Poesias de 1 a 99

Poema #21: Eu Queria Fazer um Poema pra Você

Numa ocasião em que eu estava
(como das outras vezes) prestes
a me naufragar no abismo do delírio,
houve um sorriso de dentes postiços.

Mas eu já não queria mais cair
na cilada do amor fugaz e preferia
estar quieto e fugir para longe do
alcance de uma outra decepção.

Então eu me internei num hospício
e amarrei as minhas mãos ao pé
de uma árvore frutífera de onde
eu poderia escavar o chão de barro.

Ao fim do terceiro dia de psicopatia
veio a diretora dizer que eu deveria
partir para um lugar que não sabia
e me deram um endereço e o contato.

Era um lugar acolhedor e distante
coberto de grama e cerca de arame
mas quando fui atravessar a ponte
um cão vampiro me atacou de noite.

Sobrevivi como alguém que se esqueceu
da longa noite passada e caminha como
se o dia estivesse amanhecendo de novo,
apesar do rastro de sangue e a boca seca.

Havia uma casa deserta e eu pensei em
largar tudo o que eu não nunca tive e
vir morar aqui no meio dos bichos que
comunicam-se através de sinais e apitos.

Lembro de uma escada pintada de verde
e uma mulher bonita que veio me atender
com as mãos estendidas e um sorriso
encorajador para que eu dissesse tudo.

Não havia o que contar além do fato
de eu ter andado ausente e perdido
e que, nesse período, eu havia criado
enredos irreais para me manter vivo.

Tudo era então uma simples questão
de fechar os olhos para os pássaros e viver
tranquilo como os homens banidos de si
e que se refugiam no labirinto do amor.

Ai que delícia que é poder acordar e dizer
que estou vivo, mesmo não tendo nada
ao redor a não ser o microfone em que
digo isso e acompanhar o seu eco no abismo.

O Jardim Simultâneo

Mostrar mais

Milton Rezende

Milton Rezende é poeta e escritor, nasceu em Ervália (MG), em 1962. Viveu parte da sua vida em Juiz de Fora (MG), onde foi estudante de Letras na UFJF, depois morou e trabalhou em Varginha (MG). Funcionário público aposentado, morou em Campinas (SP), Ervália (MG) e retornou a Campinas (SP). Escreve em prosa e poesia e sua obra consiste de quinze livros publicados. Fortuna crítica: “Tempo de Poesia: Intertextualidade, heteronímia e inventário poético em Milton Rezende”, de Maria José Rezende Campos (Penalux, 2015).
Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar