Domingo

  • Elástico infinito – a natureza e a sua sabedoria

    Um alce, no alto de uma floresta densa, olha para cima, por um momento fugaz. No mesmo instante, ouve-se o murmurar do léxico perceptível – numa onda para nós, humanos, intangível -: e o alce o distingue pelo encontrar das superfícies de uma folha na outra, obrigadas a ter tal conexão corporal por um simples capricho do vento, senhor de todos os movimentos.

    Lentamente, do alto da mesma floresta densa, formigas passam destemidas por detrás das patas dianteiras do alce. Carregam as mesmas folhas que balançam lá no alto, há átimos escassos, e pousam, vencidas, em solo fértil. Tomam um movimento menos intenso, porém direcionado, ao transformarem-se, de copa, em cobiçadas mercadoria de transporte.

    Lesmas alimentam-se das mesmas folhas, logo adiante. O alce pisca. O vento continua o sopro travesso de sua fúria adocicada. O sol brilha e, através de feixes de luz, pousa no rosto do quadrúpede, no alto daquela floresta. Por entre as frestas de folhas que acobertam toda a vida nas sombras, a luz irradia o parar e o perceber.

    No topo da floresta ainda intocada pela indecência humana, o tempo não é contado pelo movimento automático dos ponteiros. Tampouco pela trajetória do sol ao redor da terra. Os espaços não são medidos por número de cômodos ou alturas sobrepostas. Aqui os inquilinos são todos, todos entendem, sem ser racionais, o quanto sua vida é passageira. Ninguém tem documentos de posse ou tecnologias que aletam para a finitude das coisas. Portanto não acumulam móveis ou obras de arte, deslocam-se sem apegos para outros abrigos, dividem comidas, usam o necessário. O tempo é o tempo de uma vida, são instintos, o saciar das necessidades primordiais. Inexiste o planejamento estratégico de papéis rascunhados. Inexiste a indecisão. Tudo é o agora, não existe o que se foi ou o que virá.

    O Alce, ao olhar para cima, entendeu tudo. E ao sentir a carícia do sol em seu rosto, um instante torna-se infinito.


  • Arrimo de família

    Noite fria, sombria, quieta.
    Ele, calado, encolhido, matutando.
    Eu, na espreita, alerta, sentinela.
    Nós, famintos, sedentos, enjeitados.
    Olhos remelentos, húmidos, arregalados.
    Corpos esquálidos, caquéticos, patéticos.
    Dentes que bambeiam, rareiam, vadios.
    Garrafa vazia, gamela vazada.
    Burburinho no beco, grupinho do boteco.
    Garotada excitada, bebida exagerada.
    Sanduba na mão, churrasco no pão.
    Passo apressado, casaco amarrado.
    Rota traçada, calçada apertada.
    Molecada bloqueada, assustada
    Carroça encostada, coberta rasgada.
    Ele apagado, encolhido, deitado.
    Eu agitado, pescoço esticado.
    Abano o rabo, procuro um afago.
    Vira-lata esfaimado, tá necessitado.
    Não tem culpa, merece um sanduba.
    Comida de gente, pro cão indigente.
    Acordo o parceiro, meeiro, hospedeiro.
    Cão de mendigo, pão repartido.
    Aninho, carinho, comunhão.
    Vida de rua, verdade nua e crua.
    Entre um cão mendigo e um mendigo no chão.
    O que abana o rabo é que garante o pão.


  • A primeira crônica do ano

    Esta é a primeira crônica do ano. Um ano novinho cheio de sonhos e projetos para o futuro!

    Esta é uma crônica de início. Uma crônica que cheira o novo, como presente recém-aberto, esperando ser tocado, usado, experimentado pela primeira vez…

    O que imaginamos de um ano que se inicia?

    Que sejamos felizes e tenhamos paz?

    Que conquistemos tudo aquilo que desejamos?

    Que nossos esforços sejam recompensados?

