Domingo

  • Nada será como antes

    Olhei para o bolo de chocolate com aquela cobertura de brigadeiro escorrendo pelos cantos. Peguei um prato e já ia me servindo, quando fui assaltada por um pensamento aterrorizante — esse é o último pedaço. Uma sensação de finitude me invadiu; como liquidar essa fatia que ainda pode durar até amanhã? Não, não posso fazer isso, vou dividir para ela durar mais. E, assim, fui me satisfazendo com uma terça-parte da delícia, até que não restasse nada além de migalhas.

    Depois do último pedaço, pensei com o melado que ainda restava na boca: será que isso é sinal de demência? Gula? Ou, quem sabe, avareza?

    Demência, ao que tudo indica pelo próprio fato de estar aqui me questionando, certamente não é. Avareza? Não, nunca fui daquelas que reutilizam cinquenta vezes o mesmo envelope de papel. Muito menos do tipo que compra em excesso um produto em promoção no final da validade sem a menor precisão, pelo simples prazer de economizar.

    Muito menos gula, pois não me atiro nem sonho com doces, muito menos salivo de alegria frente a uma confeitaria. Mas deve haver uma explicação para não querer encarar o final dessa fatia de bolo, então tentei ir mais a fundo. Se não é por avareza, por gula, ou porque estou entrando num processo de demência senil, o que me moveu a um comportamento tão esdrúxulo?

    Passei em revista minhas atitudes em relação ao desapego, com rigorosa autocrítica. Não, nunca tive problemas em me descartar de coisas como roupas, sapatos, móveis, ou mesmo mudar de casa. Então por que motivo esse apego a um simples bolo de chocolate?

    Após vasculhar meus sentimentos, cheguei à conclusão de que comer de uma só vez a última fatia do bolo de chocolate teve, para mim, um significado emocional de deixar de sentir aquele prazer. Tudo bem que é muito simples fazer ou comprar outro bolo para repor, mas o risco é de que o próximo não esteja tão gostoso como esse.

    Isso pode ser estendido não só para o prazer sensorial, mas para muitos prazeres emocionais, como o último dia de uma viagem, o último capítulo de um seriado, a última festa da faculdade, a última gravidez, só para citar alguns deles. Creio que me apego a esse último momento pela consciência de que ele significa a ruptura a partir da qual nada será mais o mesmo.

    Muitas teorias foram escritas a esse respeito por psicólogos, analistas do comportamento humano, e até por escritores como o Tolteca Miguel Ruiz, no livro “Os cinco níveis de apego”.

    Em uma das passagens do livro, ele coloca: […] “Sei que estabeleci um apego a algo exterior quando o medo da mudança toma conta de mim”.

    A antevisão de um final, seja da vida terrena em si, ou de qualquer coisa a que nos apegamos, pode ser angustiante. Aprender a lidar com isso é uma sabedoria que tenho que adquirir, portanto, daqui para frente, seja do bolo ou da vida, vou comer minha fatia de uma só vez.

  • Anotações sobre rotina e/ou fim do mundo

    Existe um filme premiado em Cannes que conta, de forma incrivelmente poética, o fim do mundo. Sob a perspectiva de choque entre dois corpos celestes, sendo um, a Terra e ‘Melancolia’, o nome do outro, o evento é uma dança de aproximação e afastamento, de medos e alívios, de insanidade e lucidez, tudo acontecendo a uma velocidade intangível, em que nós mesmos nos aproximamos e nos afastamos internamente. Detemo-nos nas consequências, ao passo que o esplendor da bela e enorme visão no horizonte nos reconforta.

    A beleza, às vezes, pode ser devastadoramente melancólica. Perceber o belo pode nos tornar nostálgicos, artistas, ensandecidos. Raciocinar e fazer planos é uma das grandes consequências ruins de ser humano: sofremos ao nos dar conta de que existimos, de que temos um futuro (ou não, pela carga duramente certeira de finitude).

    Entre as problemáticas que fabricamos ao planejar, muitas vezes sem viver o presente, há seres iluminados que se contentam em viver sem postagens em redes sociais, sem tornarem-se rostos produzidos aos passos da moda e do mundo – e que muitas vezes são ‘borrados’ por leis de proteção à privacidade. A mulher que passeia com um carrinho de bebê a sua frente, transportando latinhas e outros recicláveis, traja um vestido rosa bebê com motivo de jogo de cartas.

