Literatura

  • Feliz Natal

    Ouvia logo cedo a música Why is it so hard, do Charles Bradley, enquanto bebericava uma cachaça Ambirá, trazida de Minas no verão passado. Acho que combinam, a música e a cachaça, fortes e encorpadas, uma canção não pasteurizada e uma pinga de alambique. Sim, sou dos que bebem pela manhã, sobretudo nas férias.

    Findava a primeira dose quando percebi estarmos em pleno 25 de dezembro. Uma data especial, sem dúvidas. Um dia para rezar, celebrar, agradecer, refletir. O natal é sempre tempo de rever conceitos, de perdoar, de amar o próximo. E, claro, de encaminhar um generoso feliz natal a todos.

    Começo, então, servindo uma segunda dose e desejando um feliz natal ao vizinho que ouve músicas pornográficas num volume absurdo em boa parte do fim de semana. Almejo, naturalmente, só o melhor para ele e para as caixas de som do seu Gol rebaixado. Feliz natal e boas noites de sono, vizinho!

    Noutro gole mando um feliz natal ao prefeito, ao vice e aos vereadores. Embora a opinião pública discorde, acho justo o aumento de 70% nos seus honorários, bem como os adicionais e férias. Nem todos demonstram essa coragem e discernimento, afinal, bons profissionais merecem salários compatíveis com a sua importância perante a sociedade e, além do mais, ainda há muito trabalho pela frente (todo, na verdade, pois recém foram diplomados e nem assumiram os tão almejados cargos). Queria eu ter a
    mesma sorte. Na adolescência, quando disse ao dono da serralheria que gostaria de ganhar duas vezes o que me oferecera, fui dispensado aos risos. Seria o meu primeiro emprego, veja só. Para os estimados políticos, entretanto, um ótimo, feliz e farto natal!

    Não posso esquecer do indivíduo que riscou o muro da minha casa na semana passada, desenhando nele um proeminente objeto fálico. Espero que descubra uma vocação artística e que esta data o faça refletir sobre onde enfiar os seus sprays. Gostaria de conhecê-lo, inclusive, pois se trata de um talento que merece ser enaltecido. Um feliz e protuberante natal!

    Feliz natal ao banco que jura meus débitos à velocidade da luz. Ainda aguardo o momento para debatermos o assunto, mas torço para que o 25 de dezembro o deixe amolecido, sobretudo quando negociar com esse pobre moribundo. Um rico e feliz natal! O Charles Bradley agora dá lugar à Janis Joplin, com Little girl blue. A trilha sonora perfeita para um trago.

    Nessa data importante, jamais deixaria de endereçar um feliz natal à Ford, que em irrelevantes tempos produziu um câmbio automático chamado Powershift e, naturalmente sem querer, causou-me um prejuízo de quase trinta mil reais. O importante é que essa mágoa já passou, ou melhor, está passando (depende também da colaboração do banco, mas isso é outra história). Torço por um natal renovador e cheio de esperanças para os engenheiros da marca. Um eficiente e feliz natal!

    Num último gole lembro dos Correios. Tenho certeza que os pequenos extravios ocorrem por motivos alheios à sua vontade. Devo dizer que hoje já não me importo com aquele livro raro perdido nalguma insipiente viagem dos seus caminhões Brasil afora. Talvez devesse pedir desculpas aos atendentes a quem ameacei. Quem sabe amanhã lhes envie um chocotone em sinal de paz. A estrada é mesmo sinuosa. Pois bem, apesar dos infortúnios, espero que desfrutem de um retilíneo e feliz natal!

    Antes de servir uma derradeira (ou não) terceira dose, desejo também um ótimo natal a você, amigo leitor! Anseio por dias melhores e realizações no próximo ano, com bebidas fortes e boa música, com harmonia e fraternidade. Que esta data o aproxime de Deus e que o bom velhinho não esqueça do seu presente. De minha parte, não se preocupe, rezarei por você. Feliz natal!


  • Poesias de 1 a 99

    04# – RÉQUIEM I

    Estou hoje calado
    como se houvesse
    roubado o silêncio
    dos mortos.

    Estou hoje tranquilo
    como se a calma
    fosse um atributo
    dos homens enfermos.

    Estou hoje festivo
    como se estivesse
    numa festa, e lúcido,
    como se a lucidez
    fosse a própria festa.

    Estou hoje vencido
    como se soubesse a verdade
    e sozinho vou indo mesmo
    a uma festa, atendendo ao
    convite dos mortos.


    05# – RÉQUIEM II

    cérebro inchado
    em recônditas gavetas,
    minha cabeça não deixa
    de doer. fui de mim
    o meu maior inimigo.


  • SEM TÍTULO, dezembro dois mil e vinte e quatro

    Ler – sendo eu o “recheio de um sanduíche” composto pelo conjunto de lençóis praticamente novos, verdes, vacilando entre o algodão 100% liso e o de arabescos geométricos, aroma envolvente de quem acabou de sair da máquina lava e seca -, confortavelmente descansando as intermináveis horas de trabalho que se seguiram nas últimas semanas – mal tive tempo de me deitar ou introjetar minha nova idade, não fosse a viagem – que sempre faz parte do meu ritual de ano novo pessoal. Pois bem.

    Aqui estou eu, a ler um livro pelo qual me apaixonei a partir de uma minissérie na Netflix; nos esbarramos em uma feira de sebos na praça central da cidade, eu que passei e ele que segurou decidido meu braço esquerdo, em meio a profusão de outros livros, e disse “desculpe.. hey, oi, tudo bem?! Olha quem está aqui, que coincidência! vamos tomar um café e ir para um lugar mais… privativo?” Sem ter como contradizer a cantada – muito da bem arquitetada – e com o tal apetite de leitor faminto e sempre, sempre à caça literária a me cutucar, paguei pelo café, onde fomos logo em seguida nos conhecer, e trouxe não só o homônimo da telinha para casa, como um segundo volume do mesmo autor, muito superior em páginas. Me dou de presente esses momentos após uma exaustão daquelas, na qual o único conforto é por em ordem a caixola pensante, como se organizasse meus armários, limpasse o banheiro e ordenasse os itens que descansam ou apodrecem na geladeira. Zeca me acompanha, pêlos brilhantes e cheirosos do segundo dia pós-banho profissional no pet shop – e incontáveis lenços umedecidos, escovações de pêlos e dentes -, em suas poses que fazem meu coração transbordar de amor, de agradecimento por sua companhia fiel e vigília incanssável.

    Pela inteligência sem igual e sempre sorrisos – e pedidos de comidas e petiscos. Sobre a cama, eu e Zeca nos entretemos em nossas atividades, cada um na sua. Um mesmo colchão, dois mundos que não se misturam, mas convivem em perfeita harmonia. E para saudar as festividades de fim de ano, que estão em baixa por aqui pelas baixas que a vida nos impôs ao longo dos últimos meses, pedi a Alexa que tocasse músicas natalinas.