    Na virada do ano, quando os fogos de artifício colorem o céu das cidades, olhamos para cima, extasiados com a profusão de cores e luzes. Nesse momento, fechamos os nossos olhos e desejamos um ano incrível, diferente do anterior (sempre o ano que virá tem a promessa de ser melhor do que o que passou).

    A verdade é que desejamos um ano inteiro todo novo e melhor, mas não mudamos por dentro.

    Desejamos o novo, mas não somos o novo!

    Esta é a primeira crônica do ano e, por isso mesmo, cumpre seu papel de registrar o que fazemos nesse período: desejar coisas boas e querer o melhor!

    Entretanto, esta mesma crônica fica como uma reflexão: cuidemos de nós por dentro para que tenhamos um ano melhor.

    Sejamos melhores e o ano, de bom grado, será melhor também!


  • Poesias de 1 a 99

    #01 – ímpetos de reformulação e atitude

    .

    Acendi uma vela, e me veio
    De outro plano
    que não eu, mas era eu, também
    Acender 8
    o 8, deitado, é o infinito
    8, em pé, conforme as coloquei
    tornou-se fogueira

    O fogo ardeu, ardeu e
    enquanto eu vivia o momento presente
    As duas coisas ligaram-se
    Dançado ardentemente
    Pavios como mãos dadas
    Fogo fátuo, feito, farto

    De repente
    minha atenção recor-
    tou-se em du-as
    duas
    e eu estava
    um olho em algo,
    outro na labareda,
    e quando
    as parafinas
    finas de cada vela comprida –
    enfim fundiram-se em uma
    só coisa ardente
    pude ver-me eu
    como mãe
    de mim mesma
    e minha filha – que ainda não veio
    e mais um ser,
    nós duas em 1
    Três
    Três
    Três chamas que dançavam
    como que se conversassem
    por horas
    Anos
    Gerações
    E então o ar tornou-se perfume
    o perfume das mil velas que queimam
    dentro das catedrais
    E meu ventre
    tal qual um oráculo divino
    Escureceu
    Não era peso ou dor,
    Mas silêncio
    um peso nuvem
    Um descanso

    Hibernação
    Libertação
    dentro de uma jornada que se finda

    Aos poucos
    Infinitamente
    Para Três
    Três almas
    Três sabores
    a vida lançou-se para o infinito
    para cima
    potência de início –
    a chama única dentro do pote de vidro
    enegrecido
    abraço de fim.
    E
    Adormeci
    Nova
    para um novo amanhã


  • Deixar pelo caminho

    Arrumando a mala para viajar no final de ano, separei as roupas que iria usar: roupas leves e confortáveis para o dia, pois vou para o calor, uma opção mais elaborada para o réveillon, traje de praia, sandálias e uma roupa de caminhada. Enquanto pensava na mala e em como conseguir selecionar o básico, essencial, aquilo de que realmente preciso, comecei a refletir sobre o que quero levar de mim para 2025, e o que pretendo deixar pelo caminho.

    O ano que passou foi marcado por altos e baixos. Sopros de esperança dissipados rapidamente pelo peso de nuvens espessas de uma realidade de conflitos e violência, que nublaram o sol pelo mundo afora e o meu em particular. Mas foram importantes para aguçar meu olhar interior, a consciência do quanto se acomodar, ser indiferente ao que se passa com quem se abriga na sombra dos becos, é o mesmo que negar sua existência. Essa luz quero levar comigo para 2025.

    Como um Tifão, monstro de cem cabeças que, com seus braços, tocava do Oriente ao Ocidente, as catástrofes climáticas apavoraram o mundo e me fizeram refletir sobre o quão imperativo é o respeito à natureza, da qual somos parte integrante. Uma célula desse organismo vivo a que pertencemos entrou em fúria, clamando por um basta! Fechando o foco para meus próprios hábitos, percebi que, no quesito ambiental, tenho muito, muito mesmo a mudar na forma de consumo dos recursos essenciais daqui para frente. Anotado para iniciar uma nova prática em 2025.