    Passeia espalhafatosa e desapercebida pela manhã de comércio fechado do centro de uma cidade qualquer, o cenário que melhor se delinear em sua mente, agora. Ninguém sabe de onde vem e para onde vai. Sorri, mas, ao mesmo tempo, não é vista e nem vê ninguém.

    É segunda-feira; em outros tempos, a informação do dia seria dada pela impressão da data no jornal diário. A mulher do vestido de cartas, se quisesse tal informação, teria que:

    1. saber ler, ao menos os números;
    2. aguardar o descarte do periódico, pois certamente não teria moedas a desperdiçar com papéis intocados.

    Aqui, no tempo e na cidade presentes, ela não porta celular, tampouco parece se importar com o passar do tempo. Ela é o próprio tempo, destemido, que não se subemete a julgamentos nem caminha para trás.

    Assim como a melancolia do filme, a mulher passeia como se encenasse a clássica e conhecida ópera de Wagner, Tristão e Isolda. Um guerreiro, uma princesa, um mundo à beira do extermínio, uma mulher que não joga, mas veste-se com as cartas do destino, em cores, a primeira vista, inocentes. As andanças da mulher das cartas segue a frequência da dança cósmica, dedilhada tal qual uma profecia entre 1857 e 1859, tocado pela profundidade de um conto da Idade Média. Um filme recente. Uma mulher contemporânea, e não.

    Entre guerras, guerreiros, princesas, prisioneiros, fadas e pessoas anônimas, a liberdade e a ideia de enganação podem levar ao amor. Ou ao fim do mundo. Ou simplesmente, a um manhã de segunda-feira.

  • O NEVOEIRO

    Metáfora. Figura de Linguagem que consiste em comparar dois ou mais elementos de forma indireta.

    Conforme o dicionário, a metáfora nos presta este favor. Aliás, um grande favor! Sem a metáfora, a imagem do que falamos ou escrevemos não teria a mesma expressividade!

    Aqui, nestes rascunhos e esboços de um tempo, a metáfora nos serve como uma imagem de alerta, de reflexão e, por que não, de perplexidade! Como podemos ignorar o óbvio?

    Outro ponto importante a considerar antes do exemplo, é que fatalmente repetimos os mesmos erros ao longo da história!

    Elementos de comparação: nevoeiro e visão.

    NEVOEIRO: Quando a temperatura do ar cai até o ponto de saturação da umidade do ar, formam-se as chamadas gotículas de água em estado líquido que, de tão pequenas, ficam em suspensão, reduzindo a visibilidade!

    VISÃO: Um dos cinco sentidos. Por meio desse sentido, temos a capacidade de enxergar tudo à nossa volta.

    Remexendo os espaços e as gavetas do tempo, a história que se segue já foi contada por muitas gerações. A propósito, ela se repete indefinidamente… a despeito da inteligência e da sagacidade de algumas criaturas…

    Conta-se que há muitos anos, um grande nevoeiro tomou conta da cidade.

    Entretanto, o nevoeiro não veio abruptamente, mas aos poucos…

    Conta-se que as pessoas nem estranharam.

    Uma neblina pequena se formou em pontos isolados, o que não chamou a atenção de ninguém.

    Depois, outros pontos passaram a apresentar também uma fina e frágil neblina…

    O calor sempre foi uma grande reclamação e, para muitas pessoas, estava bom, o calor havia diminuído. Isso era bom! Afirmavam muitos!

    Depois, pontos e mais pontos da cidade foram sendo tomados pela mesma neblina. Até que a cidade inteira foi envolvida.

    Os carros, desde cedo, já saíam de suas casas com os faróis acesos. As pessoas saíam com casacos e se encolhiam. As luzes das ruas ficavam acesas por muito mais tempo.

    E assim foi que, quando o nevoeiro chegou, denso, forte, espesso, ninguém reclamou, ninguém se surpreendeu… todos estavam já acostumados com seus casacos e gorros e luzes e frio.

    O nevoeiro assumiu o cenário da cidade e, como se a própria cidade fosse, como um prédio, uma ponte ou uma rua, era já algo comum, banal, corriqueiro…

    Um dia, o nevoeiro tornou-se ainda mais denso… Voos cancelados. Viagens adiadas.

    O nevoeiro impedia a visão das pessoas. Elas?

    Elas continuaram seus afazeres, mesmo que se machucassem ou esbarrassem em alguém.

    E elas se batiam e se esbarravam e se cortavam até.

    Elas tropeçavam e caiam e se levantavam muitas e muitas vezes.

    E assim viviam.