    Jingles conhecidos, outros novos, alguns jazz e assim seguiram-se 40 páginas. Meu ser de quatro patas prefere o chão duro e o espaço imediatamente acima – quase inexistente – entre o fundo da minha cama box e a superfície preferida pelos pés descalços à cama delícia, colchão de molas. Em questão de instantes, divido-o apenas com Anthony Doerr. Entre pernas que se entrelaçam – as minhas -, e as que me devoram – o livro -, este texto poderia muito bem se encaixar na coluna Contos Eróticos, inaugurada pela minha querida amiga e também sagitariana Carol Meyer, mas basta um pouco de imaginação para perceber que Zeca e Doerr estão sempre pela cama, e nada além de pêlos e palavras servem como prova de uma tórrida cena de prazer – há distintas formas de se gozar a vida. Qual não foi minha surpresa, contígua a um sonoro “Happy Christmans everybody”, o preto no branco da sentença do último parágrafo do capítulo em que pausaria a leitura desta noite:

    “Madame morreu, madame morreu”.

    Respirei fundo, encarei a dupla página que me contava a notícia, levantei o rosto em direção a uma Alexa festeira às 23h de uma sexta-feira pré Natal. “Alexa, volume 2”. Zeca ronca alto, a cama estremece. Como podem, também, os personagens terem suas mortes ressoando dentro de quem as lê?

    Respiro profundamente. Fecho os olhos, medito, rezo. Pondero sobre ler mais umas páginas para aliviar o novo luto. Faltam poucos dias para não ser mais 2024. Guizos chacoalham minh’alma

    “Must be Santa… Must be Santa… Must be Santa…. Santa Klaus!”


  • A filha do Frankenstein

    Quando minha mãe ficou grávida de novo, meu pai me disse que, dali em diante, eu teria que ir sozinho à escola, pra que ela pudesse descansar. No começo, tive nojo dos vômitos dela, sempre na hora em que estávamos comendo, depois me acostumei. Ela vomitava numa toalha felpuda que logo era jogada na máquina de lavar. Depois os enjoos diminuíram conforme a barriga crescia. Passou a devorar tudo o que encontrava pela frente, até os meus salgadinhos. Por sorte meu pai sempre comprava mais, então não senti tanta falta. Minha mãe comia escondido dele, pra não levar bronca.

    Com o passar dos meses fui perdendo minha mãe. Aquela pata que andava pela casa arrastando os chinelos, com as pernas inchadas e a barriga como se tivesse engolido a lua cheia, não era a minha mãe. Ela parecia estar em outro mundo e já não se importava mais comigo. Não fazia a minha vitamina de manhã nem o bifinho do almoço. Estava sempre nervosa e deixou de corrigir minha lição de casa. Eu tirava nota alta, mas ela não me dava parabéns nem beijo como antes. Meu pai comprava comida congelada na mercearia do seu Jaime, e eu tinha que comer aquilo, mesmo quando eu falava que tinha vontade da comida que minha mãe fazia antes.

    Eu não gostei de ver minha mãe barriguda. Outro dia ela perguntou se eu queria ter um irmãozinho ou irmãzinha, e eu disse que pouco me importava e que era melhor que nem nascesse. Ou que nascesse com cabeça grande como uma bola de capotão, assim eu ia chutar ela no campinho atrás de casa.

    Uma noite, depois de comer sozinha uma lasanha inteira, minha mãe se levantou e viu que na cadeira tinha uma mancha de sangue. Meu pai correu com ela até o hospital e me deixaram com a Dolores, a empregada. Quando voltaram, disseram que era uma irmãzinha, mas que tinha nascido morta. Depois minha mãe foi pra cama descansar e meu pai falou pra eu ficar quieto e não fazer barulho. Eu matutei bastante, mas ainda não sei se fiquei feliz ou não. Já tinha me acostumado com a ideia de dividir o colo de minha mãe com essa outra coisa que estava pra chegar. Mas agora não vinha ninguém, e tudo ia continuar como antes. Acho que foi melhor assim.

    Comecei a imaginar que cara minha irmãzinha teria, mas no meu pensamento só apareceu a imagem da filha do Frankenstein, que eu vi num gibi e era a única menina morta que eu conhecia. Se minha irmãzinha fosse assim, seria muito feia. Ainda bem que ela não nasceu.


  • Por trás do muro azul

    Todos os dias ela saia às 16 horas em ponto. Seu destino era certo, mas ninguém sabia suas motivações. Nem mesmo seu marido, que nunca desconfiou dessas saídas no meio da tarde de Ana Maria. Ela nunca lhe deu motivo para desconfiança, mesmo sendo ainda muito bonita e com corpo esbelto. Devota, mulher prendada e dedicada a ele, Rogério saia tranquilo todos os dias para o trabalho sem nunca imaginar o que acontecia no íntimo de sua quase santa esposa.

    Ana se olhava no espelho de novo, querendo enxergar através dos seus olhos azuis que pareciam estar ficando cinza. Será que ela estava perdendo o brilho? A vida não tinha sido fácil, afinal. Nada a reclamar, pois tinha um bom marido, um belo lar… Ou melhor, uma bela casa. Um lar, para ela, era um lugar repleto de alegria e barulho. E filhos. Coisa que Deus não a permitiu ter. Teria sido mesmo Deus?

    Depois de três abortos eles finalmente desistiram. Seu corpo não aguentava mais, sua alma se dilacerava a cada perda e seus olhos perdiam aquela luz que se acendia a cada resultado positivo. Seu imaginário dançava novamente pensando em nomes, comprando roupinhas, pintando paredes do quarto, mobiliando sonhos. Tinha algo errado com seu útero, alguma doença com nome estranho e nada ficava por ali. Ela sorria por três meses, no máximo. Ficava de repouso, fazia promessas, evitava até beijar o marido para não ter vontades e colocar tudo a perder. Mas nada adiantava. Ela não tinha sido feita para ser mãe.

    Depois da dor quase enterrada, Rogério veio com a ideia de adotar. Tanta gente adota, afinal. Mas não seria a mesma coisa. Ana queria sentir a barriga crescer, seu filho ou filha mexer dentro dela, ter todo um processo de espera, de escolhas, do amor que cresce e transborda junto com a barriga e o leite que escorre quente pelos seios. Por que justo ela não poderia passar por todas as dores e delícias de parir? Será que era seca, como dizia a sua avó? Gente seca normalmente é ruim, pensou ela. Será que sou tão ruim assim?

    Esse pensamento a despertou para a hora. Não poderia chegar atrasada, por favor! Ela precisava estar presente ao seu compromisso, presente e inteira. Tentou se distrair pela rua, pensando em coisas boas. Mas estava especialmente melancólica naquele dia. Vendo flores e enxergando apenas flores, não o perfume, as cores e até os pássaros que cantam ao seu redor como percebem os apaixonados. Era como se previsse algo, com o coração apertado e o pensamento longe. Quase foi atropelada por uma bicicleta, tamanha a sua distração. Ouviu resignada o rapaz raivoso a mandar para lugares inomináveis e seguiu seu caminho. Tinha certeza que no próximo quarteirão se sentiria melhor. Seu compromisso ficava por trás de um grande muro azul e, lá, tudo era perfeição.

    Rogério chegou em casa como de costume às 19 horas e um cheiro bom de feijão vinha da cozinha. Ana Maria estava de costas e ele vislumbrou o corpo da esposa, um típico violão. Belas ancas, cintura ainda finas, os ombros delicados e penugens louras descendo pelo pescoço. Ela prendia os longos cabelos ao cozinhar e sua nuca, nua, ainda arrepiava Rogério como no começo do namoro. Ele a enlaçou pela cintura e lhe deu uma mordida leve no pescoço. Ana se assustou, mas deixou o corpo solto nas mãos do marido. Que susto, querido!