    E por falar em consumo, o período de isolamento que enfrentamos na Pandemia nos deixou perplexos em relação à inutilidade de tantas coisas que compramos, acumulamos, desejamos. Para muitos, como eu, teve um efeito libertador – usar o que tem, o mais confortável, mais despojado, mas que dê a sensação de “pronta para sair”. Reciclar e reaproveitar foram lemas desse período e foi bom, muito bom mesmo, mas perdeu um pouco de sua força com o passar do tempo. Uma proposta a recuperar e aprofundar em 2025.

    Sigo então para o próximo ano com a consciência de que é chegado o momento de arear minhas panelas. Despregar lá do fundo aquilo que algum dia teve sabor, consistência, colorido, mas deixou resíduos cinzentos que só servem para tirar seu brilho.  Adotar um novo cardápio, sentir o frescor, a
    leveza, a delicadeza de uma Nouvelle Cuisine.

    É hora de lustrar o caldeirão para receber as cozeduras que a vida me reserva.


  • Robérvios

    À noite todos os gatos são pardos, e Robérvios estava certo de que Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. Afinal, Saco vazio não para em pé.

    Sempre ouvira falar que Deus escreve certo por linhas tortas e que Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. Mas Quem não chora não mama e Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato e, no seu caso, precisava urgente recuperar o ouro perdido.

    Pensou: Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Essa é, portanto, minha chance, e O diabo não parece tão feio quanto se pinta. Está na hora da onça beber água.

    Foi até Onde Judas perdeu as botas, pois Todos os caminhos levam a Roma. Desceu a ladeira devagar, já que Para baixo todo santo ajuda e Devagar se chega ao longe, tendo em mente que A pressa é a inimiga da perfeição e ninguém precisava Tirar o pai da forca.

    Ia só, pois apesar de que Uma andorinha sozinha não fazer verão, nesse caso Antes só do que mal acompanhado; Não punha a mão no fogo por ninguém.

    A ocasião faz o ladrão. Lá vinha uma figura com uma capa Cor de burro quando foge. Onde há fumaça há fogo, pensou. Lembrou-se de que As aparências enganam e Não se pode julgar um livro pela capa. Em seu delírio achou que ali deveria estar escondido um pote de ouro, pois De médico e de louco todo mundo tem um pouco. Exultante, preparou o bote. Caiu na rede, é peixe.

    Preparou-se para a emboscada. Infelizmente, porém, Quando a esmola é demais o santo desconfia, e Nem tudo que reluz é ouro. Comprou gato por lebre mas agora Não adianta chorar pelo leite derramado. Como Seguro morreu de velho, pensou com seus botões: Mais vale um pássaro na mão do que dois voando e, afinal, De grão em grão, a galinha enche o papo. Além do que, A cavalo dado não se olha os dentes.

    Seguiu em frente. Mas… Quem é vivo sempre aparece e o Castigo anda a cavalo. A viatura de polícia surgiu do nada e Robérvios Foi pego com a boca na botija. O barato saiu caro pois Quem semeia vento, colhe tempestade, Escreveu não leu, o pau comeu. Sabia que iria Ver o sol nascer quadrado.

    Desgraça pouca é bobagem. O que fazer agora? Quando interpelado, nosso ladrão de provérbios Deu uma de João-sem-braço, fingiu que não era com ele. O policial esbravejou, ordenou que parasse, quis saber o que fazia ali. Sabiamente Robérvios se lembrou de que Manda quem pode, obedece quem tem juízo. Deixou que ele gritasse pois Quando um burro fala, o outro abaixa a orelha… e se calou. Em boca fechada não entra mosquito. O policial continuou sua ronda.

    Salvo pelo gongo.


  • SEM TÍTULO, dezembro dois mil e vinte e quatro

    Ler – sendo eu o “recheio de um sanduíche” composto pelo conjunto de lençóis praticamente novos, verdes, vacilando entre o algodão 100% liso e o de arabescos geométricos, aroma envolvente de quem acabou de sair da máquina lava e seca -, confortavelmente descansando as intermináveis horas de trabalho que se seguiram nas últimas semanas – mal tive tempo de me deitar ou introjetar minha nova idade, não fosse a viagem – que sempre faz parte do meu ritual de ano novo pessoal. Pois bem.

