Num almoço animado com as amigas, um engasgo rasga o tempo entre o vivido e o viver. O ar não passa pela garganta, os olhos arregalam diante da impossibilidade da salvação. Um ruído no peito anuncia o desengonçar dos segundos, a fragilidade do devir. Tento tossir, não consigo. O que parecia abundante se torna rarefeito. O ar não entra, não sai. Meu olhar aterrorizado de desespero encontra o olhar pronto da amiga médica. Uma manobra feita. Nada. De novo, nada. Mais uma vez. Tento. Tento. Ouço meu nome entre pedidos de calma. Alguém me abraça pelas costas. Me aperta. Me sacode. Penso no sorriso do meu filho. Nas pessoas que eu amo. Que seja assim a despedida. Que me amparem as melhores memórias.
O ar volta, a vida abraça, a morte se vai.
Uma alegria faceira dança em meus lábios. As cores retornam aos seus lugares, os sonhos se arrumam, mais uma vez, nas gavetas do pensamento.
Uma certeza ordinária me agarra: sobrevivi!
A obviedade corpórea desses feitos (respiro, enxergo, ouço, falo, ando) esconde no cotidiano um segredo cruel: a qualquer momento o sempre pode decidir partir.
Hoje, por sorte, bênção ou privilégio, ele decidiu continuar a meu lado. Então, que me acompanhe no ensaio da minha escola de samba.
O sempre só existe no agora!