    Simplesmente viviam, indiferentes às coisas…

  • Berlin

    Cada vez que assisto a uma tentativa de calar as vozes dissidentes me lembro de Berlin: foi lá que me deparei com as reais consequências de um regime político onde falta liberdade.

    Percebi que a política é problema de todos e que, de uma forma ou de outra, é preciso participar (o que pode ser algo pequeno como votar conscientemente ou fazer parte da associação de bairro).

    É importante defender com unhas e dentes a liberdade de expressão, desde que não se caia na armadilha de dar liberdade completa a quem quer tirar a liberdade dos outros. O assunto é polêmico, os limites são tênues, há paradoxos envolvidos. Já me horrorizei muito mais quando via um político contrariar hoje o que havia dito ontem. Pode ser oportunismo, mas reconheço que esse é o tipo de coisa que supera conflitos: se todos se mantiverem firmes em pontos de vista imutáveis acabaremos indo às vias de fato com frequência e com maiores prejuízos para os envolvidos. Se é voz do povo que os políticos não são confiáveis, deveria também ser dito que são necessários.

    Mas voltemos a Berlin, uma das minhas cidades preferidas.

    Na primeira vez que fui a Berlin o muro ainda existia. Como estrangeira tive permissão para visitar a zona oriental, proibida aos alemães ocidentais. A paranoia era completa e amigos me aconselharam a não levar comigo escritos que não fossem de fácil compreensão porque poderiam ser interpretados como mensagens cifradas. Mesmo duvidando segui a recomendação e pude constatar, pouco tempo depois, que eles tinham razão: no aeroporto de Moscou vi retirarem da mala de um turista objeto por objeto, com ênfase nos papéis, incluídos aí meros cartões postais ou folhas soltas com anotações de números de telefone.

    A ligação entre os dois lados de Berlin se fazia em um local chamado Checkpoint Charlie.

    Na zona ocidental, os edifícios eram encostados na fronteira, mas na oriental foi criada uma larga faixa de terra de ninguém, desértica para facilitar a visão dos guardas nas torres que vigiavam dia e noite quem tentasse fugir. Como se não bastasse, retiraram os moradores dos prédios no entorno do muro, que permaneciam vazios e abandonados.

    Próximo ao Checkpoint Charlie (do lado ocidental, é claro) havia um pequeno museu onde se podiam ver os mais diversos estratagemas usados pelas pessoas para fugir da zona oriental, alguns bem-sucedidos, outros não. O museu existe até hoje e, apesar de não ser grande nem bonito, é imperdível.

    Berlin era habitada dos dois lados pelo mesmo povo, mas vivendo em condições bem diferentes. Na zona comunista os museus se mostravam lindos e bem cuidados, no entanto aquelas ruas tristes e vazias, os edifícios residenciais mal conservados, as lojas com mercadorias pouco atraentes, de vitrines horrendas ou mesmo sem vitrine alguma, eram deprimentes. As pessoas não vivem só de cultura e ciência, as pessoas também gostam de se cercar do que é belo.

    Berlin oriental ficou com a parte mais importante da cidade e era considerada a joia do bloco comunista, o local onde os altos membros do partido gostavam de passar férias.

    Contudo era desolada e até comprar água mineral para uma turista sedenta requeria paciência. As ruas do ocidente, ao contrário, apesar das construções mais modestas, eram cheias de vida, havia música e artistas performáticos, cafés ao ar livre, gente passeando.

    Se Berlin me ensinou que o comunismo é falido, também me lembrou porque foi arrasada: o combate a uma ditadura de direita radical que, com seus discursos de ódio e glória patriótica, arrebatou o povo alemão.

    Quando voltei a Berlin, anos depois, a cidade estava recém reunificada, eufórica, vendendo pedaços do muro como lembrança. O Checkpoint Charlie e a zona de ninguém continuavam lá, mas agora eram passagens abertas, passava-se à vontade de um lado a outro. Os alemães ocidentais já tinham matado a curiosidade e pouco cruzavam a antiga fronteira por ali, porém os orientais faziam compras desenfreadamente no lado ocidental.

    Havia um movimento em massa de pessoas voltando a pé para o lado oriental carregadas de embrulhos grandes que pareciam ser eletrodomésticos e artigos para a casa.

    Os prédios próximos ao muro derrubado começavam a ser de novo habitados, mas permaneciam em estado precário. Berlin ocidental continuava uma festa, enquanto o lado oriental continuava sisudo. Os alemães estavam naquele momento em lua de mel uns com os outros, ainda não haviam começado as desavenças que se seguiram até que as duas Alemanhas se ajustassem.

