Crônicas Cariocas

  • Pink Flamingo, o mergulho

    Quando a segurança abriu a porta, senti como se entrasse num ventre da noite.

    A Pink Flamingo tinha um borogodó raro: homens de bermuda acima do joelho, corpos de Zeus, gringos loiros, negros cariocas, certinhos, caretas — todo mundo no mesmo caldeirão da carençolândia, como diria Xico Sá. Uns de camisa da moda marrom, outros de jeans e pochete. Se os “gurus da moda” dizem que não pode, lá tem alguém usando com orgulho e pose.

    A música era um delírio pop das antigas: Spice Girls, Backstreet Boys, Madonna, Britney, Cher, tudo embalado por fumaça vermelha, luzes estroboscópicas e drinks fluorescentes nas mãos dos convidados.

    No banheiro unissex, meu amigo carioca voltou esbaforido:

    — Puta que pariu!

    — O que foi?

    — Tinha uma mulher retocando o rímel no mictório.

    Entrei. Lá estavam ela, uma travesti altíssima e um homem bonito dividindo o espelho com a naturalidade de quem compartilha segredos num confessionário. Pensei: esse banheiro merecia uma crônica só pra ele.

    No salão, curiosamente, quase ninguém se olhava. O flerte parecia fora de moda. As pessoas dançavam, bebiam, vibravam com as drags — poucas e deslumbrantes. Uma delas, pendurada no teto como um anjo barroco, dublava *Toxic* com a segurança de quem poderia substituir Britney num Super Bowl. Outra, de vestido dourado, desceu do palco e me sussurrou no ouvido:

    — Vou mijar.

    Saí rindo.

    — Cara, aqui é ótimo pra trazer as namoradas — disse meu amigo carioca.

    — Por quê?

    — Porque ninguém mexe.

    Mas havia exceções, claro: uma mulher beijava “o único hétero do rolê”; um cara, de camisa social e olhar perdido, se aconchegava no colo de uma travesti no canto do salão — como se ela fosse o colo do mundo. Um grã-fino, lindo como um galã de novela, passeava de mãos dadas com duas gatas num trisal cinematográfico — de causar inveja. Ou melhor: de admirar, porque ter inveja é feio.

    Mas o que mais me encantou foi um velho, setentão, saindo de lá com um negro de beleza fulminante. *Love comes to everyone*, como dizia George Harrison. Esse casal merece uma crônica só pra eles.

    Tudo ali me fez constatar o óbvio: eu adoro os gays. Que gente bonita, livre, alegre. O mundo podia ser uma grande Pink Flamingo — um hino à liberdade, ao amor e à ousadia.

    Quer saber se fiquei sozinho? Não. Porque ninguém é de ferro. Mas por hoje, a crônica termina aqui.

  • POEMA #26: AVALIAÇÃO NOTURNA

    Este pedaço de céu
    que me foi permitido entrever
    entre os edifícios,
    assemelha-se a uma parte de mim
    que ainda se resguarda
    para nada.

    Areia (À Fragmentação da Pedra)

  • Gestuais domingueiros

    Inequívoco:

    É pleno e gélido outono, o sol perpassa a concentração de nuvens brancas, total unificação de cor, reflexo intacto da luz no rebatedor que se faz teto do dia. Olívia espreguiça e se deixa ficar, é domingo, ela pode ser toda preguiça. O amanhecer vem calmo em quase tudo.

    Quase.

    Pouco a pouco, as árvores exibem seus galhos desnudos, pelados; as janelas das casas perdem privacidade – e vizinhos levantam-se despreparados para os olhares um tanto desatentos, hoje, das ruas.

    Os aromas confundem o hálito azedo do acordar; cheiro de café passado, cheiro de bolo de fubá no forno. O pão recém assado na padaria, ali perto. Alguém passou pelas ruas com um emaranhado de essências: perfume em demasia e teor alcóolico, sinal de um sábado que teima em se concluir. Todas as notas sobem em câmera lenta, uma dança invisível.

    Rompem as barreiras de portas fechadas, cortinas, narinas.

    Inequivocamente, nem tudo é imobilidade.

    Certamente não na arvoreta-menina, solitária, bem na esquina. Encarcerada em um quadrado de terra, limitada à expansão de suas raízes para os fundos do concreto rotineiro e sem vida, seus fartos e imbebes
    galhos vão desenhando braços aturdidos e atrevidos. Galhos de parca sombra, a desabrochar flores a partir de botões maduros, generosos e abundantes botõezinhos. É pleno outono. Até os pássaros concluem – para uma felicidade em forma de revoada – que, inequivocamente, presenciam uma das mais belas forças de resistência.

    Resistência de vida. De não lamento. De esperança.

    Num piscar de olhos, os aromas ao entorno de Olívia, são os mesmos. Ela se demora por entre as cobertas. Olívia pisca, um botão estoura; seus olhos teimam em se abrir, a árvore revela pétalas brancas. Uma flor rosa pende da árvore e se lança ao rés do chão, seis pétalas em formato de coração. As folhagens outonais de todas as outras árvores, verdes adoecidas, ganham nuances de possibilidades. Olívia brinca com o temporizador dos alarmes. O domingo é uma tela verde pigmentada de vida.

  • CORDEL MAIS ENROLADO

    José e Marta. Mas qual Marta? Ainda um nome frágil. João e Maria. Simplista. Vida bruta e comedida. Olho no olho e um arranhão. Árvore de amendoeira. Prisão. José e Marta, ambos, enrolados no chão. Frio, Muito frio com José e Marta. João e Maria, não.

    O céu nublado, José e Marta na calçada, roxos de frio. Pensei em João, pintor nordestino e falador; pensei em Maria, Maria das Dores, moça prendada, também nordestina, recatada, muito nova ainda.

    Um arranhão. Olho no olho e a amendoeira molhada. Triste fim a prisão. O que é uma pessoa abandonada? Frio. José e Marta, então…

    Céu nublado, João e Maria na casa, roxos das brigas. Pensei em José, balconista de pequeno armazém; pensei em Marta, pobre ninguém! Não tinha um quarto pra dormir. Há mesmo um lugar pra ir?

    Marta sem quarto. José balconista. Não conhecem João, pintor de parede, tampouco Maria das Dores, muito moça ainda. Coitada! Vivem como se nunca soubessem do sofrimento alheio.

    Sucedeu certo dia, a fruta deliciosa e madura, brilhava nas mãos de José e Maria das Dores queria apenas a maçã. Recebeu um beijo ardente, um bilhete, um olhar apaixonado. Maria, faceira, disse que não, muito obrigada. Recebeu outro beijo e um agrado.

    Não demora veio a chuva. Baita chuva. Grossa como a desesperança. Não se trata de criança! Soube João. Virou uma fera! Mal-agradecida da Maria. Vai ver o que espera.

    José e Marta não se falavam mais. Amor, um nome escrito na amendoeira, já gasto e quase ilegível, frágil… João brigou, passou a faca e o vestido de flor murchou-se de vida. Olhou nos olhos de Maria a desfeita ocorrida. A polícia sem demora prendeu o marido traído e o quarto agora era um mar vermelho, moça vermelha, flores vermelhas de um amor não resolvido.

    A calçada acaricia os corpos frios e desiludidos de José e Marta. Não se olham. Não se amam. Ela não sabe de Maria, Maria não sabe de João, João não sabe de José e o amor não sabe de ninguém.

  • Ladrões de tempo

    Há um instante na vida — e ele chega sem avisar — em que o elástico do tempo começa a encolher. A gente passa tanto tempo acreditando que ele se estica infinitamente, que leva um susto ao perceber que a ponta já está ali, bem mais próxima do que parecia.

    Para os otimistas, os esperançosos, os que ainda querem aproveitar o máximo do plano terreno, só resta puxar esse elástico com jeitinho, torcendo para que ele não dê uma estilingada inesperada e se despedace. E, se tiver que se romper, que seja lá no finzinho da linha — o que, convenhamos, já seria uma benção.

    Esses dias, lendo A contagem dos sonhos, de Chimamanda Ngozi Adichie, me deparei com uma expressão que ficou zanzando na minha cabeça: “ladrões de tempo”. No livro, ela fala de amores que não valem a pena, relações que atrasam a vida amorosa das protagonistas. Mas fui além.

    Não pensei em amores antigos, nem em nós do passado. Foi o presente que me cutucou. Quantos tipos de ladrões de tempo existem por aí? E quantos estamos deixando entrar pela porta da frente, com tapete vermelho e cafezinho?