    Voltando seu rosto para ele, o beijo foi inevitável e parecia que o feijão ia queimar também. Há tempos eles não se amavam e a fome se transformou em ação. Talvez já fosse hora de esquecer um pouco as amarguras e deixar a vida mais leve. O corpo de Ana pedia esse carinho, mas as lembranças a impediam de gozar. O sexo era quase sempre um martírio, pois ela nutria esperanças vãs e o fato de não mais poder engravidar tornava tudo estranho ao seu olhar. Não se sentia mãe, mulher, nada. Não se achava nada mais.

    Rogério fechou os olhos e colocou a mão por debaixo da saia de Ana. Com movimentos doces, levou sua mulher a um gozo que ela há muito não sentia. Ficou quase constrangida com o líquido que escorria pela sua perna e tentou se segurar. Mas precisava de mais e trouxe Rogério para dentro de si. No chão da cozinha, como uma adolescente. Ele se espantou com tamanha impetuosidade e foi ainda mais doce, demorando a gozar e fazendo Ana se desmanchar agarrando seus seios com força enquanto jorrava entre suas pernas. Exaustos e satisfeitos, gargalharam com toda a situação: nus, no chão, mal conseguiam se levantar sem o apoio do fogão. Não temos mais idade para isso! Riu Rogério.

    Recomposta, Ana colocou a mesa e começaram a conversar sobre o dia. Ele, todo satisfeito com o trabalho, novos colegas chegando da filial de Salvador e Ana notou uma entonação diferente quando ele comentou sobre uma tal Larissa. Moça nova, trabalhadora e esforçada, dizia ele. É bonita? Ela pensou, mas não perguntou. Bobagem, devo estar na TPM e inventando coisas. Queria contar também sobre o seu dia, mas se restringiu a falar como os preços subiram no supermercado. Daqui a pouco, vamos comer farinha com água, dramatizou. Pratos recolhidos, se aconchegaram no sofá para ver o jornal. Ele, conferindo números e fazendo conjecturas como se o apresentador lhe ouvisse. Ela, pensando em como a noite seria longa até seu compromisso de amanhã.

    No meio da tarde, Rogério liga com a voz histérica querendo respostas. Ana, minha filha, você não pode acreditar. Vamos nos mudar! Mudar como, homem? A filial de Salvador precisava de um bom gerente e nada melhor do que alguém com larga experiência como ele. Acostumada com sua vida em São Paulo, Ana Maria declinou. Não vou mesmo. O que tem pra fazer em Salvador? Rogério se segurou para não dizer: o mesmo que tu faz aqui, mas não queria ofender a esposa. Sabia de toda a sua dor e sempre preferiu que ela ficasse em casa cuidando de tudo. Não por machismo, mas como o dinheiro sobrava, dava para manter muito bem os dois. Quando Ana teve o último aborto, pensou até em sugerir que ela voltasse a ser professora, mas achou que ela talvez fosse ficar deprimida perto de crianças. Ela se fechou no seu mundo, ele teve medo de entrar e dois deixaram as coisas caminharem por si. Mas agora a vida ia mudar!

    Ana desligou o telefone e ficou pensando em como iria tirar essa ideia maluca da cabeça do marido. Que se dane a empresa, ele pode muito bem se recusar a um pedido deles! Não poderia estar tão longe do seu compromisso, da alegria por trás do muro azul. Não aguentaria mais uma perda, não mais. Ia se separar, pronto. Ele que fosse e deixasse ela lá. Tirou logo a ideia da cabeça. Amava Rogério, sem dúvida que amava. E imagina ele em Salvador, solto. Deus me livre! Pensou em esfriar a cabeça e foi tomar banho. Sentiu a água quente descendo pelo corpo. Lembrou-se da noite anterior, os dois no chão da cozinha e seu gozo escorrendo pelas pernas. Sorriu para si. Sim, amava Rogério. Resolveu relaxar e se masturbou. Sentiu cada pedaço do seu corpo como há muito tempo não sentia. Se sentiu bonita. Seu corpo continuava firme, com curvas delicadas, penugens louras nas coxas e se tocou com ardor. Fez amor com ela mesma.

    O muro azul continuava ali, mas ela achava que ele tinha ido embora. Para Salvador, junto com ela, dentro da mala. Chegou no local às lágrimas, como se fosse mudar no outro dia. Que desespero, meu Deus. O que vou fazer? Contar a Rogério? Ele não entenderia. Talvez risse de mim. Por mais encantador e compreensivo que ele fosse, era homem. E como todo homem, era prático. Sentimentos e apegos não eram com ele. Nada que ela falasse ou que precisasse seria suficiente para ele desistir da ideia de Salvador. Será que essa tal Larissa também vai estar lá? Será que é por isso que ele quer se mudar? Que louca eu sou, meu Deus. Pra que pensar tanto? Às vezes queria ter um botão de liga e desliga para simplesmente parar de pensar. Claro que não acreditava que seu marido era 100% fiel. E foi ensinada a entender isso. Homens têm necessidades que as mulheres não têm, aconselhava a sua mãe. Se ele te der uma casa, te sustentar e não te bater, já se de por satisfeita.

    Sua mãe apanhou a vida inteira e é claro que seus pré-requisitos para um homem ideal eram bem baixos. Quando Ana começou a namorar, o único conselho que recebeu da mãe foi para casar virgem. Homem não respeita mulher que já deu. Nem que goste de sexo. Putaria ele faz com as putas. Seja uma mulher direita e uma boa dona de casa. Lhe dê filhos e o resto você finge que não vê. Ana conseguiu se segurar até o casamento, por mais que quisesse muito se entregar para aquele homem que mexia nos seus seios dentro do carro e fazia suas coxas umedecerem. Aquilo era gozar? Toda vez que ela molhava o vestido sentia uma culpa imensa e ficava com medo dele perceber. Tinha vergonha de querer ele tanto e medo dele achar que ela gostava de sexo. Custou a se segurar e fez de tudo para apressar o casamento. Queria Rogério dentro dela, sobre ela, para sempre.

    Na noite de núpcias, Ana Maria se fez a mais bela das mulheres. Depois do casamento na igreja, com direito ao seu pai levá-la no altar com um orgulho besta por ela ainda ser virgem, se refastelaram na festa oferecida pelo seu padrinho, fazendeiro rico do sul de Minas. Sua mãe, mais aliviada do que exatamente feliz – Ana era a última das filhas a se casar, suas irmãs já estavam parindo netos sem parar – eles finalmente foram para o hotel. Ela preferiu assim, passar a noite na cidade antes de embarcar para Buenos Aires. Não se aguentava mais e ficou com medo de morrer virgem no avião. Deus me livre! Colocou a camisola preta que havia comprado escondida – preto e vermelho eram cores de puta – e mais nada. Teve a coragem de não colocar a calcinha que vinha junto e apenas perfumou seus seios e suas coxas para quando Rogério finalmente a tomasse para si. Não tinha mais vergonhas nem pudores. Queria apenas ser do seu homem.