    Voltando pela terceira vez encontrei Berlin parecendo um canteiro de obras, a maior concentração de gruas por metro quadrado que já vi. Tive imensa dificuldade de localizar o Checkpoint Charlie: o entorno estava irreconhecível, a zona de ninguém completamente modificada. O museu, antes facilmente detectado, passava completamente despercebido no meio das ruas. O progresso na integração das duas Alemanhas era visível embora houvesse muita discussão. Livre e democrática. Até pequenos detalhes, como qual design de bonequinhos prevaleceria nos semáforos luminosos da cidade, se o oriental ou o ocidental, estavam sendo debatidos.

    Recentemente revisitei Berlin. Floresceu, continua cumprindo sua vocação para a vanguarda. No local do muro foi construído um lindo memorial. Ficou para trás a época em que vários alemães, para espanto meu, se desculparam comigo (?!) pela guerra, mesmo alguns que nem eram nascidos quando ela começou, e em que muitos lamentavam os compatriotas atrás da cortina de ferro. Tomara que as novas gerações se lembrem de aprender com o passado. Lá e cá. O assunto é sério.

  • Entrevista exclusiva com Trump (II)

    Nosso portal publicou em 27 de novembro de 2020, com exclusividade, uma entrevista com o então presidente Trump que acabara de ser derrotado nas urnas por Joe Biden. Em vista da volta de Trump à presidência (e às manchetes), julgamos oportuno, como documento de valor histórico, republicar a entrevista que segue abaixo:

    Sérgio Sayeg – Pleased to meet you, Mr. Trump.

    Donald Trump Excuse me, I know you?

    Sérgio Sayeg – I´m a blogger from Brazil. Can you say a few words to the brazilian people?

    Trump – Você brasileiro?

    Sérgio Sayeg – O senhor fala minha língua!?

    Trump – Sure. Eu aprender brasileiro quando fazer curso on line de ‘marxismo cultural’ e ‘terraplanismo avançado’ com mestre Olavo de Carvalho. Amazing! Ele dizer eu ser popular in Brazil.

    Sérgio Sayeg – Sim, o senhor tem muitos admiradores entre os seguidores de Bolsonaro?

    Trump – Who?

    Sérgio Sayeg – Bolsonaro, brazilian president.

    Trump – Oh, yes, Bolzonero, um leal servant. Eu brincar ser um ‘TRUMPolim’ para carreira dele. Hahaha. Em 2022, depois ele perder eleiçon to Lula, falar para ele non se preocupar com tribunal de Haia por ele destruir Pantanal, matar yanomamis e não fazer nada para acabar pandemia. Eu arrumar Green Card para ele morar in América, longe Xandão. Dar para ele emprego de capataz em minha fazenda no Oklahoma. Para filho Edward que ter know-how em fry hambúrgueres, eu conseguir trabalho no Trump Tower Grill em New York como ‘chapeiro’. Ele sempre querer ser meu ‘chapa’ hahaha. By the way, Edward me pedir para financiar international rede de brazilian barbecue.

    Sérgio Sayeg – Churrascaria…

    Trump Right! Ele indicar como partner ex-minister Richard Salles que fazer frigorífico em Xingu para produzir baby beef for exportation. Ele expulsar selvagens Amazônia, tirar mato e colocar gado e soja. Eu também pensar em fazer in the jungle the largest campo de golfe of the world, o Tropical Trump Golf Club. Eu adotar prática social e ambiental: dar empregos seringueiros como gandulas e plantar muita grama verde.

    Sérgio Sayeg – E o muro do México, presidente?

    Trump – Presidente Obrador, my left fellow in Latin America, me convencer: ‘no more muros’. Minha vitória on Flórida provar que hispânico agora aliado. Eu resolver consentir chicanos ilegales trabalhar para famílias americanas que non poder pagar previdência para employees. Melhor que fazer muro in México, fazer de México quintal do Texas. Criar novo slogan: ‘MAKE AMERICA EVEN GREATER: ATTACH MÉXICO’.

    Sérgio Sayeg – Anexar o México aos States?

    Trump Why not? ‘ATTACH’ México is better than ‘ATTACK’ México. Hahaha. México, estado 51: ‘una buena idea’, hahaha.

    Sérgio Sayeg – E a eleição de Biden, presidente?

    Trump – É uma question para psychology.