    Aqui estou eu, a ler um livro pelo qual me apaixonei a partir de uma minissérie na Netflix; nos esbarramos em uma feira de sebos na praça central da cidade, eu que passei e ele que segurou decidido meu braço esquerdo, em meio a profusão de outros livros, e disse “desculpe.. hey, oi, tudo bem?! Olha quem está aqui, que coincidência! vamos tomar um café e ir para um lugar mais… privativo?” Sem ter como contradizer a cantada – muito da bem arquitetada – e com o tal apetite de leitor faminto e sempre, sempre à caça literária a me cutucar, paguei pelo café, onde fomos logo em seguida nos conhecer, e trouxe não só o homônimo da telinha para casa, como um segundo volume do mesmo autor, muito superior em páginas. Me dou de presente esses momentos após uma exaustão daquelas, na qual o único conforto é por em ordem a caixola pensante, como se organizasse meus armários, limpasse o banheiro e ordenasse os itens que descansam ou apodrecem na geladeira. Zeca me acompanha, pêlos brilhantes e cheirosos do segundo dia pós-banho profissional no pet shop – e incontáveis lenços umedecidos, escovações de pêlos e dentes -, em suas poses que fazem meu coração transbordar de amor, de agradecimento por sua companhia fiel e vigília incanssável.

    Pela inteligência sem igual e sempre sorrisos – e pedidos de comidas e petiscos. Sobre a cama, eu e Zeca nos entretemos em nossas atividades, cada um na sua. Um mesmo colchão, dois mundos que não se misturam, mas convivem em perfeita harmonia. E para saudar as festividades de fim de ano, que estão em baixa por aqui pelas baixas que a vida nos impôs ao longo dos últimos meses, pedi a Alexa que tocasse músicas natalinas.

    Jingles conhecidos, outros novos, alguns jazz e assim seguiram-se 40 páginas. Meu ser de quatro patas prefere o chão duro e o espaço imediatamente acima – quase inexistente – entre o fundo da minha cama box e a superfície preferida pelos pés descalços à cama delícia, colchão de molas. Em questão de instantes, divido-o apenas com Anthony Doerr. Entre pernas que se entrelaçam – as minhas -, e as que me devoram – o livro -, este texto poderia muito bem se encaixar na coluna Contos Eróticos, inaugurada pela minha querida amiga e também sagitariana Carol Meyer, mas basta um pouco de imaginação para perceber que Zeca e Doerr estão sempre pela cama, e nada além de pêlos e palavras servem como prova de uma tórrida cena de prazer – há distintas formas de se gozar a vida. Qual não foi minha surpresa, contígua a um sonoro “Happy Christmans everybody”, o preto no branco da sentença do último parágrafo do capítulo em que pausaria a leitura desta noite:

    “Madame morreu, madame morreu”.

    Respirei fundo, encarei a dupla página que me contava a notícia, levantei o rosto em direção a uma Alexa festeira às 23h de uma sexta-feira pré Natal. “Alexa, volume 2”. Zeca ronca alto, a cama estremece. Como podem, também, os personagens terem suas mortes ressoando dentro de quem as lê?

    Respiro profundamente. Fecho os olhos, medito, rezo. Pondero sobre ler mais umas páginas para aliviar o novo luto. Faltam poucos dias para não ser mais 2024. Guizos chacoalham minh’alma

    “Must be Santa… Must be Santa… Must be Santa…. Santa Klaus!”


  • Nem tudo está nos cartões postais

    Quando o assunto é viagem a propaganda e as fotos quase sempre são melhores que a realidade, mas mesmo sabendo disso às vezes entramos em furadas. Uma observação óbvia que vale tanto para escolher um hotel quanto para iniciar um relacionamento à distância (risos).