    Alguns são quase impossíveis de evitar. A burocracia, por exemplo, é um clássico ladrão. Quem nunca perdeu horas preciosas enfrentando a famosa URA — aquela Unidade de Resposta Audível que promete atendimento e entrega desespero? Seja para falar com o banco, a companhia elétrica, o plano de saúde ou qualquer outro órgão onde o tempo vai escorrendo sem dó. E não vamos nem começar a falar das filas, dos congestionamentos, da papelada sem fim. Já pensei até em criar um “cronômetro da perda de tempo”, tipo o impostômetro. Mas desisti: imagine a crise existencial?

    Esses são ladrões conhecidos, e com criatividade dá até para reciclar o tempo que eles roubam — ouvir uma música, mandar mensagens, ouvir um podcast, ler umas páginas, divagar sobre a vida. Um pequeno protesto poético contra o sistema.

    Mas o que realmente me preocupa são os ladrões silenciosos. Aqueles que a gente convida sem perceber. Os pensamentos negativos, por exemplo, são verdadeiros assaltantes da alma. Sugam o tempo interior, roubam a leveza do dia, encurtam a vida emocional em câmera lenta.

    A sabedoria, dizem, vem com o tempo. E talvez ela esteja justamente em aprender a proteger o nosso elástico — envolver a linha com cuidados, risos, fé e pequenos bálsamos que o mantenham flexível. Porque a vida já corre por si só. Se a gente não cuidar, quando piscar… ela estoura.

  • Matando o tempo

    “Tempo, tempo, tempo, tempo, és um dos deuses mais lindos”.
    (Caetano Veloso, Oração ao Tempo)

    Quando criança, eu observava fascinado as mutações do tempo. Não me refiro ao tempo como período dos acontecimentos, medido pelo relógio, mas como condição meteorológica. Enquadrava-se o tempo no rol dos enigmas além de nossa compreensão, assim como o infinito ou o mistério da vida. As alterações do tempo, imaginava eu, dependiam dos humores dos deuses, a quem cabia a incumbência de reger a dança dos ventos, o ribombar dos trovões e o movimento das nuvens. Determinavam as divindades se o tempo seria chuvoso, ensolarado, frio, quente. E nós, humildemente, acatávamos. Quando inspiradas, brindavam-nos elas com um deslumbrante arco-íris, que só podia mesmo ser obra celestial.

    O comportamento errático do tempo era intrigante.  Fazia calor em épocas em que a disposição do planeta levaria a crer que deveria fazer frio. Passavam-se, sabe-se lá por que cargas d’água, meses sem chover, reduzindo ameaçadoramente o nível das represas e colocando em xeque a presteza das torneiras de jorrar o precioso líquido o tempo todo e sob qualquer tempo. Nossa capacidade de interferir nos propósitos das nuvens que, teimosas, recusavam-se a colaborar, era nula. Para superar os contratempos do tempo, só mesmo rezando pela intercessão de São Pedro. Restava abastecer-nos com trajes e acessórios apropriados como capas, guarda-chuvas, botas, casacos, cobertores das mais variadas espessuras, para nos precaver dos desígnios do tempo.

    Apesar de tais oscilações, havia certa regularidade nas intermitências do tempo que nos trazia uma sensação de alívio. Na cidade de São Paulo, por exemplo, a umidade do ar nunca seria tão baixa quanto a do deserto do Saara e a temperatura jamais cairia a ponto de a água virar gelo. As tênues variações que vinham ocorrendo sequer nos fizeram perceber que, de repente, na “cidade da garoa” parou de garoar.

    Hoje, quando escuto falar em ‘mudanças climáticas’, sinto um arrepio na espinha. Como assim mudanças climáticas? Quer dizer que o tempo vai deixar de obedecer às determinações divinas conforme vinha ocorrendo desde os tempos de Adão e Eva? O que mais vai mudar? Não teremos mais primaveras e outonos? O céu vai também deixar de ser azul?  Os raios do sol deixarão de brilhar pelas manhãs?

    Quando os telejornais passaram a incluir, além de tediosos boletins meteorológicos diários, eventos climáticos catastróficos com temperaturas extremas nunca vistas, tufões devastadores, secas, incêndios e enchentes cada vez maiores, nossa reação era dar os ombros e dizer “o tempo ficou doido”, ajustando o ar condicionado para adequar artificialmente as condições climáticas dentro de casa. E assim íamos tocando a vida, sem nos preocupar quem era o responsável pelas anomalias do tempo ‘lá fora’.

    Não sei para você, caro leitor, mas para mim soa terrivelmente assustador que a interferência do homem no planeta tenha chegado a tal ponto que até o perene e ‘atemporal’ tempo está sendo afetado. Sim, pois o que está ocorrendo no clima não é fruto de praga divina, mas resultado de uma criminosa ação humana. Criminosa, sim. Pois o ato de agredir o meio-ambiente que abriga a vida no planeta deveria ser considerado tão delituoso quanto o de atentar contra o lar, onde residimos com nossa família.

    As condições para a formação da vida estão sendo alteradas obscenamente pelo homem e ninguém se importa. Nossa civilização doentia aceita com naturalidade a agressão impune à natureza. E os infratores são até exaltados por muitos como desbravadores e promotores do progresso.

    Sim, meu amigo, devo pesarosamente informar-lhe: o tempo está mudando. E isso não quer dizer que vai ficar nublado. Mas não se preocupe. A coisa vai ficar ainda pior. Há outras ‘mudancinhas’ em curso enquanto você lê esse texto. Os mares estão sendo infestados de plásticos, os rios envenenados por mercúrio, as florestas devastadas, o ar tornando-se irrespirável, as fontes de água potável estão rapidamente se esgotando e em poucos anos, a maior parte da população mundial não terá como saciar suas necessidades pelo líquido vital.

    O mundo tal qual estávamos acostumados não existe mais. E a maior parte da população está pouco se lixando. Ninguém abre mão sequer da conveniência do saquinho de plástico do supermercado, confiando que, como por milagre, o mesmo ‘progresso’ que gerou essa situação consiga salvar o tempo. A tempo.

    Resta perguntar a nossos filhos se eles concordam com o ‘admirável tempo novo’ que estamos lhes deixando.

  • Falo, logo existo!

    Ponha-se no seu lugar…

    Quantas de nós já ouviu essa frase imperativa sair da boca de castradores natos? 

    Parece óbvio apontar que a ordenança expressa a ideia de que às mulheres caberia um lugar de imobilidade e aceitação silenciosa do destino forjado pelos colonizadores de almas femininas. Insisto em esclarecer o evidente porque eles são mestres em produzir cortinas de fumaça, em tornar natural o absurdo.

    Ponha-se no seu lugar…

    A frase dita à Ministra Marina Silva nos revela dados que não podemos ignorar: muitos homens, e um considerável número de mulheres, acredita que o feminino é um lugar de contenção, silenciamento e submissão. Um buraco fundo cavado no desértico universo masculino, onde atiram-se os corpos rebeldes. Quem és tu que ousas mover-se? 

    A coleira social se presentifica em situações naturalizadas no cotidiano. Seja nas regras de etiqueta e conduta da mulher elegante, na maternidade santificada, na violência física, social e psicológica diária que instaura o medo, a vulnerabilidade e o muro das impossibilidades.

    A mordaça coletiva, a camisa de força tecida ao longo dos séculos pelo machismo estrutural nos ameaça o tempo inteiro. O status, a classe social, a beleza, o poder econômico, o intelecto, nada disso nos salva das armadilhas, achaques e ataques promovidos na minúcia de cada segundo.  

    Somente o amparo feito de identificação e consciência de gênero é capaz de nos proteger de tamanha brutalidade.

    São sutis as formas de controle e desestruturação da resistência feminina: fomento da competição entre as mulheres, valorização do amor romântico como missão primordial da existência, a fragilidade/inferioridade como ferramenta de sedução e conquista. 

    Ponha-se no seu lugar de MULHER e observe as peças que formam a engrenagem que nos tritura a todas nós. 

    Ser mulher é um destino que não se escapa, se impõe. O mundo está cada vez mais hostil e ameaçador com cada uma de nós.  Percebem? 

    Quando dizem que nós, mulheres, falamos demais, entendo que esse é o manejo feito para enfraquecer aquela que talvez seja a nossa arma mais poderosa. A voz, a denúncia, o grito, a escrita, a carta, o bilhete, a canção.

    Falemos de tudo! Falemos pela boca, pelos cotovelos, pelos dedos, pelos olhos. Façamos barulho! Muito barulho. 

    E, ao ouvir uma voz fraca a pedir ajuda, tenhamos a força de ser eco.