    Sérgio Sayeg – Psicologia?

    Trump – Yes. Vitória de Biden só Fraude explica.

    Sérgio Sayeg – Mas ele teve mais votos?

    Trump – Eu presidente legítimo. Se contar votos de white men, eu ganhar.

    Sérgio Sayeg – E as mulheres não contam?

    Trump – Mulher ficar em casa, non entender nada política e ser contra armas e guerras. Negócio de mulher is FFF.

    Sérgio Sayeg – Força, foco & fé (force, focus & faith)?

    Trump – FILHOS, FOGÃO & FUCK. Hahaha.

    Sérgio Sayeg – E os negros? Eles também são americanos.

    Trump I don´t think so. Quando eu ser presidente again, eu exportar niggers para Canadá e Austrália. Mão-de-obra barata para trocar oil, carvon and fossile fuels para acelerar aquecimento global e enfurecer Greta e Greenpeace. Já ter até slogan: “VIDAS NEGRAS EXPORTAM”.

    Sérgio Sayeg – E a história do vírus chinês?

    Trump Bullshit! ‘Vírus chinês’ ser apenas fake news para engajar anticomunists internetters. Eu assinar tratado my great friend Xi Jinping: governo americano liberar 5G da Huawei e governo chinês abrir capital empresas chinesas na bolsa Nasdaq: Xing-Ling Holding Company. Produto baratinho com três meses garantia, sem nota fiscal. Chinese new comunism impulsionar american capitalism.

    Sérgio Sayeg – E Putin?

    Trump – Putin maior líder europeu desde Goebbels. Ele comandar hackers que invadir celulares com ataques contra that disgusting Hillary em 2016. That man saber resolver problemas. Quando aparecer opositor, ele injetar cianureto no vinho dele e resolver queston quickly, sem vestígios. Ele usar arma química também para liquidar muçulmanos na Chechênia e crianças sírias em Alepo. Terrific! Eu ter muito aprender com ex-agent of KGB.  

    Sérgio Sayeg – Uma palavra final para seus fãs no Brasil, presidente.

    Trump – Eu gostar Brazil, principalmente a capital, Rio de Janero. Eu combinar Bolzonero ajudar construir nova Cancun em Angra com dois big empreendimentos: ‘South America Trump Shore Resort’ e ‘Trump Carnival Casino’. Contratar nativos com sombreros e beautiful mulatas para dançar mambo, samba, bolero e chá-chá-chá. As brasileñas son calientes. Desde que perder Cuba, american tourists non ter lugar para gastar dólares. I’ll be there. Wait for me! Adiós, muchachos.

  • Quando o nosso nome estiver gravado na pedra

    Até os dez anos me chamei Donato, embora meus pais nunca tivessem gostado desse nome. Por que me batizaram assim é um mistério. “Não está com o rosto definido ainda”, diziam. “Quando for adulto e sua cara indicar que nome deve ter, mudaremos.” E assim foi. Aos doze, com a mudança de voz, decidiram que Donato já não combinava comigo, e que o melhor nome para meu rosto recém-estreado na adolescência seria Adalberto — Beto para os amigos. Esse nome durou até a noite de núpcias, quando, no momento crucial, minha mulher me chamou de César. “Céeeesar!”, gritou ela, antes de largar o corpo na cama, suada e satisfeita. “Ela se casou com o Beto e tirou a virgindade do César”, meus amigos faziam sempre a mesma piada.

    Desde então mudei de nome em outras três ocasiões: no escritório em que fui trabalhar eu me sentia Oswaldo, e assim me apresentava a todos; na faculdade, Péricles; na mesa de jogo, antes de bater o punho e gritar “Truco!”, Evanildo.

    Meus amigos se confundiam. Para facilitar a vida deles, aceitei que colocassem no meu pescoço uma tabuleta com o nome que eu usava no momento e, mesmo assim, ficavam pouco à vontade quando tinham de me chamar. Achavam essa mudança de nome uma bobagem. “A gente nasce, ganha um nome e fica com ele até o fim, até morrer, não é esse o normal?”, perguntavam sempre. Eu respondia que eles tiveram sorte, que o rosto deles se moldou ao nome que ganharam no batismo e não havia necessidade de mudar. Não era o meu caso, meu rosto não era sempre o mesmo e, por isso, o meu nome precisava se adequar. Para tranquilizá-los, eu acrescentava que, um dia, seríamos todos iguais, teríamos o mesmo rosto e o mesmo nome gravado na pedra.