    Rogério continuava imaginando a nova vida em Salvador com um sorriso besta no rosto. Quem sabe Ana não se animava, tomava uma cor e toda noite seria como a anterior? Tinha tempo que eles não faziam amor e Rogério estava quase desistindo da mulher. Pensou até em pagar uma puta, tamanha era sua aflição. Resistiu bravamente às investidas de Larissa, que há tempos debruçava sobre a sua mesa mostrando muito mais do que documentos. Acabou falando o nome dela por puro problema de consciência, como se fosse uma novata. Que Deus me perdoe, mas não queria magoar a esposa. Era o estilo pijamão com muito orgulho. Os amigos até tentavam apresentar mulheres para ele, levar para a caça, mas Rogério era fiel a Ana. Até em pensamento. Desde o primeiro dia que se viram. Ele nunca imaginou sentir aquele amor todo por alguém, mas quando deu de cara com Ana imaginou: Essa mulher vai ser a mãe dos meus filhos.

    Pena que nem tudo que ele pensou para os dois se concretizou. Rogério ficou casto até o casamento, por mais que quisesse dar suas escapadas. Você é muito trouxa, diziam os amigos. A Ana, tudo bem, se guardar para você. Mas tu, Rogério, que já pegou metade de Saquarema? Faça-me o favor! Trouxa! Mas Rogério não queria nem ao menos outro perfume. Dormia e acordava com o cheiro de jasmim de Ana no seu travesseiro e imaginava aquele corpo branco deitado na sua cama. Imaginava a boca de Ana se abrindo para ele, os cabelos deslizando nos seus lençóis e suas pernas longas com aquelas penugens louras se cruzando em suas costas. Como amar outra mulher se ela era tudo que ele um dia imaginou ter? Filha caçula de pai militar, Ana havia sido muito bem criada, frequentado ótimos colégios e tinha um caráter inabalável. Sua mãe sempre se gabava da filha, apesar de levantar suspeitas por várias marcas roxas pelo corpo. A mãe de Rogério dizia que ela bebia até cair, mas ninguém nunca viu nada e Ana continuava sendo o melhor partido da cidade. E foi gostar justamente dele. Que sorte maior ele poderia ter?

    O telefone tocou estridente despertando Rogério das lembranças. Deve ser Ana, mudando de ideia, tão boa ela é. Vai me pedir desculpas por ter pensado o contrário e vai acatar a minha decisão, como sempre. Mas era uma voz de homem, rouca, ameaçadora. Você sabe onde a sua mulher está agora? É melhor ficar de olho! Um frio absoluto passou pela espinha de Rogério. O que seria isso? Uma brincadeira de mau gosto? Mal teve tempo de retrucar e a voz do outro lado havia sumido. Estava tão perdido que nem ouviu o clique do desligar. Estava zonzo, como se houvesse tomado de uma vez só a dose da cachaça da fazenda do seu primo de Minas. Ela desce arranhando a garganta e abre o chão que a gente pisa. Se apoiou na mesa e tentou raciocinar. Que bobagem era aquela? Desconfiar de Ana? Nunca! Olhou para o telefone e pensou em ligar para casa. Claro que ela estava lá, pensando no que fazer para a janta daquela noite, talvez até mesmo pensando em colocar uma lingerie nova para ele, surpresa das surpresas! Mas não custava conferir. Pegou o telefone. Discou. Ridículo, Rogério, ridículo. Não vou ceder ao jogo desse cretino que me ligou, é isso que ele quer. Ridículo. Mas não resistiu. Discou tremendo os números e começou a ouvir angustiado o som do telefone. Chamando uma, duas, 10 vezes. Deve estar tomando banho, pensou. Ligou de novo. Mais uma eternidade. Só pode ter ido ao supermercado. Claro! Rogério já suava frio e começou a imaginar Ana na cama com outro, como em um filme de Luis Buñel. Catherine Deneuve, a bela da tarde, olhava para ele de rabo de olho e dava uma piscada, alisando a perna de penugem loura de Ana enquanto esperavam o próximo cliente. Louco, só posso estar ficando louco.

    Ana Maria saía finalmente pelo muro azul e foi apreciando, de verdade, a paisagem. Como uma apaixonada pela vida. Como quem voltar a respirar. Se sentia bem todas as vezes que saía de lá e o trajeto para casa sempre era mais colorido, mais perfumado, mais feliz. Abriu a porta de casa cantarolando alguma daquelas canções que grudam na cabeça da gente e deu de cara com um Rogério transtornado. O rosto vermelho, como um lobo furioso, começou a pedir explicações. Por onde ela andava, afinal? Pega de surpresa, Ana gaguejou e sentiu o primeiro tapa na cara. Com a força, caiu no chão e começou a chorar. Rogério, ainda mais transtornado e sem saber o porquê de ter batido com tanta força na mulher, não sabia se a ajudava a levantar ou se dava outro tapa. Perguntou de novo onde ela estava, mas Ana mal conseguia mexer o maxilar. Ele se aproximou, e sentindo o cheiro do perfume e o vermelho do batom da mulher, não titubeou. Deu outro tapa e saiu. Vagabunda!

    Ana ainda segurava o rosto quando percebeu que o marido havia saído e se levantou. Ela tinha sangue nos lábios, talvez tivesse mordido a boca durante a briga. Não reconheceu naquele monstro o marido que havia passado por tanta coisa com ela. Um homem bom, educado, quase casto, como sua mãe mesmo dizia. Rogério era de família rica, nunca precisou se esforçar muito para ter o que queria. Seu pai, médico paulista renomado, sempre fez gosto com o casamento, enquanto a mãe teimava em achar defeitos em Ana. Como não conseguia nada, começou a atacar sua mãe. Inventava que a Dona Vivi bebia até cair, por isso vivia roxa. Mal sabia ela que cada roxo era um soco que o pai de Ana desferia quando ela se recusava a algo. Ou simplesmente por existir. Militar reformado, comandante Reis era duro com as filhas e insuportável com a mulher. Queria tudo perfeito, da cama até os pratos na cozinha. A comida tinha hora marcada, tempero certo e a hora da refeição era sagrada. Não podia ter conversa, barulho, os cotovelos para fora da mesa e até o jeito de pegar no talher era inspecionado por ele. Todas as filhas o temiam e nenhuma se lembra do seu abraço. Dona Vivi se resignava pela vida, dando desculpas pelo roxos, ouvindo maledicências e descobrindo, aqui e ali, os casos do marido pelos puteiros de Carmo do Rio Claro. Ela e todas as esposas da época.

    Ainda zonza, Ana Maria resolveu se levantar e entender o que havia acontecido. Aonde ela estava, era isso que ele queria saber? Meu Deus, será que alguém havia descoberto? Mas, se sim, seria motivo para tanto ódio de Rogério? Ficou com medo do retorno dele e resolveu sair de casa, pelo menos até entender o que havia acontecido. Juntou algumas roupas, calcinhas e cremes, ligou para uma das poucas amigas que ainda tinha e se foi. Nem um bilhete deixou, ele realmente não merecia. Ou melhor, ia deixar o número da casa da amiga. Melhor. Melhor? Não, não ia deixar nada. Ligaria no outro dia para o escritório, isso sim. Bateu a porta e pegou um ônibus até a Vila Mariana. Assim que entrou no pequeno apartamento, deu de cara com o rosto boquiaberto da amiga. Ela havia esquecido o quanto deveria estar roxa, pois a sua pele branca havia sido alvo de dois fortes tapas. Meu Deus, é por isso que todos me olhavam no ônibus, pensou. Vamos agora mesmo para uma delegacia, ele não pode fazer isso com você! Não, não precisa. Ele estava fora de si. Ainda não sei o que aconteceu. Deve haver uma explicação. Para isso? Acredito que não!