    Eles, os tolos, acham que habitamos um lugar estreito e abafado. Coitados, ainda não descobriram que, juntas, somos um Território. De mãos dadas desenhamos as fronteiras. Nossa voz é um canhão a mirar os invasores.

    Ponha-se no seu lugar de MULHER e bata suas lindas asas. Voe alto e para onde quiser!

  • Quando foi mesmo?

    Minha mente vive de espantos e porquês. Até hoje, na sétima década da minha vida, me declaro aprendiz.

    Faço perguntas e me vejo em busca de respostas que nem sabia procurar. E nesse apego às dúvidas e incertezas passo dias pensando, lendo, comparando e pesquisando sobre o que eu desconheço, ou o que me intriga.

    Não tenho predileção por temas… o que tenho, de verdade, são perguntas: como, quando, por quê. E vou além, porque além de observar, eu busco exemplos, comprovações mesmo!

    Gosto dos números, pois eles me orientam em tudo. Até para saber se a igreja está mais cheia que o normal. Sei que temos cento e vinte lugares (já contei) e, assim que entro no recinto, minha calculadora mental dispara e anota que, aproximadamente, estamos com mais um terço de pessoas. 

    Por que eu faço isso? Não sei…

    Ainda em relação a essa predileção percebo que vejo a vida baseada em números, datas, estações. “Tal ano, minha irmã começou a costurar; em 1900 e bolinha, foi o batizado da minha primeira filha; no ano em que passava determinado filme, decidi deixar de ser dona de casa e ir trabalhar. No verão seguinte constatei que não tinha qualificação e resolvi estudar. Formei-me em julho do ano em que houve tal evento.”

    Ao falar do “quando” eu abstraio o porquê…

    Como se as datas preenchessem os motivos, os sentimentos, as razões e emoções do que ocorria em minha vida.

    Constato, então, que conversar comigo é um exercício complicado.

    Qual foi a conclusão a que isso me levou? Primeiro, que o axioma “Só sei que nada sei” faz todo sentido. E que datas devem interessar ao coletivo, ao mundo, aos eventos grandiosos, aos historiadores, aos cientistas, talvez. Nesse contexto o tempo cronológico significa segurança, verdade, esperança, e também temores e incertezas.

    Para nós, meros mortais, não faz diferença saber nem em que ano nascemos! Para que? Acaso existe uma data que determine quando deixaremos de viver? Ou de ainda nos surpreender, ou de passarmos a gostar de inverno, ou parar de detestar frutos do mar?

    Acredito que a busca pelo que há de bom e belo faz parte do ser humano de forma intrínseca e intuitiva, em qualquer época e data da vida.

    As lembranças, sensações, propósitos e realizações devem ser arquivadas em nossas mentes, não por datas exatas, mas pelo valor das palavras, dos atos e emoções vividas.

    Essa deve ser a nossa meta, como seres humanos.

    Afinal, a jornada chamada vida, não acontece de forma exata e linear e nisso está o seu encanto.

    Qualquer que seja a data!

  • CASO SÉRIO

    – Pai, urge que o senhor aumente a minha mesada.

    – “Urge”?!  O que é isso?

    – A professora de redação ensinou que a gente deve dizer “urge”. Tem mais força do que “é preciso”, “é necessário”. Parece, tipo assim, o rugido de uma fera. URRRGEEE!

    – Calma, tudo bem. Não precisa me morder. E pra que é que você quer mais dinheiro?

    – Vou fazer o Enem, não vou? Preciso ler, me informar. Destarte…

    “Destarte”?

    – Sim. Destarte, dessarte… A professora falou que é melhor do que “então”, “logo”, “diante disso”. Ela quer que a gente arrase na prova. E quer, outrossim, um pouco de fama para ela também, claro.

    – “Outrossim”?

    – O senhor não conhecia?

    – Não. Conhecia “outro não”. Era o que eu ouvia de sua mãe toda vez que lhe pedia um beijo. Ela dizia: “Outro não, Valfredo. Por hoje basta.”.

    – Ah, pai, o senhor é mesmo ignorante. Não é “outro sim”; é “outrossim”, entendeu?

    – Não estou vendo diferença, mas entendi. O contrário, então, deve ser “o mesmo sim”. E não outro!

    – Caramba! Achei massa essa história do beijo. Então ela lhe dava um fora… Que sádica! E o senhor, entrementes, o que fazia?

    – “Entrementes”? Deixe eu ver… Primeiro preciso saber o que é “entrementes”. É alguma coisa como “escorraçado”?

    – Nada a ver. Significa “nesse espaço de tempo”.

    – E por que você não falou isso?

    – Porque a professora disse que “entrementes” impressiona mais. 

    – Nesse caso, pode entrementar à vontade. O importante é que você arrase na redação.

    – Esse é meu desiderato.

    – Como?

    – “Desiderato”, “vontade”, pô! Também o senhor não saca nada da língua portuguesa!

    – Desculpe, ando meio desatualizado. Embora, aqui pra nós, esses termos que você está usando sejam um tanto serôdios.

    – “Ser” o quê?

    – Serôdios! Sua professora não mandou você usar essa palavra no lugar de “antigos”? Se ela ainda não fez isso, vai fazer. Com certeza.

    – Epa! Nada de “com certeza”! É “indubitavelmente”. E sabe de uma coisa? É mister que eu não converse mais com o senhor.

    – “Mister”?!

    – Isso mesmo. E não fale mais da minha professora, viu? Não quero ouvir. Se fizer isso, que seja à sorrelfa.

    – “Sorrelfa”!? Essa também veio da professora?

    – Negativo. É contribuição minha mesmo. Pesquei no dicionário para fazer uma surpresa a ela.  

    – “Sorrelfa…” Socorro, Alaíde! Vem cá ouvir teu filho. Alguma coisa muito séria está acontecendo com ele!

  • Aos sonhos, afinal

    Acordou mal. A noite foi ruim. Um sonho, o único que ele lembra, foi o responsável pelo seu estado atual.

    Um sonho ruim onde a dúvida se tornava certeza. Nada mais dela na sua vida, nada mais com ela ou sobre ela. Nada mais.

    Passou o dia angustiado com a mera lembrança do sonho. Piorou quando recordou que à luz da psicanálise o sonho pode ser a manifestação de desejos inconscientes. Pode, no condicional, mas por conta do estado de angústia em que se encontrava tornou-se certeza.

    Desejo é sempre ligado a algo que se quer, lembrou ele ao longo do dia. O sonho revelador seria isso então, um desejo?

    Mas por que sua mente lhe pregara essa peça? Por que desejar o que não nos faz bem?

    Desejar ela longe de si, seria o desejo oculto guardado no fundo de seu inconsciente que nas horas silenciosas da madrugada emergia suave mas decidido? Mas por que essa certeza de não a ter mais seria de fato algo ruim?

    Talvez precisasse assumir para si mesmo que nada mais de bom haveria de vir dela, ou melhor da relação com ela. Projetar uma reconciliação era fantasia. A distância talvez seja melhor do que a proximidade?

    Sonhar com a certeza, disse para si mesmo, não era de todo ruim. Melhor que viver na dúvida.

    A certeza ruim dói uma vez, ou duas. A dúvida imobiliza eternamente.

    Afinal, disse para si quando voltou para casa, o sonho não teria trazido o desejo de algo ruim mas sim da mudança necessária. Adiada por razões várias, da falta de coragem à esperança fútil. Mudança necessária? E, quem sabe, mesmo bem vinda?

    Sim, definitivamente.

    Nada mais de buscar a mensagem dela que nunca virá, a atenção que ele não recebe mais dela. Livre, afinal. Liberto por vontade própria. Livre para dar outro rumo à sua vida.

    Naquela noite deitou-se ansioso, reconciliado. Que venham os sonhos, afinal.

  • Para ler João Pessoa…

    Existe quem diga que os cronistas não servem para nada. Há também os que atribuem diversas funções a eles, inclusive, apontando contribuições oriundas do exercício desse ofício. Uma delas diz respeito à questão urbana.

    Apreendendo a vida da cidade e a descortinando para os seus contemporâneos e para as futuras gerações, aqueles literatos conseguiriam apresentar um quadro urbano tão preciso quanto a própria realidade, subsidiando a compreensão desta.

    Assim, para conhecer o Rio de Janeiro na Primeira República, não seria necessário se dirigir à Baía da Guanabara, bastaria ler João do Rio. Do mesmo modo, afirmo: para conhecer a capital paraibana, você não precisa ir até ela, leia Gonzaga Rodrigues.

