Quando a segurança abriu a porta, senti como se entrasse num ventre da noite.
A Pink Flamingo tinha um borogodó raro: homens de bermuda acima do joelho, corpos de Zeus, gringos loiros, negros cariocas, certinhos, caretas — todo mundo no mesmo caldeirão da carençolândia, como diria Xico Sá. Uns de camisa da moda marrom, outros de jeans e pochete. Se os “gurus da moda” dizem que não pode, lá tem alguém usando com orgulho e pose.
A música era um delírio pop das antigas: Spice Girls, Backstreet Boys, Madonna, Britney, Cher, tudo embalado por fumaça vermelha, luzes estroboscópicas e drinks fluorescentes nas mãos dos convidados.
No banheiro unissex, meu amigo carioca voltou esbaforido:
— Puta que pariu!
— O que foi?
— Tinha uma mulher retocando o rímel no mictório.
Entrei. Lá estavam ela, uma travesti altíssima e um homem bonito dividindo o espelho com a naturalidade de quem compartilha segredos num confessionário. Pensei: esse banheiro merecia uma crônica só pra ele.
No salão, curiosamente, quase ninguém se olhava. O flerte parecia fora de moda. As pessoas dançavam, bebiam, vibravam com as drags — poucas e deslumbrantes. Uma delas, pendurada no teto como um anjo barroco, dublava *Toxic* com a segurança de quem poderia substituir Britney num Super Bowl. Outra, de vestido dourado, desceu do palco e me sussurrou no ouvido:
— Vou mijar.
Saí rindo.
— Cara, aqui é ótimo pra trazer as namoradas — disse meu amigo carioca.
— Por quê?
— Porque ninguém mexe.
Mas havia exceções, claro: uma mulher beijava “o único hétero do rolê”; um cara, de camisa social e olhar perdido, se aconchegava no colo de uma travesti no canto do salão — como se ela fosse o colo do mundo. Um grã-fino, lindo como um galã de novela, passeava de mãos dadas com duas gatas num trisal cinematográfico — de causar inveja. Ou melhor: de admirar, porque ter inveja é feio.
Mas o que mais me encantou foi um velho, setentão, saindo de lá com um negro de beleza fulminante. *Love comes to everyone*, como dizia George Harrison. Esse casal merece uma crônica só pra eles.
Tudo ali me fez constatar o óbvio: eu adoro os gays. Que gente bonita, livre, alegre. O mundo podia ser uma grande Pink Flamingo — um hino à liberdade, ao amor e à ousadia.
Quer saber se fiquei sozinho? Não. Porque ninguém é de ferro. Mas por hoje, a crônica termina aqui.