    Arrisquei uma viagem de ferry com um carro de matrícula inglesa para ir à então belicosa Irlanda do Norte visitar a famosa ‘Calçada dos Gigantes’ (Giant´s Causeway), uma formação geológica à qual o guia Michelin, meu guia de viagens predileto desde sempre, atribuía a cotação máxima de três estrelas. É a maior atração turística do país e nas fotos parecia monumental. Se você é geólogo vai ficar encantado, para mim foi apenas um chão de pedras curiosas e bastante escorregadias, que se alcança depois de uma boa caminhada ou pegando um ônibus que sai do centro de visitantes. Para quem tiver disposição há formações mais afastadas que talvez valham a pena, mas o frio e o risco de cair me desanimaram. Dois dias de viagem quase perdidos.

    Gosto de conhecer a cultura e a natureza de outros lugares, porém evito gastar o meu rico e controlado dinheirinho para ver algo parecido ao que já tenho por perto. Infelizmente é inevitável que isso aconteça de vez em quando, por confiar na indicação de um guia de viagens ou participar de um passeio organizado primordialmente para estrangeiros. Em Portugal fiz uma trilha longa e exaustiva no Parque do Buçaco, que é lindo, mas parecidíssimo com a Floresta da Tijuca aqui no Rio. O dia teria sido bem melhor aproveitado visitando outra coisa. Faço turismo para conhecer o diferente.

    Na Tanzânia, debaixo de chuva e com pés afundando na lama, vimos uma floresta que era muito parecida com as brasileiras. Claro que havia algumas espécies de plantas diferentes, mas não compensava o sacrifício. O ponto alto da visita foi avistar um macaco no alto de uma árvore. Os gringos só não gritaram de alegria porque isso espantaria o animal. Um mico como tantos que afligem os cariocas que moram perto de áreas de mata quando invadem as casas para roubar comida. Em um estacionamento que costumo usar em Botafogo há montes deles caminhando pela fiação elétrica.

    Como parte do turismo gosto de experimentar a comida local, o que já me rendeu algumas formidáveis dores de barriga (para não usar palavras mais deselegantes). Sair do Brasil e ficar suspirando por arroz, feijão e bife só se justifica se a pessoa tem restrições alimentares, é exilada ou está longe há muito tempo. Também aí a gente se desilude: a comida chinesa que me serviram, considerada uma das mais sofisticadas do mundo, era apenas razoável. Por sorte, existe o reverso da moeda: a culinária húngara, da qual mal se ouve falar por aqui, mostrou-se excepcional.

    Sim, porque se há decepções, igualmente existem boas surpresas em viagens. Uma delas foi Muscat, capital de Omã. Temos a tendência de pôr no mesmo saco países que são próximos geograficamente. O mundo árabe, pouco conhecido dos brasileiros, não é um bloco compacto. Quando perguntarem a você se aqui se fala espanhol ou se a nossa capital é Buenos Aires, lembre-se disso e perdoe.

    Na Arábia Saudita, que está na minha lista de desejos, conheci somente a cidade de Damman, um importante porto comercial sem nenhum interesse turístico. No entanto foi o ponto de partida para visitar o Ithra Center, um espetacular centro cultural construído no meio do nada, maravilhoso pela arquitetura e pelo conteúdo. Você encontra fotos do Ithra na internet, mas garanto que não fazem jus à realidade. Um dos raros caso em que o cartão postal fica devendo.


  • Então é natal! 

    Então é natal!
    E o vendedor na esquina oferece milhares de produtos aos que passam. E vende-se isso e aquilo! E vende-se com muito brilho!

    Então é natal!
    E as filas dobram, triplicam, numa algazarra somente vista nesta época. Ninguém tem paciência para nada!

    Então é natal!
    E as vitrines anunciam roupas e calçados e eletrônicos dos mais variados tipos e tamanhos. Muitos e tantos produtos que não é possível imaginar!

    Então é natal!
    E a promoção de 50% na sandália é de enlouquecer! A promoção que só vale nesse único dia!

    Então é natal!
    E o trânsito dá um nó no nó! Ninguém vai! Ninguém vem!