    Depois de andar como um zumbi pelas ruas, Rogério tomou coragem de voltar para casa. Meu Deus, porque tinha batido em Ana? Nem ao menos perguntou nada, nem esperou ela se defender. Talvez se ela não tivesse chegado cantando, toda feliz como uma mulher no cio, ele tivesse conseguido pensar. Mas ela estava linda, cheirosa, satisfeita…Claro que estava me traindo, claro! E voltou sem compras, então nada de supermercado. Vagabunda, era o que ela era. Meu Deus, mas não era possível. Eles tinham se amado na noite anterior, era real aquilo. E Ana nunca gostou muito de sexo, não teria porque trair. Será que ela estava apaixonada por outro? Mas quem, meu Deus, quem? Agora que ela está acuada, vai ser difícil descobrir alguma coisa. Por isso que ela não queria ir para Salvador, claro. Que burro eu fui, achando que ela era apegada a cidade, as amigas…Tinha macho na parada, é claro! Burro, meu Deus, burro. E ainda sendo fiel, resistindo a Larissa, sem pegar nenhuma puta, respeitando uma vagabunda…Burro!!!

    A noite, Ana não conseguiu dormir. Ainda tinha muita dor no rosto, por mais que sua amiga tivesse lhe dado 2 analgésicos. A dor era muito mais profunda e ela estava tentando montar as peças de um quebra cabeças bizarro. Tinha certeza que alguém deveria ter feito fofoca com Rogério, inventado algo para lhe desmoralizar. Quem? E porque? Rogério deveria estar pensando que ele o estava traindo, mas nunca poderia ter tido aquela reação, meu Deus. Ela, que sempre foi uma esposa devota, nunca lhe deu motivo para desconfiar de nada. Como ele poderia ter pensado isso dela? Ia ligar, com certeza, para o escritório. Com calma, tentar entender tudo. Depois? Não sei. Estava muito confusa ainda. Será que ele sentia falta dela? Será que já tinha voltado para casa? Deve ter ido pegar mulher, claro. E ainda ia se justificar, inventando uma traição dela. Canalha. Bruto. Preciso dormir. Ainda não sei se vou ligar.

    Em casa, Rogério só encontrou o vazio. Nada de Ana, de jantar, de nada. No quarto, poucas roupas e o cheiro de jasmim na penteadeira. Levou o perfume para o outro, vagabunda. Nenhum bilhete dava conta do paradeiro de Ana e Rogério entrou em desespero. Poderia estar sendo estúpido o bastante perdendo sua mulher sem nenhum motivo? Mas, por que então, ela havia saído de casa? Deve ter montado casa com amante, claro! Meus Deus, estou ficando louco. Preciso encontrar minha mulher. E se tudo tiver sido um grande mal entendido, como ela poderá me perdoar? Eu bati na minha mulher, meu Deus. A noite ia ser longa e Rogério nem tinha certeza se gostaria que o dia chegasse.

    Mas o dia veio e com ele novas dores no rosto de Ana. Com as bochechas inchadas e o coração aos pulos, ela ainda não sabia ao certo o que fazer. Olhou no relógio. 07:15. Dormiu mais do que achou que conseguiria. Com certeza foram os analgésicos. Pensou em fazer o café para amiga, se vestir e ir de encontro a Rogério, ainda em casa. Mas teve medo. Não sabia se ele ainda estava com raiva e nem ao menos o porquê. Imaginou o marido no puteiro, chegando em casa com cheiro de álcool e perfume barato de mulher, como tantas vezes viu seu pai entrar em casa de manhã antes de alvejar sua mãe, que ainda se dava ao trabalho de fazer o café para o seu carrasco. Tentou apagar a imagem suja da cabeça e pegou o telefone. Vou ouvir a voz dele primeiro, para sentir o seu ânimo. Seria melhor assim.

    Do outro lado da cidade, Rogério, ainda de camisa e gravata, se revirava no sofá. Não teve coragem de dormir na cama que foi, durante tantos anos, o local de encontro com Ana. Do amor com ela. Das negativas e tentativas frustradas durante os meses após os abortos. Ele sempre respeitou a dor da mulher, ficava imaginando a sua tristeza, o seu sofrimento. Até parava de pensar em sexo. Burro! O telefone tocava ao fundo e ele levantou ainda cambaleante com a cabeça zonza de raiva e culpa. Quem poderia ser tão cedo? Será que aconteceu alguma coisa com ?Ana? Meu Deus, o que ele teria feito? Era ela. A voz calma, perguntou com ele estava. Falsa, vagabunda. Como poderia estar o novo corno da cidade? Ótimo, claro! Ana não riu e ignorou o sarcasmo do marido. Ele parecia mais calmo, mas talvez fosse ainda pelo efeito do sono. A voz estava embargada e é claro que ele passou a noite na gandaia. Filho da puta. De qualquer maneira, precisamos conversar. Conversar? Pra que? Acho que devemos explicações. Podemos almoçar como pessoas civilizadas. Cretina, quer me contar o caso e ainda levar meu dinheiro. Claro, vamos almoçar, mas já vou avisando: Já falei com meu advogado.Tanto faz. E Ana desligou.

    Rogério tomou um banho rápido e foi para o escritório. Não tinha cabeça para nada, mas notou um burburinho incomum quando chegou na empresa. Não sabe o que aconteceu? Larissa foi encontrada morta em casa. Estão desconfiando do ex marido. Ele era muito ciumento, parece que nunca aceitou o fim do casamento e jurou acabar com a vida de todo mundo que ela dava em cima. Rogério sentiu o mesmo frio que gelou a sua espinha no momento do tal telefonema. Seria a mesma voz? Lembrou do tal ex marido de Larissa, um homem alto, forte, com jeito de poucos amigos. De vez em quando ele dava um perdido na porta da empresa, esperava Larissa sair e a pegava pelo braço, tentando colocá-la no carro. Ela esperneava e as vezes apelava para Rogério, que saia em defesa da menina, dando um chega pra lá no armário em forma de gente. Invariavelmente o grandão cedia, mas nunca sem antes soltar, em tom ameaçador: Vai cuidar da sua mulher, senão eu cuido! A voz, era sim, a mesma do tal telefonema. Será que ele estava seguindo Ana? Meu Deus, que loucura! Será que ele desconfiava dos dois? Rogério correria perigo? Mais essa,agora. Já não bastava ser corno agora era alvo. Nem teve tempo de ficar consternado pela morte de Larissa. Era um problema a menos afinal.

