Crônicas

A vida pela janela

Ver a vida pela janela!

A janela de casa, com a rua e as pessoas que pintam o cenário de cada dia. Com suas cores e sons! Com seus dramas e tons!

A janela do carro ou do ônibus e a velocidade de tudo o que se vê na cidade: placas, cartazes, rostos, histórias…

Ver a vida pela janela!

E ver, com a pressa dos urbanoides de plantão, num frenesi e caos que não dão a certeza de nada.

Ou ver, com a calma do poeta, com a atenção para todos os lados e lugares, sabores, odores, enfim, com todos os olhares!

Assim, como o poeta, vejo a vida pela janela!

Às vezes, vemos o mar, prolongado, com seu movimento constante, espumas e brilho, mostrando sua força e imponência.

Às vezes, vemos a avenida e as milhares de histórias que se cruzam nos rostos de todos os que passam. E são aqueles que lutam a luta diária do pão. E são aqueles que procuram o sentido das coisas no meio do turbilhão. E são aqueles que se sentem sozinhos entre a multidão.

Às vezes, algumas crianças, no colo, ainda cheias de sono, sendo levadas por mães e pais cansados, alheias à cidade e agarradas em seus sonhos e imaginação.

Às vezes, o breve silêncio do sinal fechado e nenhuma palavra dita ou pensada. Como se fosse um transe! Como se nada fosse…

Às vezes, o silêncio dos que não mais amam, entrecortado por automóveis ou anúncios itinerantes. Mais um transe!

Às vezes (e estas vezes não são tão raras), basta um sorriso, um encontro, uma palavra, um mistério, um aceno, um aperto de mãos, um beijo que demora, o fuzuê na esquina, a dança dos jovens… basta que uma destas coisas aconteça, ou a junção de todas elas e… começamos ou terminamos o dia com a certeza do dever cumprido, preparados para o sono dos justos…

Tão estranha a vida na Terra!


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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

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