    Então é natal!
    E o supermercado fica aberto 24 horas! O que importa é o trabalho!

    Então é natal!
    E as pessoas correm e correm e se estapeiam. Eu vi primeiro! Sai da frente! Só tem esse! É o último! Eu quero! É meu! Reserva pra mim! 

    Então é natal!
    E a mesa é farta e grande e bonita! Canções natalinas ecoam. Árvores de natal e sinos e bonecos de neve e papai Noel enfeitam portas e janelas… Bebidas e conversas, bastante gritaria!

    Numa manjedoura, alheio ao burburinho da cidade, nasce um menino, um menino Deus. Nasce num lugar pobre e distante, sem cartazes, sem ceia, sem outdoors e sem vendedores. 

    Então nasce a esperança de que um dia entendamos a simplicidade…

    Então é natal!


  • A e I; ou:

    Antônia, astuta, a afastar abelhas altivas, alertou Adélia, a angelical, ao avistar Altevo apaixonado. Ambas apáticas, antes apreciavam a aurora anêmica, amarelada, anormal, alva, altíssima: amanhecer acolhedor, animado, adorado! Alargou-se a atenção; a alameda aparecia, abria-se, acompanhando as “asas”: albatrozes, animais alados, aves, aviões – alumínio autêntico, atraente – abrandavam a ascensão acertiva: azul. Acima, alusão, altitude. Abaixo, asfalto, Antônia a abraçar Adélia:
    — Amanhã, amor, amoras… Agora, amiga, ameixas!

    Enquanto espreguiçavam-se, enquadrados em espelho, Eduardo e Erick esvaziavam epopéias e estórias. Esvaiam-se em epígrafes, enlevados em enésimas estrofes. Entre esquinas enlatadas, elucidavam escadas, envelopes, estrelas e elefantes. Estes, em equipes, enganchavam-se. Enlameados, esforçados, educados, esfomeados. Enormes, eles. Ecos escondidos, Eras exclusas. Escusas esperanças? Esclusas.

    Inteligente, ímpar, incomparável/ inigualável, imponente, impotente, irreverente, irresistível… Ideal, indivisível, irreconhecível, irritada:
    — Infiel!
    — Imparcial!
    — …Infame!
    — …Indulgente!
    — …inconsciente!
    — …insensata, intransigente!
    — …incrível!!

    Igualmente inquieta. Ia interagindo, irremediável ilusão.
    — Inté!

    Interface inteira, indivíduo invenerável, impávido, impenetrável, impecável, imparcial, iminente. Imprescindível, indicariam. Indagações, inconveniências, indecências, ilimitados interrogatórios. Intangível inimaginável, incalculável, irreal: Internet.

    Opa, Odila?
    — Olívia.
    — ok, Olívia. Ouça:
    (ouvido opaco. Orquestras operantes, ocultas…)
    — Olá?
    (outro orifício, obediente)
    — Olha, Olívia!
    (olhar obscuro, olfuscante).
    — Onde?
    (olfato observador, onipresente: ondas… outra opção) Ofegante, Olívia, orgulhosa,oscila:
    — OSTRAS??
    O órfão ofende-se, ouriçado:
    — Oi?!

    Ossos, ortografia, obrigação, oração. Ontem, oficialmente organizado. Oferta-se o Oggi, orvalho, ocorrência odiada, ocaso objetivo: outro obsceno outono.

    Utópico, ubíquo, ultra-humano, usurpador, urgente, ultrafamoso; usado:
    — hum….
    — útil?
    — uhum!
    — único?
    — hnhum…
    — urbano?
    — hnhum…
    — ultrapassado?
    — urbano?
    — umbigo?
    — Ufa, uh-uh!
    — útero?
    — ultrassônico?
    — Unânime?
    — ….universo?
    — Uhuul!!!

    (…)
    — Usuário ulterior:
    — Úmido, urbano, útil, uniforme, unidade, umbral:
    — UMBRELLA!
    — Uau!!

    (…)

    — Unânime, unidade, universal:


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