    Na hora do almoço, Ana se dirigiu para a porta do escritório do marido. Marido, ainda? A cabeça estava confusa e não sabia se conseguiria perdoar Rogério. Será que suportaria seu toque novamente? Será que ele ainda a desejaria? Que idiota, meu Deus. Ela havia apanhado, ele era um escroto, porque se sentia culpada? Não tinha feito nada, nunca fez. Pensou, claro. Se sentiu atraída várias vezes por outros homens, mas nem se sentia mais tão pecadora assim, apesar de ter aprendido a pedir perdão até por pensamentos impuros durante a catequese com dona Ondina. Quase freira, Maria Ondina desistiu de entrar para o convento para ensinar crianças a amar e respeitar a Deus sobre todas as coisas. Será que ainda estaria viva? Meu Deus, precisava ir a Carmo do Rio Claro visitar as pessoas, sua família, sua mãe. Será que iria ao túmulo do seu pai? Vontade não tinha, acho que jamais havia rezado nem ao menos pela sua alma. Duvido que ele tivesse uma também.

    Com um cumprimento estranho, dois beijinhos desajeitado, eles se uniram por poucos segundos e foram caminhando até o restaurante mais próximo. A comida era só um pretexto, Ana queria mesmo era um local público para se sentir segura. Rogério estava aparentemente calmo, talvez até dopado. Será que ele bebeu cedo assim? Mas não, parecia um torpor infantil, como quando adormecemos após chorar por horas a fio. Como que acomodado, resignado com um fato. Pediram os pratos, ele pediu cerveja e ela, água Queria estar sóbria, lúcida pra falar e ouvir. Tomou coragem e começou com um por quê? Ele a olhou como quem tem vergonha de si e contou tudo que tinha passado nas últimas horas. Falou da desconfiança, do ódio, do arrependimento, das lembranças boas, do medo de perder a mulher da sua vida. Pediu perdão com as mãos sobre as dela e chorava feito uma criança perdida dos pais. Mas em momento algum perguntou o que ela estava fazendo no dia anterior. Não se sentia digno de saber algo além do que ela quisesse contar. Entendeu que foi vítima de uma cilada e não queria mais sofrer. De repente, Ana se sentiu mãe do seu próprio marido. Nunca o tinha visto tão frágil, tão bobo, tão desprotegido. Era como os fetos que ela colecionava nas estantes da sua dor, cada um com um nome e sexo. Seus filhos e filhas que ela nunca pode colocar no colo, ninar, amamentar. De repente, ela se deu conta que só queria ir para casa com Rogério, se despir para o marido e deixar ele sugar seu leite e seu gozo como em sua noite de núpcias. E dormir feliz esperando o dia trazer o que há por trás do seu muro azul.


  • Poesias de 1 a 99

    #01 – METAMORPHOTHRILLER

    Liberdade ilusão
    Vontade reprimida
    Prisão de si mesmo
    Encaixe em moldes
    DECEPÇÃO…
    Nunca foi o que realmente era, considerava o seu próprio ser repugnante aos grandes olhos dos filtros sociais. Lamentava, vestia a máscara e… FIN-
    GI-A…
    DECEPÇÃO…
    Continuava a Tentar…Encaixar…
    Nos moldes | Nos padrões
    Eram pequenos, causavam desconforto
    O Desconforto… DESconfortava
    DECEPCIONAVA…
    Necessidade de…FUGA
    Medo/co…co…co…co…
    CORAGEM!
    Coragem/necessidade

    ATITUDE…
    Olhos fechados ao alheio
    Poder sobre as próprias escolhas
    Atitudes e… CORAGEM
    NOVA VIDA | VIDA NOVA


  • Entrevista com Angel Ferreira

    O monólogo Sidarta marca o primeiro projeto solo no teatro do ator e diretor Angel Ferreira. Desenvolvido ao longo de quatro anos, o espetáculo aborda temas existenciais, explorando a ambiguidade entre extremos como sagrado e profano, sucesso e fracasso, prazer e privação, solidão e pertencimento. Ambientada na Índia, durante a época do Buda histórico, a peça é livremente inspirada no livro homônimo de Hermann Hesse, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. Embora Angel Ferreira seja um artista experiente, muitos talvez o reconheçam melhor pelo nome de batismo Igor Angelkorte. Recentemente, o ator revelou ter mudado de nome por sentir a necessidade de se transformar, um gesto que reflete sua busca por autenticidade.

    O artista usou suas redes sociais para comentar que uma das apresentações contou com apenas 12 espectadores, destacando os desafios de divulgação e alcance do público no teatro contemporâneo. O post gerou um grande interesse pela peça o que resultou numa lotação para as últimas apresentações.

    A seguir, leia a entrevista que o autor concedeu com exclusividade para o Crônicas Cariocas:


    Francci Lunguinho — Você está no teatro com o espetáculo Sidarta, uma adaptação da peça de Hermann Hesse. O que você espera desta última semana em cartaz?

    Angel Ferreira — O que espero desta última semana em cartaz? Bem sinceramente, espero casa lotada. Não há alegria maior para um artista do que ver a peça cheia, e então, está sendo a coroação de uma trajetória de crescimento do público, de uma terceira temporada no Rio, onde a gente observa um engajamento mesmo, uma relação de carinho, de intimidade das pessoas com essa história. Isso me emociona muito, porque o teatro só existe no encontro, né? Da peça com o espectador. É nessa troca que ele existe. Então, saber que ele faz sentido, que contribui com a vida das pessoas, que apresenta insights, né? Expande…

    Muitas pessoas, às vezes, me falam: “Caramba, estava com um problema aqui na minha vida. Eu vi a peça e redimensionei isso tanto, observando a imensidão da existência, toda essa saga da vida dessa personagem… Saio mais leve. Saio mais tranquila”. Já ouvi tantos relatos dessa natureza, de pessoas que mudaram uma percepção que elas tiveram de alguma coisa que elas estão vivendo. Então, espero que a gente siga enchendo o teatro para poder distribuir essa possibilidade da medicina, que é o teatro.

    Francci Lunguinho — Como foi a adaptação para o palco e do que fala a peça?

    Angel Ferreira — A adaptação para os palcos se deu ao longo de quatro anos. Eu fiquei lendo e relendo esse livro, trabalhando nele próximo à cachoeira, ouvindo o rio, como uma personagem mesmo se dedica a fazer muitas vezes. Então, foi muito calmo, dando tempo ao tempo, mas deixando isso amadurecer em mim, para que na hora certa tudo se revelasse. Comecei a contar a peça, ao longo dos anos, para pequenos grupos, de maneira improvisada, e fui ganhando confiança. Foi se formando essa maneira de contar, que é viva, claro, porque cada apresentação se dá de um jeito, mas que foi formando alguns pilares, algumas bases através de uma tradição oral, dos contadores de história, daqueles que dedicam a vida a investigar a linguagem do solo narrativo, enfim, muitas tradições que contam histórias a partir da palavra, do corpo, e que depois se tornam algo escrito.

    Embora parta de um livro, de um romance, a adaptação se deu de uma maneira absolutamente oral. A peça conta a saga de um jovem, de uma pessoa que, ao longo da vida inteira, vai em busca radical de si mesma, de encontrar uma paz interior. Ela se passa há 2.500 anos, na época do Buda histórico. Um jovem de família rica sai, abandona a casa dos pais para encontrar-se com o mundo. Nessa jornada, ele vai passando por um turbilhão de acontecimentos, pela roda da vida, e vai experienciando tudo isso sempre de forma muito inteira.