  • Tâmaras, vinho branco e gatos

    Há algumas semanas a bandeja de tâmaras – com caroço, tal qual informava a identidade visual da embalagem – repousava paciente sobre a bancada da cozinha, no aguardo do momento especial que tanto se preparava Theobaldo. Amante de história e das descobertas da gastronomia dos tempos passados, planejava dar à fruta uma espécie de protagonismo em um quitute da Roma Antiga. Mas faltava-lhe o mel e as nozes, e com sua atual situação financeira não conseguia juntar todos os ingredientes ao seu carrinho de compras essenciais. Em um sábado à noite deste janeiro desconcertadamente quente, deu mil desculpas diferentes aos amigos, recusou educadamente um convite de festividade de aniversário e se deu ao luxo de matar a garrafa de vinho branco, um Chardonnay 2018, resfriado dentro de seu frigobar retrô. Theo ficou na ponta dos pés, com algum esforço, e alcançou a prateleiras das taças, no alto.

    Passou uma água rápida no delicado vidro, ajeitou-o sobre a bandeja de madeira e cortiça – herança do enxoval dos pais -, pôs a bandeja de tâmaras e a garrafa de vinho, já consumida além da metade. Apagou a luz, acendeu um abajur e um incenso de odor madeira do oriente, escolheu uma playlist de “músicas tradicionais japonesas” no celular, pareou com sua caixa portátil de som e sentou-se em seu decrépito sofá, pernas esticadas e apoiadas em um escabelo improvisado, de frente ao ventilador – que girava e girava, de um lado para o outro, incessantemente, desconcertado, ele também, com a quentura daquela noite.

    Com as mãos, rasgou a embalagem plástica de fina espessura e sentiu o peso daquele romance japonês, primeira publicação em português de renomada escritora oriental, e sorriu – ao fundo, tambores e flautas embalavam o momento infinitamente poderoso que é o de um leitor abrindo o portal do mundo de um novo livro. Rasgou também a película protetora das tâmaras, e levou tal fragmento de sol concentrado – e enrrugado – à boca.

    Eu sou um gato. Ainda não tenho nome.

    As duas primeiras sentenças impressas em papel de pólen estalaram na mente como onsabor da fruta pousou na língua, um segredo antigo, uma textura que desliza e adere – metáfora também para a movimentação própria dos felinos -, quase um veludo caramelado, mas com a resistência sutil de algo que já foi vivo e pleno.

    Um gole do vinho e a língua brinca com as sensações; a estória não é pura e simplesmente sobre um gato, mas uma narrativa pela perspectiva de um. Outra tâmara: o paladar, de pronto, é invadido por uma doçura profunda, quase envergonhada de si mesma, como se fosse uma afronta ser tão doce e, assim, guardasse um toque de terra no final, um sussurro de suas origens áridas.

    [Pausa para esticar pernas e braços, já que o vinho chegou ao fim; uma rápida caminhada até a bancada da cozinha e a garrafa é preenchida com água gelada, sem que o resíduo da bebida anterior fosse descartado – uma espécie de água saporizada].

    Tóquio é a paisagem trazida pelas palavras que ganham vida através da conexão mente e olhos; os dentes recebem a tâmara com um pequeno estranhamento inicial – há maciez, sim, mas também uma firmeza discreta, um lembrete de que algo precisa ser rompido antes do banquete. E então gato e seu mestre entram em uma van prata, simbólico objeto de seu encontro, e iniciam uma viagem por vias expressas, mar, plantações e diferentes cidades, aventura de evolução e descobertas de desventuras que não afetaram a leveza de vida de um solitário japonês adulto, cuja única companhia é a de seu gato, batizado então por Nana, que significa 7, o literal formato de seu rabo.

    É nesse instante que a tâmara revela seu truque: a densidade da sua carne, que não cede de imediato, mas se entrega aos poucos, num misto de resistência e rendição. Como mastigar um poema, cada pedaço é uma linha que se dissolve, doce e incomensurável, até desaparecer.

    E assim, entre o degustar das tâmaras, do vinho branco que humanamente é transformado em água, o romance também vai desaparecendo da brochura, dissolvendo-se na construção da essência de quem o lê.

    Há quem diga que sábado à noite é momento fértil para mudanças. No entanto, nem sempre são as grandes epopeias que nos moldam: pode ser em uma cerimônia íntima, ou ritual de solitude – o abrir de um livro, o degustar de uma modesta refeição – que o doce e a esperteza das coisas penetra a carne e nos devolve ao mundo mais humanos – e, quem sabe, muito mais inteiros.

