções de forma são a mininovela e o conto. O estilo adotado pelo autor compreende um arco que inclui suspense, humor, conspiração e realismo fantástico. Semanalmente ele exercita sua paixão pela crônica e poesia publicando em seu instagram @fernandonevesescritor.

2 comentários

  1. Inesquecível experiência.
    Será o melhor prato para sempre.
    Linda dupla mais a coadjuvante.

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