    Nesse caminho, ele se encontra com uma cortesã que ensina tudo a ele sobre o amor. Eu fico imaginando que ela era uma mestra tântrica. Um  comerciante, discípulo do Buda, o próprio Buda, um balseiro e, enfim, conhece o rio, o próprio rio enquanto entidade, divindade. Ele vai nesse percurso até ficar mais velho. É uma vida inteira contada ao longo de 1 hora e quarenta de espetáculo. Então, é um trabalho que fala muito de autoconhecimento. Para quem gosta de narrativas que nos convidem a refletir profundamente sobre os caminhos da vida, da existência, de como a gente lida com todo esse mistério, é perfeito.

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    Entrevista: Angel Ferreira
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    Francci Lunguinho — Qual é sua visão sobre o futuro do teatro no Brasil?

    Angel Ferreira — Angel Ferreira — Olha, eu vejo com muita esperança, pra ser sincero, o futuro do teatro no Brasil e no mundo, né? Porque acredito que, em um tempo cada vez mais intermediado por telas, onde a gente fica, todos nós, encarcerados dentro dessa lógica do celular, da televisão, do computador, sobretudo do smartphone, dedicamos boa parte das nossas horas diárias a eles, seja no trabalho, nas relações, no estudo… Enfim, essas tecnologias tomaram todas as áreas das nossas vidas contemporâneas. Acho que o teatro se torna cada vez mais revolucionário, e eu acho isso chocante, essa qualidade de fênix que o teatro tem. É mesmo impressionante.

    A gente ouve falar disso… Às vezes, o teatro parecia morrer, e anunciaram a morte do teatro — a morte simbólica, o desinteresse, a diminuição dele enquanto importância artística. Quando apareceu o cinema: “Ih, o teatro vai ficar pra trás”. Não aconteceu isso. Apareceu a televisão: “Ah, agora, com a tela dentro de casa, quem vai sair para ir ao teatro?” Também não aconteceu. O teatro passa, às vezes, por algumas baixas, alguns ciclos assim, mas ele ressurge com força.

    E agora, nesse momento tão tecnológico, de informações tão rápidas, o teatro está numa curva ascendente, na minha visão. Eu percebo que os teatros estão muito cheios, lotados, e que as pessoas estão carentes, sedentas por essa arte da comunhão. O ritual da presença, de você estar ali pulsando junto, num campo vibracional único, com todo o público, com os artistas, atores e atrizes que estão em cena. Isso é insubstituível. Isso só as artes performativas oferecem: essa qualidade da presença, daquilo que é efêmero, irrepetível.

    Então, estou muito animado, na verdade, com o teatro, confiando nele cada vez mais, entendendo esse “futuro ancestral” de que Krenak fala. Dentro de uma cosmovisão indígena, a gente pode também absorver e aprender com ela para pensar o teatro. O teatro também é o futuro ancestral. Por isso, estou tão animado de estar fazendo teatro e feliz por estar vendo tantas peças e o público abraçando todas elas.

    Francci Lunguinho — Como iniciou a sua trajetória no teatro e no cinema?

    Angel Ferreira — Angel Ferreira — Comecei estudando na Casa das Artes de Laranjeiras, a CAL, no Rio de Janeiro, com 18 para 19 anos. Comecei lá fazendo uns cursos livres. Na época, fazia Direito. Estudava em uma universidade, mas não estava satisfeito; parecia que não era o meu caminho, e a vida estava nublada, esquisita… De repente, soube de um curso de teatro que ia abrir. Me inscrevi nele, achando que faria como hobby, me enganando, achando que aquilo seria só para eu brincar, fazer um pouco de terapia. Achava que o teatro era algo terapêutico e que isso poderia me ajudar a ser um advogado melhor.

    Pronto. Quando entrei lá, me senti tão pertencente, tão acolhido, tão profundamente livre para ser quem eu sou e para descobrir tantas possibilidades, múltiplos potenciais em mim, que me senti muito estimulado. Eu, que não gostava de estudar, de ir ao colégio, etc., fui me tornando cada vez mais um estudante rebelde. De repente, me vi como um apaixonado: queria ler tudo, estudar tudo, ver todos os filmes, assistir a todas as peças, fazer todos os cursos. Falei: “Nossa! Acho que tem uma força aqui diferente.” E fui ganhando confiança para realmente acreditar que era uma profissão, um ofício possível, né?

    Então, deixei o Direito de lado e me engajei no teatro. Quando estava perto de me formar na CAL, uns produtores de elenco da Rede Globo, que acompanham peças e turmas em formação, para pesquisar novos atores e atrizes, viram minha peça de formatura. Lauro Macedo, que era um pesquisador de elenco da Globo, assistiu à peça e me chamou para fazer um cadastro lá na Globo, com um vídeo. Um ano depois, demorou um tempão, me chamaram para fazer um teste para uma novela. Entrei. E qual era a profissão do primeiro personagem que fiz? Um advogado. (Risos).

    Francci Lunguinho — Como o teatro nacional pode se reinventar para prosperar?

    Angel Ferreira — Acho que vou responder essa pergunta pensando em como estou procurando me reinventar para prosperar (risos). Tenho buscado, cada vez mais, cruzar saberes na minha vida. Quanto mais me aprofundo na vida, parece que mais aprendo sobre a arte da atuação. No começo, me dedicava muito a ler Stanislavski, Deitovski, assistir a todas as peças, e também aos pensadores da África, da Ásia ou, sei lá, de algum canto do mundo, como a América Central. Os grandes brasileiros, né? Zé Celso, Augusto Boal… Enfim, toda essa galera, o que eles pensaram ou estavam pensando. E isso é muito importante.

    Mas, hoje em dia, tenho procurado cruzar isso com outros saberes: o que o pessoal da agrofloresta está pensando, o que os monges falam há milênios. Como o estudo do tantra pode ajudar a abrir meus canais internos, a conhecer meus centros de energia. Como a medicina chinesa pode contribuir para o pensar na cena, para se abrir à cena, para se entregar a um trabalho de jogo. Capoeira da Angola, como a ayahuasca e os saberes indígenas podem desembaraçar as minhas vísceras e abrir espaços internos desconhecidos para que eu possa fluir e fruir em cena. Tenho procurado expandir meu repertório de gestos, pensando no corpo enquanto filósofo, como Angel Vianna sugere. Ela partiu há tão pouco tempo, nossa mestra.

    Acho que essa renovação, para mim, passa por um processo de cura, seja lá o que essa palavra signifique, mas um cuidado de si. Para que a gente possa realmente fazer esse percurso de 40 centímetros, que é a trajetória mais longa da nossa vida: que é da mente para o coração. Sair desse mundo excessivamente barulhento, desse ruído de uma voz interna que não para de falar e de produzir informação, essas informações que a mente fica ruinando. Todas as nossas mentes costumam ser bastante adoecidas, neuróticas, e se colocam entre nós e a vida, como se a gente não fosse a própria vida. É como se fosse um ruído que impede a gente de estar presente.

