Crônicas

Tempo de ler devagar

“A comparação envolve confrontar a sua vida, ou um aspecto dela, com a de outra pessoa, procurando pontos de semelhança ou diferença.”

Fui ao Aurélio em busca do significado exato da palavra comparar. Que bom que tive essa preocupação.

Fiquei aliviada com a descoberta: não me comparo, não devo me comparar; e, se o fizer, jamais será no sentido literal da palavra.

O que me levou a essa reflexão? Um passeio despretensioso, que terminou por me tocar profundamente: fui, mais uma vez, à Casa do Rio Vermelho. E lá, como sempre, me impregnei, me apaixonei e me senti tão íntima de alguém que só conheci através dos livros: o grande escritor e dono da casa, Jorge Amado.

Ao passear silenciosamente pelos cômodos, observando o ambiente, os móveis, o quarto, a sala, a cozinha, as cartas trocadas com amigos, os objetos pessoais do casal, novamente me vi tomada de admiração. Era como se eu fosse uma garotinha a quem se abre o quarto de uma mulher adulta: linda, segura de si, dona do seu tempo e do seu mundo.

Sentada nos degraus da sala de leitura, ouvindo trechos dos romances que me encantaram em tantas fases da vida, percebi o quanto os livros moldaram meu caminho. O gosto pelo ler me levou ao escrever.

E se por um instante quase me senti pequena diante daquele autor, cujo acervo ali exposto é composto por dezenas de livros, fruto de uma vida literária robusta e rica, logo percebi que meu sentimento foi apenas um breve lapso de falsa modéstia.

Entendi que somos iguais: cada um no seu tamanho.

Também enxergo beleza nos rostos esquálidos e famintos, ou pressinto a tristeza do sorriso que se abre em lábios de carmim; a ambiguidade salta aos meus olhos, sou capaz de sentir, antes mesmo que o personagem saiba, o que eu já adivinhei.

Afinal, foram autores como Jorge Amado, e tantos outros, que alimentaram minha alma com tudo de belo que hoje me habita. E é isso que me causou a emoção ao adentrar naquele museu literário: reconhecer ali partes de mim mesma.

Escrever é irmão gêmeo do ler, e ambos dão vida aos devaneios que habitam a mente dos escritores: esses distraídos ou sonhadores que colocam em palavras a sua forma de ver a vida. Ah, conheço bem essas sensações, tenho consciência de ser assim.

Nesta época da vida, os sonhos já se tornaram uma companhia serena, e as ilusões andam de mãos dadas com as realidades.

Então caminho devagar; aprecio a jornada.

Na verdade, eu passeio o meu olhar sobre o mundo. E, mesmo que eu me canse e meus olhos peçam mais luz e mais grau, ainda assim eu me sinto inteira, plena, capaz.

A pressa ficou para trás. Agora posso sentar com calma, apreciar a leitura e sentir minha alma vibrar ao ouvir as histórias que sempre fizeram e farão parte de mim.

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Maria Elza G. Gonçalves

Aposentadoria e entrada na Terceira Idade. Duas mudanças importantes que ocorrem na vida das pessoas e que merecem nossa reflexão.

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