    Nascido em Alagoa Nova, adotou João Pessoa, que também o adotou. Não são poucos os seus escritos que falam da cidade e nos fornecem um retrato vívido dela, retrato que é também leitura desse mundo. Gonzaga é um mestre nisso. Como se carregasse um sítio consigo, o ambiente rural também se faz presente no que ele escreve. Todavia, é o primeiro caso que mais me impressiona.

    Da vida cotidiana na urbe, emergem várias de suas crônicas. Como um autêntico flâneur, por onde passa, recolhe muito mais do que causos a serem relatados, capta a alma encantadora das ruas. Em uma caminhada descompromissada pelo Ponto de Cem Réis, é capaz de apanhar a dinâmica urbana e, por meio do artifício da palavra, colocá-la pulsando em forma de texto.

    O cronicário do alagoa-novense é repleto de relatos sobre os mais diversos cantos desse burgo, histórias dele que são também as do lugar que se tornou seu. Por meio de retratos de memória, é possível reconstituir um panorama da cidade.

    Através das crônicas de Gonzaga Rodrigues, percorremos as ruas da cidade, conhecemos personagens que a habitam e temos notícia de suas histórias. Tendo vivido quase a minha vida inteira em João Pessoa, foi pelas páginas do nosso cronista-mor que pude ler melhor meu torrão natal. Já quem nunca esteve por aqui, não é necessário recorrer a manuais de turismo e nem a passagens de avião, o caminho já está assinalado.

    Para conhecer João Pessoa, leia Gonzaga Rodrigues.

  • Pérolas Clássicas!

    Mantenho minhas armas em punho durante o dia que corre mais que o vento, não desmanchei minhas trincheiras expostas na sala de estar e no quarto. 

    Bem verdade há muitos anos me preparo para atacar quando necessário, e me defender, quando balas de mau-humor e desinformação cruzam meus ouvidos atentos. 

    Vez por outra meus olhos enxergam o mau se apoderando de um local público, ou testemunho um evento radical voltado ao populismo desmedido.

    Porém, o que mais me importa são as balas e armas que mantenho estocadas agora com mais espaço e segurança.

    São meus livros. 

    Eles me embriagam de conhecimento e tonteiam meus rumos, devido à quantidade de possibilidades em suas páginas. 

    Essas verdadeiras armas contra todos os males, tornam o papel um farol noturno aos olhos cegos e inexatos, que por vezes teimam na busca de ideias fascistas ou sectaristas ao extremo. 

    Em minha cabeceira está o livro “Como a Loucura Mudou o mundo”, escrito pelo professor de psicologia Christopher J. Ferguson, que analisou o comportamento de líderes que já se foram para uma pior, já que por aqui deixaram dor e sofrimento.

    O personagem do capítulo da vez é Calígula, que manteve relações sexuais com as irmãs, e forçou alguns desafetos ao suicídio. Aquela mente perturbada governou Roma e promoveu o medo e a morte como uma das propostas de gestão. Impressionantes heranças consanguíneas mantiveram indivíduos desse calibre no poder. E a Loucura se mantém exposta aos desatentos e desafetos as soluções propostas. 

    Outro livro que me ronda é “Parque Industrial”, um romance proletário de Patrícia Galvão, a Pagu. Um importante documento social e literário, com uma perspectiva feminina e única do mundo modernista de São Paulo. Ele trata da vida dos operários no bairro paulistano do Brás, e relata a hipocrisia que se vale da desigualdade social para subjugar a mulher proletária. Um panorama dolorido e presente nos nossos dias, que ainda insistem ser ensolarados.

     Outro livro muito curioso que me surgiu presenteado é o “Guia de Leitura, 100 autores que você precisa Ler”, de Léa Masina, uma enciclopédia de escritores. Com minibiografias de 3 a 4 páginas dos escritores em destaque, com suas histórias, estilos, melhores livros, elaborado em companhia de críticos, jornalistas, professores e intelectuais da literatura, que contribuíram com seus conhecimentos para dar vida a um aperitivo sobre autores como Albert Camus, Umberto Eco, Thomas Mann, e um de meus preferidos Fiodor Dostoiévski que de Engenheiro a Militar, repousou na literatura, pérolas clássicas que cruzam os tempos.

  • CINZAS

    As cinzas dele

    “Espero que me perdoe, querida, pelo trabalho que lhe dou como meu último desejo.” Assim terminava a carta que ela leu com alguma indiferença. Era um pedido do marido (nem quando morto ele deixava de incomodar), que a essa altura estava convertido num montinho de cinzas. Saiu do crematório com a urna embaixo do braço. Pensou durante uns minutos. “Não vou dirigir duzentos quilômetros até o litoral nem morta.” Foi para casa. Parada no meio da cozinha, olhou em volta. Descartou de imediato, por uma questão de higiene, as panelas, a batedeira elétrica e o liquidificador. Pelo mesmo motivo não considerou a banheira nem o bidê. Decidida, foi até a área de serviço e jogou as cinzas na lavadora de roupas. Adicionou uma colher de sal. Escolheu um programa de lavagem rápida e ligou a máquina. Olhou o giro do tambor por alguns minutos, apreciando como as cinzas se misturavam à água salgada. Não era mar, mas parecia. Deu como cumprido o último desejo do marido. Que Deus ou Seja-Lá-O-Que-For o tenha. E pronto.

    As cinzas dela

    Tu tranquila aí, meu bem, que teu marido aqui ainda tem sangue, nervos e coração. Tô com um dilema, matutando aqui, mas vou resolver isso logo. Tu fica aí, quietinha e sem medo, que as coisas se ajeitam. Hum… O vaso grego, tá lembrada? Vai ser dentro dele, acabei de decidir. Sou muito rápido pra cuidar desses assuntos, tu me conhece. Tu quis comprar esse troço cafona porque combinaria com as almofadas do sofá, foi assim que tu disse, mas no mês seguinte tu trocou a estampa das almofadas, tem cabimento? Agora o vaso não combina com porcaria nenhuma nem tem serventia. Bem que pensei em usar a peça como bebedouro do Pipoca, ou então encher de terra e plantar margaridas, mas desisti. Fique sossegada, nada de terra aqui, que não sou um homem desalmado, ora bolas. Não me esqueci da paúra que tu tinha com a ideia de um monte de terra em cima de ti, por isso mandei te cremar. Agora tu é esse montinho de cinzas e não precisa temer mais nada. Tua última vontade foi cumprida: não vai ter terra em cima do teu corpo mirrado. No máximo, coloco na boca do vaso aquela toalhinha de crochê que tua mãe deu, que é pra não entrar bicho. Assunto enterrado, ops, encerrado.

  • O comando que nunca dei

    Quando abri a porta, meu cão já sabia.

    Ele me olhou sem esperar que eu falasse. Fez aquele gesto de quem antecipa o resultado antes mesmo de acontecer: abanou o coto de rabo, espreguiçou-se com uma elegância despretensiosa — a graça dos que não precisam provar nada — e me seguiu em silêncio. Não o chamei, nem era necessário. Também não fiz aquele som ordinário de estalar a língua ou bater na coxa, como fazem os entendidos. Apenas me levantei e meneei a cabeça com leveza. Para Rex, esse era um discurso inteiro.

    Já morei com gente que não me entendia, mesmo com todas as palavras à disposição. Rex, não. Rex compreende o que não é dito. Talvez porque, no silêncio, eu seja mais objetivo.

    Quem convive com cães por tempo suficiente acaba aprendendo — ou se rendendo — a uma linguagem anterior à linguagem. Aquela que, como diria Wittgenstein, “só pode ser mostrada, não dita”. No mundo dos cães, um gesto é uma frase com sujeito, verbo e confirmação. Um olhar basta. Expressões corporais são analisadas constantemente pelos cães. Um deslocamento de peso, uma hesitação no ar, e tudo está dito. A verdadeira eloquência mora nos detalhes.

    E não se trata apenas de romantismo. A ciência já se curvou a isso. Pesquisadores da Universidade de Budapeste demonstraram que os cães leem nossos rostos, a direção de nosso olhar, os gestos mínimos, assim como quem lê um roteiro. Segundo Ádám Miklósi, referência mundial na cognição canina, os cães desenvolveram uma habilidade rara: entender os humanos como espécie emocional, previsível e cheia de sinais. Um talento evolutivo que nem os chimpanzés conseguiram refinar.

