Crônicas

Falo, logo existo!

Ponha-se no seu lugar…

Quantas de nós já ouviu essa frase imperativa sair da boca de castradores natos? 

Parece óbvio apontar que a ordenança expressa a ideia de que às mulheres caberia um lugar de imobilidade e aceitação silenciosa do destino forjado pelos colonizadores de almas femininas. Insisto em esclarecer o evidente porque eles são mestres em produzir cortinas de fumaça, em tornar natural o absurdo.

Ponha-se no seu lugar…

A frase dita à Ministra Marina Silva nos revela dados que não podemos ignorar: muitos homens, e um considerável número de mulheres, acredita que o feminino é um lugar de contenção, silenciamento e submissão. Um buraco fundo cavado no desértico universo masculino, onde atiram-se os corpos rebeldes. Quem és tu que ousas mover-se? 

A coleira social se presentifica em situações naturalizadas no cotidiano. Seja nas regras de etiqueta e conduta da mulher elegante, na maternidade santificada, na violência física, social e psicológica diária que instaura o medo, a vulnerabilidade e o muro das impossibilidades.

A mordaça coletiva, a camisa de força tecida ao longo dos séculos pelo machismo estrutural nos ameaça o tempo inteiro. O status, a classe social, a beleza, o poder econômico, o intelecto, nada disso nos salva das armadilhas, achaques e ataques promovidos na minúcia de cada segundo.  

Somente o amparo feito de identificação e consciência de gênero é capaz de nos proteger de tamanha brutalidade.

São sutis as formas de controle e desestruturação da resistência feminina: fomento da competição entre as mulheres, valorização do amor romântico como missão primordial da existência, a fragilidade/inferioridade como ferramenta de sedução e conquista. 

Ponha-se no seu lugar de MULHER e observe as peças que formam a engrenagem que nos tritura a todas nós. 

Ser mulher é um destino que não se escapa, se impõe. O mundo está cada vez mais hostil e ameaçador com cada uma de nós.  Percebem? 

Quando dizem que nós, mulheres, falamos demais, entendo que esse é o manejo feito para enfraquecer aquela que talvez seja a nossa arma mais poderosa. A voz, a denúncia, o grito, a escrita, a carta, o bilhete, a canção.

Falemos de tudo! Falemos pela boca, pelos cotovelos, pelos dedos, pelos olhos. Façamos barulho! Muito barulho. 

E, ao ouvir uma voz fraca a pedir ajuda, tenhamos a força de ser eco.

Eles, os tolos, acham que habitamos um lugar estreito e abafado. Coitados, ainda não descobriram que, juntas, somos um Território. De mãos dadas desenhamos as fronteiras. Nossa voz é um canhão a mirar os invasores.

Ponha-se no seu lugar de MULHER e bata suas lindas asas. Voe alto e para onde quiser!

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Soraya Jordão

Soraya Jordão é psicóloga e escritora. Nasceu no Rio de Janeiro em 1968, sob o signo de Virgem. Durante a pandemia, descobriu seu interesse pela escrita. É autora do e-book de contos Histórias que contei pra Lua, publicado pela Amazon, em 2022. No mesmo ano, publicou o livro infantil O plano do tomate Tomé, pela editora Itapuca. Foi finalista do concurso Poeta Saia da Gaveta do Verso Falado (2021) e do concurso de crônicas do Instituto Fome Zero (2022). Recebeu menção honrosa no Concurso Literário Relâmpago Virtual, da FALARJ, em 2023. Seu primeiro romance Ciranda de mamutes foi selecionado e publicado pela Editora Patuá em 2023. Escreve para os sites Crônicas Cariocas e Crônica do Dia.

Um comentário

  1. Um grito importantíssimo, a se juntar aos inúmeros desagravos que ecoaram nas redes sociais depois desse exemplo de desrespeito contra uma pessoa/mulher /ministra consagrada internacionalmente como uma das mais importantes vozes defensoras da saúde ambiental do planeta. Parabéns amiga!

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