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O espelho invisível: o que seu cão reflete sobre você?

Nossos hábitos moldam o comportamento dos cães e, muitas vezes, sem perceber, os transformamos exatamente naquilo que não gostaríamos que fossem. Essa reflexão pode soar dura, mas carrega uma verdade inegável que frequentemente é ignorada. Por trás de cada olhar atento e de cada rabo que balança diante de nós, há um reflexo sutil de nossas ações, emoções e até mesmo de nossos pensamentos.

É intrigante como as pessoas se esforçam para ensinar comandos como “senta” ou “fica”, enquanto negligenciam a poderosa linguagem invisível que permeia suas expressões corporais e verbais. Cada interação, por menor que seja, contribui para a construção da personalidade e do comportamento dos cães. Sentar-se à mesa é um momento que simboliza respeito e, por isso, não deve ser compartilhado com cães, a menos que eles demonstrem equilíbrio e saibam se comportar educadamente. Ainda que essas regras possam ser flexibilizadas, isso só deve ocorrer quando o ser humano estabelecer uma liderança clara e for capaz de gerenciar o cão com segurança em qualquer situação ou ambiente.

Oferecer um petisco porque “ele latiu” pode parecer inofensivo, mas reforça comportamentos que podem se tornar inconvenientes em momentos impróprios. Brincadeiras agitadas antes de dormir, por exemplo, podem resultar em noites interrompidas por um cão que não sabe como desacelerar. São nesses detalhes que os cães revelam sua legítima essência. Como observadores natos, eles se tornam verdadeiras esponjas das emoções e sentimentos humanos.

No livro O Treinamento Invisível, exploramos essas habilidades incríveis dos cães. Educar um cão não é apenas moldar um comportamento, mas aceitar o convite para uma transformação pessoal. Quando controlamos nossa ansiedade, ensinamos calma. Ao sermos consistentes, cultivamos respeito e admiração. E, ao sermos generosos com nosso tempo e paciência, não apenas ajudamos o cão a se equilibrar, mas nos tornamos pessoas melhores no processo.

Entretanto, a lição mais desafiadora é reconhecer que, muitas vezes, o problema não está no cão, mas na própria pessoa. A história de Bob, um labrador que treinei há cerca de 10 anos, ilustra bem esse sentimento imperceptível que existe dentro de nós. Certa vez, Bob destruiu toda a fiação da moto Harley-Davidson do meu cliente ao ser deixado sozinho em casa. O dono, frustrado, culpou o cão pela “desobediência”, mas, na realidade, o verdadeiro erro estava na falta de planejamento e no ambiente mal preparado que ele, inconscientemente, mantinha. É mais fácil acusar o cão do que enfrentar as próprias falhas. Só o conhecimento leva uma pessoa a buscar as ferramentas adequadas para cada solução.

A verdadeira mudança começa quando deixamos de enxergar o cão como um projeto a ser moldado e passamos a tratá-lo como um parceiro de aprendizado. Um ser que observa, absorve e responde muito mais ao que fazemos do que ao que dizemos. Essa percepção transforma a relação: o que antes era correção se torna conexão; o que antes era comando se transforma em espontaneidade. Assim como as crianças aprendem observando, os cães absorvem cada uma de nossas atitudes, sejam elas conscientes ou não.

Na próxima vez que se qustionar sobre o comportamento do seu cão, pergunte a si mesmo: o que ele está aprendendo comigo? A resposta pode não ser satisfatória, mas, certamente, será o ponto de partida para uma relação mais profunda. É nesse quesito que reside o início de uma relação baseada em respeito mútuo, paciência e desenvolvimento. Uma convivência que vai além de comandos e liderança, mas que alcança o que realmente importa: a essência da intimidade entre as espécies.


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Francci Lunguinho

FRANCCI LUNGUINHO é treinador de cães há 18 anos, sócio-fundador da Escola Lobatos. Jornalista, escritor e âncora do Podcast Cães & Pessoas, também é criador e editor do portal de literatura Crônicas Cariocas. Mora no Rio com a esposa e dois cães da raça cocker spaniel. Pai do Matheus e faixa marrom de jiu-jitsu. É coautor do livro ‘O Treinamento Invisível: educar cães e transformar pessoas é muito simples’, de 2023, pela editora Arribaçã.

3 comentários

  1. Está me fazendo refletir muito e sobre muitas questões. Sabes que minha baby é incrível e o quanto me ajuda, mas a via tem que ser de mão dupla. A minha necessidade de entendê-la é ajudá-la é cada vez mais forte.

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