    Mas essa dança silenciosa entre espécies não é automática. Levei tempo — e vários erros — para perceber que, quase sempre, o problema não era o cão. Era a minha pressa. A ansiedade que atravessa o corpo e contamina o gesto. Muitos acreditam que educar um animal é gritar mais alto do que ele. Que é preciso impô-lo à força, como quem vence uma queda de braço. Mas a verdade é que o grito desinforma. A grosseria confunde. A incoerência desorienta. A ameaça vira chacota. E assim, educadores frustrados colhem cães inseguros.

    Há uma elegância em educar um cão sem adestrar a alma. Educar, afinal, é mais sobre o que você é do que sobre o que você diz. Um cão não está interessado se você diz “senta” (ou “stay”), com sotaque de tutorial americano. Ele percebe — e responde — à coerência entre verdade e atitude. Ele lê a dúvida nos seus ombros. Fareja o medo no seu suor. Se você acredita nele, ele acredita em você. Mas se você finge firmeza, ele hesita. E com razão.

    Educar um cão é, antes de tudo, educar-se. Um exercício involuntário de autoconhecimento. Por isso falhamos tanto. Porque é mais fácil culpar o cachorro do que confrontar a própria falta de presença, o nervosismo crônico, o ego em desalinho. O cão não erra, ele quase sempre reflete nossos erros.

    Quando Rex está ao meu lado, ele sabe quando estou inteiro. E sabe também quando sou apenas uma casca funcionando no modo automático. Ele me lê antes mesmo que eu consiga me ler. Talvez por isso tenha se tornado meu melhor espelho. Não daqueles que mostram o rosto, mas os que revelam os gestos e meus desejos mais silenciosos de companhia.

    Naquela manhã, ao abrir a porta e ver meu cão me seguir, não fomos apenas eu e ele saindo à rua. Éramos dois cúmplices de uma linguagem invisível. Ele ia à frente, com a minha permissão, como quem desbrava uma estrada. Eu logo atrás, com o coração sossegado. E, no compasso das nossas pegadas, talvez — só talvez — o mundo estivesse, enfim, no lugar certo.

  • Uma espécie de saudade

    Eu cantarolava uma música antiga ao entrar em casa no fim de tarde. O vento gélido do outono trazia ainda uma satisfação em fechar a porta e sentir o abraço do ar quente do fogão a lenha. A minha avó seguiria o verso assim que eu lhe desse um beijo na testa. Era o nosso mantra. Ela sempre esperava na mesma poltrona, segurando duas enormes agulhas de tricô, com os óculos na ponta do nariz. Só de tempos em tempos eu descobria o que estava produzindo. Não havia uma palavra de boas-vindas, nem uma pergunta sobre o dia. A música exprimia mais do que qualquer frase solta, e no seu embalo, o aroma do café recém-feito dançava na cozinha.

    Há vírgulas tão corriqueiras no nosso dia que só lhes damos o valor devido quando as perdemos. É a sina da memória. Jamais imaginei que hoje, quinze anos depois, ainda varasse as horas de quando em vez relembrando, com olhos marejados, fatos antes tão bobos, tão simples, tão comuns. E a angústia vem, e fica. E a saudade vem, e fica. E também aparecem os questionamentos sobre a origem e o fim da vida, sobre as certezas e as incertezas, sobre as bênçãos e as maledicências, sobre o céu e o inferno. Não importam, no fim das contas, todas essas questões, porque a lembrança que de alguma forma me guia é a avó seguindo os versos daquela velha canção.

    Ela tinha uma aura tranquila que, penso, existe apenas nas avós. Ninguém com menos de sessenta anos atinge tal ponto. Tenho certeza que diante das minhas angústias ela declamaria meio debochada um verso do Renato Teixeira: “Os caminhos todos temos mesmo um dia que passar”, seguiria inclusive o ritmo da música, empostando a voz em “um díiia” e segurando a última sílaba, em “aaar”, até rirmos juntos e encerrarmos o assunto. O mais curioso é que era uma música do Renato Teixeira que compartilhávamos naqueles fins de tarde.

    Sempre que ouço o Renato me sinto na contramão da vida. Embora saiba que “o sentido dessa vida é ir em frente, caminhar”, como sugere a mesma canção, ainda continuo com a impressão de que ando para o lado errado. Deve ser comum entre os seus fãs. É estranho, imagino, para quem não se deixa levar pela sua poesia, para quem não se deixa tocar pela sua música, para quem não se deixa influenciar pela sua simplicidade. O Renato tem alguma coisa de diferente, de sereno, como uma brincadeira inocente entre avó e neto.

    Não sei como seriam as nossas lembranças sem as músicas que ouvimos, sem os versos que declamamos, sem os momentos que compartilhamos. Nem todos sabem aproveitar os avós enquanto ainda os têm. Nem todos se preocupam em criar boas memórias, em contar boas histórias. Hoje penso que, se olhássemos a vida de trás pra frente, seríamos diferentes. E talvez nos importássemos com as pequenas coisas, com os versos simples, com os sorrisos sinceros. E quem sabe entendêssemos que a música é uma espécie de saudade.

  • Pink Flamingo, o devasso e o certinho

    Peguei o táxi na Visconde de Pirajá como quem vai saltar de paraquedas — eu, sedento pela farra, e o poeta carioca ao meu lado, trajando cachecol marrom e sorriso aberto, pronto para qualquer desvio de conduta. No rádio, Caetano entoava seu inconformismo poético:

    “Vaca das divinas tetas
    derrama o leite bom na minha cara
    o leite mau na cara dos caretas”

    E eu, espremido entre banco e sede de noite, absorvia cada verso como promessa de libertinagem, enquanto o carioca soltava um riso baixo, fingindo anotar tudo num diário imaginário.

    O mineiro acomodado ficou no hostel, reclamando que só queria pizza, redes sociais e cama cedo. “Vai lá e depois me conta”, disse ele pelo whatsApp, sem imaginar que a noite carioca nos devoraria vivos.

    Quando o táxi estancou em frente à Pink Flamingo, cumprimentamos a hostess com um aceno torto — convite formal para o desenrolar da loucura. Em seguida, descemos a calçada e fomos comer uma pizza ali perto, vapor subindo em redemoinhos dourados:

    — Tira foto da minha bunda pra mim?

    — O quê?

    — Uma foto da minha bunda. O jeans tá muito justo.

    O casal chileno da mesa ao lado, estupefato, se entreolhou em silêncio, incapaz de decifrar a pepita de humor brazuca — um homem fotografando a bunda do outro numa pizzaria, só em Copa mesmo.

    O carioca, metódico que nem relógio suíço, tirou do bolso uma folha de papel e começou a riscar cada centavo: táxi, ingresso, pizza, deslocamento do Méier a Ipanema. Tudo anotadinho para a planilha do Excel no fim do mês — certinho com o botão de camisa engomado; eu, já com o cartão pronto pra estourar e a alma pronta pra esgotar quaisquer limites.

    Recarregados pela fome saciada, fomos a pé de volta à Pink Flamingo. A chuva miúda fazia do asfalto um espelho trêmulo, realçando o letreiro cor‑de‑rosa no fim da rua. E foi ali, sob aquele brilho artificial, que vimos a drag Cútis Negra descendo de um Uber, batom borrado e aura de quem invade um palácio. Outras drags se amontoavam, homens de mãos dadas cochichavam segredos e mulheres de saias curtíssimas sacudiam o quadril como lei. Ali, percebi que o escárnio e o êxtase formavam uma única batida — e era nela que eu buscava redenção.

  • Poema #25: Becos e galerias que se bifurcam em T & L

    A paixão
    é a antessala
    de uma paranoia
    na qual entramos
    com um sorriso largo
    de quem não sabe
    que penetrou num túmulo.

    A Sentinela em Fuga e Outras Ausências

  • As joaninhas é que nos humanizam

    De tempos em tempos, uma joaninha aparece perto de mim. Não importa aonde eu esteja: dentro de um carro, sempre ao meu lado, em uma viagem qualquer; imersa em um centro de cidade, onde esse tipo de vida parece improvável; dentro de casa – apartamento citadino que insisto, feliz, em preencher com plantas, em todos os cômodos, incluindo banheiros, cozinha e área de serviço. Para humanizar o lar, arrefecer a urgência do mundo.

    Humanizar. Palavra, tão comum e gasta, usada à exaustão no meio arquitetônico, por vezes inviesada demais para justificar discursos em redes sociais como um linguajar básico de ser um humano contemporâneo. A ideia do humanizar ignora e vai contra o que a que a própria humanidade faz: afasta-se, cada vez mais, de tudo o que é natural.

    Ser humano é sinônimo de alterar. Refazer. Testar. Desbravar.

