Falou e Disse

Glossário do “fica”

A minha geração não conheceu esse tal de “ficar”. Isso não quer dizer que fôssemos mais bem comportados ou que, nos namoros e nos noivados, sempre honrássemos os compromissos. Havia as deserções, os desvarios, o imediatismo do desfrute físico. Só que essas atitudes eram a exceção e, como tal, não recebiam uma designação específica.

“Ficar”, entre os da minha geração, era ficar mesmo – sem meios-termos nem ironias. Quem ficava com alguém escolhia-o como parceiro não apenas de uma noite, mas de anos, décadas, às vezes de toda a vida. O contrário de ficar era sair, deixar, partir para outra. Hoje, quem fica não está nem aí.

Naquele tempo, ai do marmanjo se a garota soubesse que ele a queria apenas para uns instantes de prazer físico. Para uns amassos, como se diz hoje. Ele seria convidado a dar o fora, e nem sempre de forma gentil. As meninas tinham um nome a zelar e queriam estabilidade nas relações. Abraços e sobretudo beijos, que hoje são uma espécie de couvert do relacionamento, eram um prêmio à persistência e à fidelidade. Só os obtinha o conquistador perseverante e que acenasse com a promessa de vínculos futuros. É isso mesmo, leitor: naqueles tempos severos o sexo não vinha de graça. Era um trunfo, um troféu, um instrumento de barganha muito bem manipulado.

Há algum tempo, pedi que meus alunos fizessem uma redação sobre “o fica” (assim ele é chamado), que alguns já consideram a nova forma de relacionamento entre os jovens. Queria saber a opinião deles. Para minha surpresa, muitos criticaram esse tipo de relação. As garotas, sobretudo, demonstraram certo desconforto com a natureza efêmera e pouco afetiva do “ficar”. Desejam algo mais sentimental e persistente.

Mas o objetivo aqui não é comentar o ponto de vista deles. Como para entender qualquer segmento social, ou cultural, é preciso primeiro observar sua linguagem, resolvi a partir das redações compor uma espécie de glossário do “fica”. Achei que isso podia interessar ao leitor. Para mim, que sou de outro tempo e de outro mundo, é tudo novidade. Confiram:

Balada: agito, festa onde se pratica ou não o fica.

Fica (s.): o mesmo que ficar.

Ficante: aquele ou aquela que fica.

Galinha: rapaz ou garota que fica com muitos parceiros de uma vez (geralmente numa mesma noite).

Garanhão: rapaz que fica com muitas garotas de uma vez (idem).

Menino estribado: garoto rico ou famoso com quem se fica.

Nega: garota com quem se fica; breve namorada que se arranja no fica.

Queimação: censura, crítica. Aplica-se a quem fica em festa de família.

Resenha: assédio a uma pessoa (geralmente uma garota) difícil.

Rolo: fase entre o fica e o namoro. É sinal de que o relacionamento está ficando sério.

Rodada ou queimada (adj.): garota que já ficou muito ou praticou o fica em local ou ocasião inadequada.  


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Chico Viana

Chico Viana é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais, como a revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll) e a da Associação Brasileira de Estudos Medievais (Abrem). Publicou “O evangelho da podridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos” e outros títulos à venda na Amazon. Atualmente dá aulas virtuais de Português e Redação no curso que leva o seu nome. Entre seus blogues, destacam-se chviana.blogspot.com e chicoviananapontadolapis.blogspot.com.

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