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Antes que seja tarde

A chuva caí forte no solstício de verão. É de tarde. O barulho da água lá fora, junto com os trovões, atiça minha preguiça. Uma luz suave entra pela janela coada pelas gotas grossas do temporal, o primeiro do verão conforme indica o calendário.

Em 10 dias mais um ano terminará. Penso em quantas pessoas eu não dirigi uma única palavra em quase 365 dias. Muitas mesmo. Com pouco mais de uma semana não será possível compensar essa desatenção da vida moderna.

Ou seria minha mesmo? Ficar sozinho me agrada porque consigo conviver bem comigo mesmo. Conheço gente que acha que esse é um momento de reflexão. Papo furado.

Quando estou sozinho não faço nenhum esforço intelectual. Seja sem ninguém em casa, seja envolvido pelo silêncio doméstico enquanto as melhores partes de mim mesmo dormem tranquilas. Silêncio é silêncio.

Aos meus ouvidos chegam os sons dos passarinhos, o ronco baixo da cidade que não para nunca, só diminui de ritmo; e as teclas tocadas que transformam o que penso nisso que você lê.

Mas não sou tão eremita como dou a entender. Gosto da companhia das pessoas, eventualmente. Me animo a ir ao encontro de quem conheço e até de desconhecidos, em lugares onde sou um anônimo que, pretensão minha, poderá despertar a curiosidade alheia. Nem que seja de um olhar ligeiro. E sigo.

Oscilo sempre entre o silêncio confortador e o palavreado animado das conversas leves. A escolha não sei como faço, só sei que faço.

E com 10 dias ou menos para terminar o ano não têm como falar com todo mundo a quem deveria ter ao menos dirigido uma palavrinha afetuosa.

Mas sou bem relacionado e conto com essas boas relações para me fazer presente. Me refiro aos pássaros e não as pessoas.

Dobrarei pequenos cumprimentos, palavras gentis e sorrisos afetuosos e os colocarei nas asas dos passarinhos que visitam minha janela. Rogarei para que eles vão até as pessoas com quem estou em falta para despejar sobre elas meus cumprimentos. Atrasados, mas sinceros.

Chegarão em tempos distintos porque as distâncias e os temporais atrasarão as entregas.

Mas chegarão. Antes que seja tarde e com a promessa que em 2025 não deixarei de falar com ninguém. Ou tentarei com mais afinco.


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Fernando Neves

Fernando Neves é carioca, nascido em 24 de setembro de 1965, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Mora na cidade de São Paulo, continua Tricolor de Coração, é separado duas vezes e tem filhas gêmeas do segundo casamento. Jornalista profissional, desde os tempos no Colégio Pedro II sempre se interessou pelas letras, seja como leitor ávido seja como aprendiz de escritor. O jornalismo abriu a oportunidade de escrever e praticar mas não foi suficiente para seu desejo de escrever cada vez mais. As opções de forma são a mininovela e o conto. O estilo adotado pelo autor compreende um arco que inclui suspense, humor, conspiração e realismo fantástico. Semanalmente ele exercita sua paixão pela crônica e poesia publicando em seu instagram @fernandonevesescritor.

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