    Somos inconstantes – não sei quem foi que disse que precisamos de rotina.

    Somos nômades antes, até, de sermos humanos. Construímos abrigos desde de as primeiras andanças de nossos vancestrais. Destruímos o status quo. Dobramos a natureza com as mãos sujas de barro, corações cheios de intenções. Quando inventamos um modo de reproduzir o fogo, com pedras, nos sentimos poderosos demais, vencendo a escuridão das noites. Invencíveis. Mudando a rotina dos sonos, espantando animais dos quais éramos presas.

    O fogo foi a primeira das invenções. A primeira tecnologia. Muitas coisas em um único gesto:

    Não apenas iluminava, esquentava; seduzia; convidava, espantava animais. Seu crepitar criava instantaneamente presença – do nada eis a luz, o som e o movimento. Uma dança em si. Arte. Inventamos um lugar, no invisível de ser nada, antes. Do nada, o simbolismo nasceu.

    Dos agrupamentos quase fixos que a natureza tratou de dar semelhanças físicas em prol da sobrevivência, o lugar portátil. Carregamos pedras em preciosas bolsas de couro junto ao corpo. Ganhamos o mundo. Esterelizamos tudo o que era natural. Cozinhamos nossos medos, mantimentos… e o bicho.

    O fogo era poder e destruição. Encantamento e medo. Possibilidades, criatividade, a continuidade dos dias. A primeira tecnologia: domamos a fome. Afastamos a morte.

    Fogo se tornou potência.

    E caos.

    Depois, o fogo passou a ser combustível para os deslocamentos. Inventamos a roda uns 1.300 anos depois do fogo, e, aliados, a propulsão fez incríveis modificações por todo o planeta.

    O fogo forjou ferramentas. Desenvolveu navios, armas, munições. O fogo nos fez atravessar o universo, na década de 50 do século passado.

    O fogo é faísca. Chama fátua. Luminescência.

    Embora tenhamos avançado substancialmente em nossa humanidade, o fogo continua existindo em sua forma primordial: ainda é possível evocarmo-lo com a fricção de duas pedras. Mas em casos de extrema necessidade ou vontade. Ele evoluiu, foi moldado, domesticado. Hoje pode surgir manso a partir de um botão. Habita as bocas adormecidas dos fogões elétricos, vive embutido em celulares, sobrevive através de tomadas. Pode ser carregado apenas pela luz solar – que, pasmem, é o princípio de todo fogo.

    O fogo é nosso maior reflexo, expressão da vida humana.
    Domado.
    Mascarado.
    Nunca extinto.

    É sopro vital e a sentença de extinção de toda a vida. Se se rebelar contra nós, a partir de nós, nos engole.

    Então, à revelia do fogo, seguimos arrancando plantas de seus habitats naturais e as limitando-as em pequenos compartimentos repletos de terras adubadas, húmus disso e daquilo. Terras corrigidas. Para humanizar o que, de fato, humanizamos.

    Humanizar como ato?
    Humanizar como uma necessidade de retorno às origens para, enfim, existirmos como humanos de verdade?

    Fala-se muito sobre estarmos maquinificando o mundo. Mas tal expressão não seria melhor exemplificada se a reescrevessemos como humanizando o mundo? No sentido mais visceral, é o que estamos fazendo: interferindo, movendo, construindo, transfigurando, corrigindo, destruindo, tentando de novo.
    Enganando.

    Nos iludimos plantando vida por onde queremos que ela floresça. Assustamos e domesticamos animais. Trocamos os dias pelas noites iluminadas, confortavelmente acesas com dispositivos que controlam a intensidade e até a temperatura das luzes. Assumimos confortável e egoistamente o papel de deuses sobre todos os outros seres.

    Todas as vezes que uma joaninha me encontra, me sinto especialíssima. E, por um breve instante, me esqueço de humanizar qualquer coisa.
    Apenas existo.
    Respiro.
    Respeito.

    Admiro.

  • Reborn

    Quem não brincou de boneca o suficiente em criança não deve perder a oportunidade agora, incluindo os meninos a quem não foi dado esse direito. Compre um bebê reborn e vá à luta. É a sua chance: dificilmente aparecerá ocasião tão propícia para resolver um problema de infância que demandaria anos de terapia, uma solução bem mais cara que o boneco.

    Para uma experiência mais completa, esses bebês poderiam ser ainda mais realistas: chorar no meio da madrugada, exigir troca de fraldas em horários aleatórios e impedir os ‘pais’ de sair porque estão com febre. Como aquelas mascotes Tamagotchi que precisam de atenção e ‘morrem’ se você deixa de alimentá-las ou cuidar delas. Se o bebê ‘morrer’, nada de pânico: basta encomendar outro.

    Outra sugestão para quem quiser aprofundar a experiência: trocar de bebê a cada aniversário, acompanhando o crescimento da ‘criança’ até que ela se torne adulta. Obviamente, adolescentes reborn seriam programados para dar muiiiito trabalho antes de se transformarem em jovens bem sucedidos. É improvável que alguém insista além desse ponto, mas nunca se sabe: velhos reborn podem virar febre no futuro, a fofura dos bebês substituída pelos achaques da idade. Tem gosto para tudo e o lobby das farmácias não dorme no ponto.

    Em vez de criticar os bebês reborn, pense nos aspectos positivos: lucram as fábricas, as produtoras de festas, criam-se empregos. Que mal há nisso, fora a loucura? Só espero que não seja contagiosa. Será?

  • A Praça das Agulhas Silenciosas

    1. O Observador
    Da sacada do sobrado em frente à praça, meu posto de observação favorito, assisto aos rituais diários que ali se repetem com precisão quase matemática. Entre fornadas de tortas para entrega — meu trabalho enfadonho —, distraio-me inventando histórias para os visitantes anônimos do lugar. Mas nada me preparou para o enredo que estava prestes a se desenrolar diante dos meus olhos. Victor é o primeiro a chegar. Meia-idade, roupas gastas, semblante sempre apreensivo. Um jornal debaixo do braço, que parece carregar com a mesma seriedade de quem segura um relatório confidencial. Senta-se sempre no mesmo banco, como se tivesse reservado pelo celular. Começa pela seção de classificados. Circula alguns anúncios com caneta vermelha, outros em amarelo. Quinze minutos depois, vai embora, deixando o jornal ali, aparentemente sem qualquer apego.

    2. A Professora de Bordado
    Às nove em ponto, ela chega. Meia-idade também, luto visível na roupa preta e no rosto sereno. Duas alianças no dedo anelar denunciam o passado de esposa e o presente de viúva. Para mim, é Natália. Carrega uma bolsa com material de artesanato, um guarda-chuva e um chapéu. Vai até a mesa de concreto com bancos ao redor e começa a preparar sua aula. Panos, linhas, rendinhas, caderno de anotações. Tudo meticulosamente organizado.

    As alunas vêm uma a uma. Jovens, graciosas, mas com um certo ar de urgência — talvez econômica. Cada uma permanece por cerca de quinze minutos, borda alguns pontos nas amostras e vai embora levando um pequeno embrulho feito com o jornal que Victor deixara.

    O detalhe não me escapou: sempre o mesmo jornal, sempre aquele deixado no banco. E as garotas? Nunca trazem os trabalhos prontos na semana seguinte.

    3. O Homem de Terno
    Assim que a última aluna parte, chega um senhor elegante, de terno escuro. Vai direto ao banco ao lado da mesa de Natália. Não se cumprimentam, não trocam palavras. Mas os olhares? Dizem tudo. Há familiaridade ali. Talvez romance, talvez conspiração. Dei-lhe o nome de Vladimir.

    Ele fuma devagar. Ao final, joga o maço vazio no chão — um gesto grosseiro, mas que Natália sempre corrige. Antes de partir, ela recolhe o maço, junto aos restos de linhas e panos, e o descarta na lixeira. Quase um ritual. Quase um código.

    4. A Teia Invisível
    Enquanto sovo massas de torta e sonho com meu futuro restaurante nas montanhas — o Samantha’s Bistrô, cozinha autoral especializada em caças e aves —, passo a enxergar o trio com outros olhos. E se Victor, Natália e Vladimir estivessem ligados?

    Foi quando a faísca acendeu. Victor circula anúncios para codificar mensagens. Deixa o jornal no banco. Natália recolhe, embrulha material com ele, e as alunas — agentes disfarçadas? — levam o conteúdo para fora da praça. Vladimir entrega o próximo comando no maço de cigarros, discretamente depositado e discretamente recolhido.