  • Semancol Homeopático

    Medicamento fitoterápico de amplo espectro, indicado para pacientes que perderam a autocensura e para aqueles que sofrem de compulsão verbal, podendo ser administrado também em pacientes com quadros de perda de cerimônia, falta de educação e traços de inconveniência.

    Ação esperada do medicamento

    Semancol Homeopático se mostrou extremamente eficiente no combate à boca solta, diminuindo sensivelmente a incidência de comentários inapropriados, grosserias, risadas fora de hora, ditos desabonadores sobre pessoas presentes em tom alto, entre outros sintomas.

    Seu efeito se estende também à inibição do desejo de ser íntimo de pessoas que nem conhecem o paciente, de permanecer em uma visita depois que todos já se despediram e da compulsão por furar filas e empurrar os outros para se colocar em primeiro lugar em eventos públicos.

    Há relatos de êxito na aplicação do Semancol Homeopático em casos que o paciente sofre de franqueza rude, tece comentários em momento inoportuno, faz perguntas constrangedoras e insiste em colocar sua posição política ou religiosa como dogmas em redes sociais.

    Indicações

    Semancol Homeopático é indicado para pacientes que apresentem qualquer dos sintomas acima, com uma frequência maior do que uma vez por mês.

    Medicamento de uso adulto e geriátrico, sendo que, nesse último caso, deve ser administrado somente àqueles pacientes que não apresentam quadros de Alzheimer ou Demência senil.

    Apesar de não pertencerem ao quadro de risco, é recomendável o uso de Semancol Homeopático para o tratamento de adolescentes a partir de 15 anos, que já apresentem tendência a desenvolver uma das síndromes acima relacionadas.

    Composição

    Semancol Homeopático reúne em sua fórmula extrato de boas maneiras, emulsão bloqueadora da fala e acetato inibidor de saliva, agindo diretamente no superego repressor do paciente.

    Por ser um medicamento fitoterápico não tem contraindicações, podendo ser ministrado juntamente com ansiolíticos em casos extremos.

    Formas de apresentação:

    Comprimidos de uso oral.
    Posologia: 1 comprimido a cada 6 horas, podendo essa dose ser aumentada para até 1 comprimido cada 2 horas, para pacientes que apresentem uma regularidade de incidentes maior do que uma vez por período do dia.

    Supositório: indicado em casos agudos e recidivos, devido ao seu efeito imediato. Posologia: aplicação imediatamente após o incidente. Recomenda-se portar o medicamento, para que possa ser aplicado em situações fora de casa.

    Precauções e advertências

    Ainda não testado o uso em pacientes do alto escalão político, altas patentes militares, ou cidadãos que subitamente ascenderam a uma posição de poder e apresentam a síndrome da boca solta. Considerando o crescimento de pacientes com essas características, porém, testes laboratoriais com o Semancol Homeopático estão sendo realizados com abelhas rainhas, galos de briga e pavões, com bons resultados.

    Reações adversas

    Em alguns casos, especialmente em pacientes com tendência à obesidade, o medicamento pode potencializar a compulsão alimentar, uma vez que trava a língua, mas não a boca. Nesses casos, o quadro mais comum é de pacientes que se comportam como se nunca tivessem visto comida na frente: passam a se servir primeiro que os outros, atacar os aperitivos em festas, encher os bolsos e bolsas de doces e bem casados em casamentos, entre outros sintomas.

  • CRÔNICA CAMONIANA

    Quando dois olhos se olham de uma maneira inesperada e se encontram e se sabem tão íntimos e tão inteiros, sente-se o fogo que arde sem se ver. Quando dois seres se veem próximos o bastante para dizer e celebrar o momento, vive-se o não contentar-se de contente. Quando duas bocas esperam, ansiosas, o suave toque ou o roçar de leve, percebe-se a dor que desatina sem doer. Quando duas almas dançam a canção imaginária dos amantes e ninguém os vê, e ninguém os interrompe porque há um tempo só deles, entende-se o solitário andar por entre as gentes.

    Quando duas histórias se entrelaçam e se fazem uma. Risos, brincadeiras, beijos e abraços, contemplação. O céu não é céu. As estrelas não são estrelas. Tudo é invenção. E inventam-se horas e coisas. Inventa-se a sensação. Quando duas mãos se aproximam e se querem. Quando dois sonhos se cruzam. Não importa o real. Importa a imaginação.