    Eu acredito em uma renovação das artes e do teatro, onde possamos compreender que o principal trabalho que temos para fazer é o de sermos portais para o agora. Para que possamos, de fato, sentir e experienciar a vida, deslocando-nos desse vício mental que nos faz pensar incessantemente no futuro ou no passado, deixando a vida passar. Acho que o exercício do teatro pode ser muito curativo, porque, para uma apresentação ser viva, o artista precisa estar presente, momento a momento, em cena. E essa prática que ela está realizando ali é testemunhada pelo público, que, ao observar alguém profundamente inteiro, intensificando o seu estado de presença, também tem um vislumbre, uma amostra de algo que ele próprio pode experimentar: estar lavando uma louça… ali, lavando a louça. Estar comendo… ali, comendo. Ao fazer amor, fazer amor. Parece simples, talvez até ingênuo, mas, se a gente parar para observar mesmo, quando estamos almoçando, por exemplo, a mente está falando tanta coisa, coisas repetitivas, que a última coisa com a qual temos contato mesmo é com a mastigação, o sabor do alimento, o tempo de degustação daquilo. Parece que o sabor fica em segundo plano. A gente sente, mas está absolutamente tomado por uma ilusão egóica de alta importância, de separação do mundo, de uma mente que o tempo inteiro precisa se firmar e se afirmar, produzindo conteúdo.

    Então, para mim, a renovação do teatro passa por esse lugar: sermos portais do aqui e agora!


  • Poesias de 1 a 99

    #03: Paredes

    Estou cercado de objetos
    sem expressão ou significados
    (utensílios para o desempenho
    de um trabalho sem utilidade).

    Tenho as mãos ocupadas
    na tarefa de preencher
    o vazio com papéis
    de números impressos.

    A cabeça gira à procura
    de lembranças que possam
    desviá-la do tédio
    de ver gentes.

    Arquiteto planos
    sem propósito algum
    além de preencher
    as horas de um expediente.

    Estou cercado pelos
    quatro lados de um cômodo
    onde recebo clientes
    de um banco de dados.

    Tudo é muito lento
    como o motor ligado
    de um ar-condicionado
    a esfriar meus pés.

    Tenho um olhar cansado
    de olhar o silêncio e
    estar calado, ouvindo
    vozes que não decifro
    e tenho medo.

    Inventário de Sombras


  • A e I; ou:

    Antônia, astuta, a afastar abelhas altivas, alertou Adélia, a angelical, ao avistar Altevo apaixonado. Ambas apáticas, antes apreciavam a aurora anêmica, amarelada, anormal, alva, altíssima: amanhecer acolhedor, animado, adorado! Alargou-se a atenção; a alameda aparecia, abria-se, acompanhando as “asas”: albatrozes, animais alados, aves, aviões – alumínio autêntico, atraente – abrandavam a ascensão acertiva: azul. Acima, alusão, altitude. Abaixo, asfalto, Antônia a abraçar Adélia:
    — Amanhã, amor, amoras… Agora, amiga, ameixas!

    Enquanto espreguiçavam-se, enquadrados em espelho, Eduardo e Erick esvaziavam epopéias e estórias. Esvaiam-se em epígrafes, enlevados em enésimas estrofes. Entre esquinas enlatadas, elucidavam escadas, envelopes, estrelas e elefantes. Estes, em equipes, enganchavam-se. Enlameados, esforçados, educados, esfomeados. Enormes, eles. Ecos escondidos, Eras exclusas. Escusas esperanças? Esclusas.

    Inteligente, ímpar, incomparável/ inigualável, imponente, impotente, irreverente, irresistível… Ideal, indivisível, irreconhecível, irritada:
    — Infiel!
    — Imparcial!
    — …Infame!
    — …Indulgente!
    — …inconsciente!
    — …insensata, intransigente!
    — …incrível!!

    Igualmente inquieta. Ia interagindo, irremediável ilusão.
    — Inté!

    Interface inteira, indivíduo invenerável, impávido, impenetrável, impecável, imparcial, iminente. Imprescindível, indicariam. Indagações, inconveniências, indecências, ilimitados interrogatórios. Intangível inimaginável, incalculável, irreal: Internet.

    Opa, Odila?
    — Olívia.
    — ok, Olívia. Ouça:
    (ouvido opaco. Orquestras operantes, ocultas…)
    — Olá?
    (outro orifício, obediente)
    — Olha, Olívia!
    (olhar obscuro, olfuscante).
    — Onde?
    (olfato observador, onipresente: ondas… outra opção) Ofegante, Olívia, orgulhosa,oscila:
    — OSTRAS??
    O órfão ofende-se, ouriçado:
    — Oi?!

    Ossos, ortografia, obrigação, oração. Ontem, oficialmente organizado. Oferta-se o Oggi, orvalho, ocorrência odiada, ocaso objetivo: outro obsceno outono.

    Utópico, ubíquo, ultra-humano, usurpador, urgente, ultrafamoso; usado:
    — hum….
    — útil?
    — uhum!
    — único?
    — hnhum…
    — urbano?
    — hnhum…
    — ultrapassado?
    — urbano?
    — umbigo?
    — Ufa, uh-uh!
    — útero?
    — ultrassônico?
    — Unânime?
    — ….universo?
    — Uhuul!!!

    (…)
    — Usuário ulterior:
    — Úmido, urbano, útil, uniforme, unidade, umbral:
    — UMBRELLA!
    — Uau!!

    (…)

    — Unânime, unidade, universal:


  • Encontro com o redentor!

    O espírito do tempo eventualmente demonstra uma apatia quando não tomamos as rédeas de nossas vidas. Aquela sensação de enxugar gelo decorrente das escolhas estressantes e exaustivas, nos faz adoecer ao invés de sentir a real emoção saudável que uma vida deve proporcionar. E a cada época o espírito se apresenta diferente porque as escolhas que você fez passam a ser mais seletivas e com conteúdos complexos, formulados pela impaciência nossa de cada dia. 

    Zeitgeist é o termo alemão cuja tradução significa espírito da época, ou sinal dos tempos. O Zeitgeist significa o conjunto do clima intelectual, sociológico e cultural de um determinado lugar em uma certa época da história, em um determinado período. 

    Os alemães construíram o espírito da época como um argumento histórico de sua defesa intelectual.

    Hegel acreditava que a arte refletia a cultura da época em que esta foi realizada, que são conceitos inseparáveis porque um determinado artista é um produto de sua época e, sendo assim, carrega essa cultura em qualquer trabalho que realize. Por isso o mundo moderno não consegue recriar a arte clássica que surgiu do Zeitgeist da antiguidade Clássica. A arte clássica depende puramente da filosofia e da teoria da arte, sem o acréscimo do mundo moderno, de uma função social moralizante e transformada pelas vicissitudes contemporâneas, que surgem no instante que assumimos um novo espírito nesse tempo de agora.

    Os exageros da atualidade, as síndromes alarmantes, a exclusão de ambientes sociais e os aumentos de “stress” derivados da carga de trabalho, não permitem a construção de um espírito desse tempo com características saudáveis cultural e socialmente, porque o homem se afastou do cerne de sua origem lúdica e se debruçou nas entranhas da competição pelo ganha a ganha, e sequer procura observar ao seu redor o que lhe passa em frente aos olhos esbugalhados de dopamina e ansiedade definhando em sua condição de ser, humano, passando a situação de ter, o que for possível, somente para preencher seus dias vazios e a espera do encontro com o redentor.


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