A paixão
é a antessala
de uma paranoia
na qual entramos
com um sorriso largo
de quem não sabe
que penetrou num túmulo.
A Sentinela em Fuga e Outras Ausências
Poesia no Crônicas Cariocas
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Poema #25: Becos e galerias que se bifurcam em T & L
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Poema #9 : Tudo é poesia
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Tudo é poesia
A agitação da rua
O sinal
E a correria!
A voz do vendedor
O som do dia.Tudo é poesia
A propaganda
O chafariz
Até a melancolia
O engarrafamento
O papelão pra noite fria.Tudo é poesia
Os menores na esquina,
Uma bola ou um limão
Acrobacia
No alto dos edifícios
A vida silencia!Tudo é poesia
Nas placas, andaimes,
Guindastes
Não há monotonia.
Há tremor, rumor
A amarga dor,
Sinestesia!E quando tentam tirar
As coisas do seu devido lugar
Autofagia!
Não importa!
Pois tudo na cidade
É poesia! -
#10 – TECNO-POEMA
.
– Fala o poeta de vanguarda:
A estrutura do verso
está invertida
em meu caleidoscópio.
Preciso de uma máquina
rápida e perfeita para
fazer uma circuncisão mental:
“Quero que a estrofe
gravada ao jeito
do vídeo cassete
saia nítida,
sem um defeito”.– Fala a crítica especializada:
A infraestrutura do verso
está evoluída
em meu laboratório.
Preciso de um computador
rarefeito e sem defeito
para efeito de análise poética:
“O crítico é um digitador,
digita tão completamente
que chega a digitar a dor,
a dor que sua mãe sente”.– Fala o homem pensante:
A superestrutura dos acima
está equivocada
em minha concepção histórica.
Preciso de uma filosofia
autêntica e própria agora
para escrever um poema-amostra:
“A sombra projetada de um homem
exclui o mecanismo da repetição alheia,
pois a condição intrínseca dele mesmo
exige que seu poema se faça de ideias
e despreze a vida enquanto justificativa
para o erro de se caminhar junto ao tempo”.– Fala um observador imparcial:
Poesia significa
abrir caminho para o abismo
e pedir que nos devolvam
o nosso sonho antiatômico.O Acaso das Manhãs
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Arrimo de família
Noite fria, sombria, quieta.
Ele, calado, encolhido, matutando.
Eu, na espreita, alerta, sentinela.
Nós, famintos, sedentos, enjeitados.
Olhos remelentos, húmidos, arregalados.
Corpos esquálidos, caquéticos, patéticos.
Dentes que bambeiam, rareiam, vadios.
Garrafa vazia, gamela vazada.
Burburinho no beco, grupinho do boteco.
Garotada excitada, bebida exagerada.
Sanduba na mão, churrasco no pão.
Passo apressado, casaco amarrado.
Rota traçada, calçada apertada.
Molecada bloqueada, assustada
Carroça encostada, coberta rasgada.
Ele apagado, encolhido, deitado.
Eu agitado, pescoço esticado.
Abano o rabo, procuro um afago.
Vira-lata esfaimado, tá necessitado.
Não tem culpa, merece um sanduba.
Comida de gente, pro cão indigente.
Acordo o parceiro, meeiro, hospedeiro.
Cão de mendigo, pão repartido.
Aninho, carinho, comunhão.
Vida de rua, verdade nua e crua.
Entre um cão mendigo e um mendigo no chão.
O que abana o rabo é que garante o pão.
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Poesias de 1 a 99
#01 – ímpetos de reformulação e atitude
.
Acendi uma vela, e me veio
De outro plano
que não eu, mas era eu, também
Acender 8
o 8, deitado, é o infinito
8, em pé, conforme as coloquei
tornou-se fogueiraO fogo ardeu, ardeu e
enquanto eu vivia o momento presente
As duas coisas ligaram-se
Dançado ardentemente
Pavios como mãos dadas
Fogo fátuo, feito, fartoDe repente
minha atenção recor-
tou-se em du-as
duas
e eu estava
um olho em algo,
outro na labareda,
e quando
as parafinas
finas de cada vela comprida –
enfim fundiram-se em uma
só coisa ardente
pude ver-me eu
como mãe
de mim mesma
e minha filha – que ainda não veio
e mais um ser,
nós duas em 1
Três
Três
Três chamas que dançavam
como que se conversassem
por horas
Anos
Gerações
E então o ar tornou-se perfume
o perfume das mil velas que queimam
dentro das catedrais
E meu ventre
tal qual um oráculo divino
Escureceu
Não era peso ou dor,
Mas silêncio
um peso nuvem
Um descansoHibernação
Libertação
dentro de uma jornada que se findaAos poucos
Infinitamente
Para Três
Três almas
Três sabores
a vida lançou-se para o infinito
para cima
potência de início –
a chama única dentro do pote de vidro
enegrecido
abraço de fim.
E
Adormeci
Nova
para um novo amanhã
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Poesias de 1 a 99
#01: Instante de Pura Poesia
eu ontem, passando na calçada,
deparei-me com uma visão
aterradora de um pássaro
que, ao defender seu espaço
de um intruso invasor, levou
a pior na batalha sangrenta e,
roto e estropiado, na arvorezinha
mirrada, olhando de soslaio,
entre sangues, o espaço mítico
que habitara e cuidara durante
longos anos, agora perdido
para sempre.solidariedade ao pássaro
ferido de morte.Da Essencialidade da Água.