Crônicas

O agora é o antídoto da frustração

Telma acordou cedo para cumprir tudo que havia programado: passear com seu cachorro, ir ao pilates, mercado, banco. À tarde pegar a roupa na costureira e depois tomar um café com Silvia, sua amiga de infância. 

À medida que realizava o seu cronograma, experimentava aquela alegria fagueira dos que honram as promessas feitas para si mesmo. 

Telma se encaminhou para o ponto de ônibus embalada pela leveza de não cair nos cambalachos da procrastinação. Tudo resolvido. Tudo pronto. Tudo perfeito. Mal podia acreditar que em trinta minutos estaria com sua amiga de uma vida inteira. Quanto tempo… quanta saudade. 

Acostumada a dar vazão às emoções, embora sua mãe chamasse isso de ansiedade, enviou um áudio para Silvia declarando sua felicidade com o reencontro que estava para acontecer. 

— Silvinha, já estou chegando. Tô doida pra te ver. Te amo, amiga!

Silvia ouviu a mensagem aliviada por não ter desmarcado o encontro com Telma, embora ainda estivesse um pouco indisposta. Pensou em responder, mas estava atrasada, deixou para falar pessoalmente. Queria chegar logo e abraçá-la como nos velhos tempos. 

Na saída de casa, a dor aumentou. Foram três passos e mais nada. 

Telma jamais saberá o quanto sua amiga desejou revê-la. 

Silvia tinha planos para um futuro que a vida decidiu não aguardar.

Uns vão dizer que Telma não deveria ter criado expectativas para não se decepcionar com o desfecho.

Outros vão achar que Telma não deveria se entregar tanto às relações para não se frustrar.

Eu digo que Telma, pelo menos, vivenciou a alegria de esperar pela festa. Ainda que a festa não vá acontecer.

A vida sem expectativa é um jardim sem flor. 

Um corpo sem movimento. Um olhar sem brilho. Uma alma sem voz.

Um texto sem leitor.

Um salve para todos os corajosos do agora.

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Soraya Jordão

Soraya Jordão é psicóloga e escritora. Nasceu no Rio de Janeiro em 1968, sob o signo de Virgem. Durante a pandemia, descobriu seu interesse pela escrita. É autora do e-book de contos Histórias que contei pra Lua, publicado pela Amazon, em 2022. No mesmo ano, publicou o livro infantil O plano do tomate Tomé, pela editora Itapuca. Foi finalista do concurso Poeta Saia da Gaveta do Verso Falado (2021) e do concurso de crônicas do Instituto Fome Zero (2022). Recebeu menção honrosa no Concurso Literário Relâmpago Virtual, da FALARJ, em 2023. Seu primeiro romance Ciranda de mamutes foi selecionado e publicado pela Editora Patuá em 2023. Escreve para os sites Crônicas Cariocas e Crônica do Dia.

3 comentários

  1. Percebi que tenho optado por viver o percurso sem valorizar excessivamente o resultado final! Minhas peças de artesanato são bebidas de golinho em golinho até alcançarem a belezura esperada! Assim como a viagem começa, a partir da ideia de fazê-la! A maturidade tem sido muito minha amiga!!

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