    Quando tudo isso acontece, a gente chama ou acha ou pensa ou diz que é amor. E vemos e vivemos intensamente o mundo inteiro. Os filmes, as músicas, os poemas, os comerciais, os bilhetes e o cartaz. As flores e a cena congelada do beijo entre a mocinha e o rapaz, Tudo é nada e nada é tudo ou tanto faz. Há muitos riscos, há muitos medos, mas queremos mais.

    E quando, enfim, acaba o quase infinito sentimento, o coração está ao chão, despedaçado. Como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo amor?

    Calma! Não há motivos para o eterno sofrimento. Novos capítulos são escritos e novos personagens se inserem à trama. Suor, olhos arregalados e calafrio. Calor, contentamento e desafio.

    Mais uma crônica, mais um poema e mais uma canção…

  • Cento e vinte e duas folhas

    122 folhas caíram sem aviso prévio, de um dia para outro, do Manacá que resiste às intempéries da vida, aos seus altos e baixos, junto a outras tantas plantas, que já somam mais de 4 dezenas espalhadas pelas varandas e cômodos de um apartamento situado em rua tranquila, que nem parece centro de cidade média. Cercado por árvores urbanas, cujas copas privatizam a vizinhança, garantem a qualidade de vida e o cantar dos pássaros a um sem número de pessoas e situações, o número de folhas parece um número pequenino: cento e vinte e duas — não cento e vinte, nem cento e vinte e cinco: exatamente cento e vinte e duas. Seria tal montante uma mensagem do acaso ou um capricho da própria planta, que, desconfiada da mão humana que a cuida – aquela que escolheu tê-la em sua rotina, pelo prazer de cuidar e ver seus frutos como recompensa – decidiu ensaiar uma pequena rebelião?

    O verde da paisagem predomina. Mas são as folhas pontiagudas, firmes – de maioria idosa, outras que sequer chegaram ao seu tamanho final – que, mesmo jazendo no piso frio, transformados os seus verdes, vistosos e habituais, em amarelentas folhas, enrugadas folhas, são o foco da atenção – não as copas vibrantes do entorno, mas estas formas já amorfas ao rés-do-chão da varanda da casa de quem é responsável por as fazer florescer, e assim ter sombra, e receber a visita de pássaros, a bagunça causada pela passagem do vento, ambientando mais natureza ao lugar cinzento que configura as construções do homem, que tanto destrói pela simples ganância em criações. A morte ou a interrupção do que é esperado é instantaneamente mais interessante do que toda a beleza vivente ao redor. Colhidas na palma de uma das mãos enquanto a outra pinça as recém defuntas folhas, o subconsciente humano se questiona;

    – Foi o vento, foi o calor, foi a falta d’água?

    O Manacá então, com tantos galhos desfolhados, que casou-se com um copo de leite branco e anda trançando sua copa aos pecíolos da samambaia – no auge de sua fase esporófita – vai acabar perdendo a esposa para o jovem pé de café, destemido e energizado, que cresce aumentando vagarosamente suas folhas – sem as perdê-las – enquanto não tira os olhos das formosas folhas alongadas que já não tem forças para fazer brotar sequer um único copo de leite.

    – Um bom café com leite é uma combinação das mais perfeitas!

    – Sussurra o pé de uma das bebidas mais consumidas do mundo a sua amada, ao enxergar a traição injusta.

    A queda concomitante de cento e vinte e duas folhas pode ser por culpa. Não necessariamente excesso de vento, o sopro de uma consciência superior, ou do calor intenso deste verão (metáfora de uma paixão desmedida de férias): há o equilíbrio das chuvas, há o zelo da rega constante. A culpa, ou melhor, sua confissão, pode ser porque, quanto menos folhas, menos consegue o Manacá esticar seus braços em direção à amante. No fundo, a culpa pode ser por um ímpeto natural, cuja consciência o faz sofrer.

    As percepções podem ser tantas que, não fosse a necessidade do funcionamento humano de fazer sentido, o copo de leite poderia ser o adúltero, e a perda das folhas um sintoma de depressão do Manacá sofredor. A samambaia poderia apenas tentar ajudar um amigo, sendo sua confidente. O café poderia ser o grande vilão, disfarçado de herói.

    Ou, simplesmente, poderia tratar-se de uma troca de folhas necessária: caem as folhas como caem os dias. E a relação das plantas não ser outra que a organização preferida por seu cuidador, que brinca de ser Deus até na narração de tantas possíveis estórias.


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