    5. A Confirmação
    Minha mente fervilha com a descoberta. Estaria eu presenciando a ação de uma rede de espionagem? Uma célula operando à luz do dia, debaixo do nariz de toda a cidade?

    No dia seguinte, corro à banca antes de Victor chegar. Compro o mesmo jornal que ele costuma usar. Comparo. Estudo. Tento decifrar. Então, horas depois, como uma bofetada do destino, a verdade vem no título do jornal do dia:

    JORNAL O GLOBO
    PRESA EM SÃO PAULO NATÁLIA BUTINA, A VIÚVA NEGRA
    Treinada pela Sala Vermelha, organização com laços com a antiga KGB, recrutava jovens para atuar como espiãs e assassinas.

    Fico paralisada. Natália. A mesma. A mulher que ensinava bordado na praça, que sorria às suas alunas. Que recolhia lixo como quem cuida do planeta.

    E Victor? E Vladimir?
    O jornal não diz. Mas eu sei. Eu vi. A praça nunca foi tão silenciosa. Nem tão
    perigosa.

    Fim.

  • Parece que foi ontem

    Hoje o universo escolheu tirar o dia para me cutucar. Já pela manhã, enquanto caminhava no play, quase pisei num boneco de plástico atirado pela varanda por alguma criança entediada de cimento.

    Não era um boneco qualquer, o danado era idêntico ao que eu tinha no consultório. Protagonista de tantas brincadeiras cheias de simbolismos e significados. O outrora soldado valente, agora, jazia ali como representante lúdico de tudo que acaba.

    As lembranças feitas de fragmentos de ontens afivelaram um cinto apertado na minha garganta.

    Quanta saudade de mim…

    Horas mais tarde, procurando a carteira de vacinação na gaveta de documentos, achei a foto de uma moça jovem, bonita e sorridente que teimava em dizer que era eu. Como pode? Só não insisti na contestação porque temos sobrancelhas muito parecidas. Que saudade de nós…

    O sol já se despia quando liguei o rádio do carro e senti a última cutucada do universo através da voz inesquecível de Belchior: “Falaremos para a vida: vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil. Meu coração é como um vidro ou um beijo de novela.”

    Ah, que saudade de mim. Daquela que fui em tempos idos e partiu em tempos vindos.

    Envelhecer carece de um adestramento das memórias. Caso contrário, elas não cessam de latir, morder, atacar o hoje com seus dentes afiados, suas unhas cortantes. 

    O desafio é grande, porque o passado é soberbo, se julga insuperável. Desdenha dos colegas de conjugação.

    Ai que saudade de mim…

  • Camaleão

    Todo mundo conhece ou já conviveu com um camaleão: aquele bicho que parece, mas não é! Pois, então: eles convivem em seu ambiente, se tornam seus “amigos”, sabem dos seus sonhos e expectativas, e se chamam colegas, colaboradores, equipes, parceiros, confidentes e afins.

    Tome cuidado! Nem sempre o que parece é, pode haver um camaleão oculto aí, bem perto de você.

    Pessoas que agem como se fossem o que não são: eficientes, profundo saber, indispensáveis. Muito próximos, prestativos, camaradas. Podem ser vistos como inocentes, ou distraídos, assim como os conhecidos disseminadores de informações extra-oficiais, os famosos “rádios-peões”.

    No entanto, são muito mais perigosos, pois frequentam os espaços dos chefes e líderes, onde passam a conhecer as pessoas, os processos, as minúcias do que acontece ao seu redor. Os seus alvos podem estar ali.

    Trazem consigo uma característica peculiar, inerente e indefensável: são falsos. São invejosos, pois acham que pertencer a determinados estratos sociais farão deles algo maior do que são.

    Nascem assim ou, sem perceber, vão criando camadas até se tornarem o que são?

    Sua maior habilidade? Ser puxa-saco, bajulador. Eu, você e todo mundo conhece alguém assim, já que ele pode estar nos mais variados lugares, em diversas camadas da sociedade. Podem estar no seu trabalho, na igreja, no grupo de pais ou na sala de aula. Agem “inocentemente” servis, declaradamente devotos, mas na realidade, são baba-ovos.

    Usam frases de efeito, discorrem sobre o que ouviram falar, na leitura da manchete e não no conteúdo. Estão sempre prontos a colaborar, trabalhar nos finais de semana, substituir, elogiar e inflar o ego dos superiores.

    Só encenação.

    Parecem diligentes, capazes, interessados, mas o objetivo é colher informações aqui e ali. Seu intuito é saber da vida e dos pontos fracos dos colegas. Não para ajudar, e sim para tirar proveito no momento oportuno.

    E, então, conquistam aquilo que sempre desejaram: o Pequeno Superpoder, com títulos variados: assessores, “braço-direito”, vice, e por aí vai. O conteúdo é raso como um pires, mas a pose é de eficiência.

    Tornam-se a segurança do chefe: cuidam da sua agenda, do cafezinho, elogiam e não cansam de surpreendê-lo positivamente. Adoram quando ele viaja e, mesmo sem serem substitutos oficiais, passam a dominar o ambiente. Com isso vão se mantendo e moldando a sua forma de ser de acordo com o que pretendem auferir.

    Podem até subir na vida, mas só alcançam o rodapé. No máximo, o primeiro degrau. E dali não passam. Exceto se forem da área política. Ali podem galgar muitos degraus. A única forma de lidar com esses indivíduos é com franqueza, sem temores! Ignorar ou tirar a máscara.

    Será que vale a pena?

  • Questão de ordem

    O poeta inglês Samuel Taylor Coleridge definiu prosa como “as palavras na sua melhor ordem”. Sem ordenar bem o que se diz não há como dar clareza ao discurso, conforme se percebe nestes dois exemplos retirados de redações escolares:

    1 – “Com o advento da Revolução Industrial, as mulheres começaram a participar do mercado de trabalho, assim como as crianças.”

    2 – “Contrariando os evolucionistas, Contardo Calligaris afirma que a mulher é tão infiel quanto o homem em seu texto ‘Por que somos infelizes em amor?’” 

    Os fragmentos em negrito estão inadequadamente deslocados. “Crianças” deve vir junto de “mulheres”, constituindo possivelmente outro núcleo de um sujeito composto; e a menção ao texto de Calligaris fica melhor após o verbo “afirmar”, pois constitui um adjunto que modifica esse verbo. Com isso, os períodos se tornam mais claros:  

    – “Com o advento da Revolução Industrial, as mulheres e as crianças começaram a participar do mercado de trabalho”.

    “Contrariando os evolucionistas, Contardo Calligaris afirma em seu texto ‘Por que somos infelizes em amor?’ que a mulher é tão infiel quanto o homem.”

    A má ordenação se revela na dificuldade inicial com que os períodos são lidos. É preciso no mínimo uma segunda leitura para que se compreenda o que os alunos queriam dizer. Essa não é a característica de um texto bem escrito; se o leitor precisa reler, alguma coisa falhou.

    Existem as quebras estilísticas, que destacam determinados segmentos da frase, e existem as que decorrem de imperícia ou comodismo. A essas não escapam nem redatores experientes, como se vê nesta passagem:

    3 – “O objetivo da quadrilha, de acordo com a Polícia Federal, era a obtenção de lucros através da execução de obras públicas, organizada e estruturada para a prática de variados delitos, como fraudes em licitações, corrupção passiva e ativa, tráfico de influência e lavagem de dinheiro.” (Folhapress)

    É preciso esforço para perceber que a parte em negrito se refere a “quadrilha”. A distância entre essa palavra e os particípios (“organizada” e “estruturada”) chega a comprometer a unidade do parágrafo e desorienta o leitor, que procura reorganizar o que parece truncado.

    Os três exemplos desta postagem mostram que a melhor ordem é aquela em que se mantêm juntos os termos sintaticamente relacionados: núcleos de uma mesma função sintática (exemplo 1); adjuntos com os verbos ou substantivos aos quais se referem (exemplos 2 e 3).

    Fugir a esse princípio, só por razões estilísticas. É o que ocorre na hipálage, um deliberado deslocamento do atributo em relação ao substantivo que ele modifica. Por exemplo: “‘O professor recebeu o caderno aplicado do aluno” (em vez de “o caderno do aluno aplicado). O deslocamento faz com que o adjetivo amplie o seu raio de ação. Mas esse não é um recurso que se deva perseguir num gênero objetivo e transparente como a dissertação argumentativa.

  • O beijo salvador

    Vida de mãe de adolescente é dureza. Que foi, a namorada de algum deles tá tirando o seu sono ou o dele? Não, nada, nesse campo está tudo calmo. O que foi então? O meu mais velho fez 18 anos há três meses e rapidinho aprendeu a dirigir. Ai ai, agora começa a fase de fazer cara de cachorrinho e pedir “empresta um pouquinho seu carro”? Claro, rsrs, e foi isso mesmo, ele me pediu o carro para ir até a Barra. De dia? É, para ver umas coisas lá do time de volley. Ai, que ótimo quando eles se interessam por esporte né? Verdade, essa dedicação ao time, a disciplina… Fora que faz um bem danado à saúde. Verdade. Mas conta, ele pegou o carro. Sim estava ali no Humaitá quando foi parado por uma blitz. Que chatice, mas ele não tinha bebido, né? Nada, o Rafa é só no suquinho. Ai que bênção, amiga! Pois é, Oxum me guia e guarda meus filhos. E ai? Eu esqueci de pagar o bendito licenciamento. Ai, que mancada!  Acontece, você sabe, não tem nada demais. Verdade é só um papelzinho virtual e nada, nem sei para que serve. Nem eu mas o negócio é que ele foi parado por causa dessa porcariazinha. Xii, e ai? Ai que o policial não quis conversa e guincho nele. No seu filho? Não, no carro né. Ah tá, e levaram seu carro? Vai vendo, ele ligou para o pai. Ah sim, seu ex-marido. E sabe o que o bonitão respondeu? Nem imagino. Não podia sair do consultório para ajudar o próprio filho. Jura? Tô te falando. Ah tenha paciência, né? Minha mãe que tem razão quando diz que na hora de fazer todo mundo quer, mas cuidar que é bom não aparece uma alma. Verdade, mas e como ficou, rebocaram o teu carro? Vai vendo, ai menina, o Rafa na sequência me ligou contando tudo. E você, espumou de raiva? Não né, porque a culpa era minha. Verdade e o que você fez? Eu estava em Laranjeiras, naquela reunião de captação de recursos para a produção daquele filme que te falei que é baseado no livro “Extermínio”. Que livro é esse? Daquele meu amigo que te falei semana passada, lembra?. Ah sim o cara que é…Ele mesmo rsrrss. Bom, mas e aí? Ai, minha amiga, encarnei a Mulher Maravilha sai voando da reunião e praticamente me atirei em cima do primeiro táxi que apareceu. Você deu sorte porque quando a gente não precisa tem mais taxi do que gente na rua. Exato, e sabe tinha um sujeito descendo do taxi, eu peguei ele pelo braço, tirei o homem praticamente de dentro do carro e me joguei no banco de trás. Você é louca mesmo! O cara ficou na calçada com cara de besta e o motorista sentindo a situação só me perguntou: para onde, madame? Ainda tem motorista que chama a gente de madame? Tem e eu só respondi “Toca para o Humaitá como se fosse tirar o seu pai da forca!” Boa! O cara operou milagre para me levar lá. Esse trânsito da zona sul é o caos. Bom ai, pulei do taxi e já vi o Rafa em pé com a cara mais assustada do mundo. Tadinho. Eu cheguei junto do policial que estava guinchando o carro e pedi para ele reconsiderar, afinal era só o licenciamento. E ele? Acho que o time dele deve ter apanhado de algum clubinho pequeno na Copa do Brasil porque ele estava intratável. Nossa, homem fica intratável quando o time apanha. Eu ali naquela aflição toda de repente sinto uma mão no meu ombro. Quem era? Menina, lembra daquela festa a fantasia que a gente foi em Niterói no penúltimo ano do Pedro II? Sim, claro, nós fomos na barca já fantasiadas. Exato. O que é que tem? Lembra de um garoto alto fantasiado de morte, que ganhou o apelido de O Morte? Sim. Era ele. O Morte estava na blitz? O Morte comandava a blitz. Minha nossa! Pois é, fiquei espantada. E ai o que aconteceu? Ele sorriu, perguntou se eu lembrava dele, eu disse que sim, comentamos um pouco daquela festa e ai você não vai acreditar. Conta que eu acredito rsrs. Ele mandou tirar meu carro do guincho e me liberou. Jura? Juro. Assim do nada? Bem, não sei se te contei mas naquela festa eu estava brigada com o Marcus e decidi me vingar. Não creio! Exatamente, e fiquei com ele.  Ah é? É, trocamos uns beijos e tal, na parte de trás do jardim, lembra que era uma casa enorme. Ô se lembro, menina, nossa dá até calor em recordar aquela festa. Enfim, foi só isso. Como só? É, uns beijos naquela noite e nada mais. Mas deve ter sido inesquecível para ele. Ai, menos né, você acha? Claro, afinal ele te viu e, se nem pensou duas vezes, mandou tirar seu carro do guincho, é porque sua boca é poderosa, nheim amiga? Ai, abafa, por favor!

  • Meu Radinho do Vasco

    A primeira vez foi em 2009, primeira do Vasco na segundona e primeira em que o radinho me prestou seus serviços. No ano anterior, o Almirante havia sido rebaixado em pleno São Januário, correram lágrimas na colina e aqui em casa. O momento de dor desacostumada passou, o torcedor não pulou e eu não cumpri as promessas feitas no desespero daquele momento.

    Se o instante da queda suscitou dor e revolta, jamais poderia conduzir a que se deixasse de lado o clube. Além de torcer por ele ou até o amar, ser vascaíno é ter o Vasco como uma condição ontológica inescapável. Nada melhor para representar isso do que a frase do letrista e cronista vascaíno Aldir Blanc: “Se for para a Segunda Divisão, sou Vasco. Se for para a Terceira, sou Vasco. Se o Vasco acabar, ainda sou Vasco.”

    Jogando a Série B, precisaria continuar acompanhando os jogos com frequência, foi aí que entrou esse utensílio, que tantas vezes já foi condenado ao ostracismo e que tanto resiste em ser atual. Comprei um radinho de pilha com as cores e o escudo do Vasco.

    Nesse ano, abandonei a Série A e passei a acompanhar exclusivamente a segunda divisão. Ora, se o time de São Januário não joga a primeira, não tenho motivo para a assistir. Em mesas de bares e entre amigos, sempre disse: “gosto mais do Vasco do que de futebol”. Minha relação com o esporte sempre foi uma parte da minha relação com o clube.

    Para mim, o futebol em 2009 significou acompanhar o Gigante da Colina na segunda divisão, sempre por meio do meu radinho. Mas, no mesmo ano, conquistamos o título e o acesso. Muito grato pelo seu contributo, mas com a intenção de nunca mais precisar dele, guardei o aparelho. Como todos os torcedores, tinha a crença e a esperança de que aquela presença na Série B havia sido uma estada única, uma escorregadela na história do time cruz-maltino, algo que jamais viria a se repetir.

    O rebaixamento em 2008 seria apenas uma nódoa na nossa trajetória, um ano a ser superado e esquecido. Algo do tipo jamais voltaria a acontecer. Era o que pensávamos e ansiávamos. Mas veio 2013, 2015, 2021 e,… agora, 2025.

    Já calejados com a segunda divisão e com desapontamentos futebolísticos, caminhamos para a quarta vez jogando a Série B. Quarta vez do meu radinho de pilhas do Vasco. Chegou a hora de, novamente, reabilitá-lo. Lá vou eu atrás do meu velho companheiro, carregando o amor pelo Vasco no meu peito e tendo a Cruz de Malta como o meu pendão.

  • O Sótão

    Se desejava chorar, a avó subia até o sótão. Ali cobria o rosto com as mãos para, inutilmente, conter as lágrimas, imaginando que ninguém a escutava. As crianças todas íamos devagar e colávamos o ouvido na porta. Ouvíamos quando ela suspirava, quando assoava o nariz no lencinho, quando ficava em silêncio, esperando que a calma secasse seus olhos. Se algum de nós ficasse com dó e fizesse menção de entrar para fazer um carinho em sua cabeça, a mãe nos impedia com um gesto de “deixe que isso logo passa”.

    Quando queria rir, a avó também subia para o sótão e gargalhava de quase se acabar. Também nessas ocasiões íamos pé ante pé e ficávamos escutando o riso atrás da porta. Mãe dizia que, se o caso era de riso, podíamos entrar no cômodo e rir junto com a avó, mas preferíamos ouvir as gargalhadas ali mesmo, diante da porta fechada.

    Um dia, a avó resolveu que nunca mais iria chorar ou rir, nem que tivesse vontade. Desde então, nós, em dias alternados da semana, subíamos até o sótão para rir ou para chorar. Ignoramos se a avó nos escutava atrás da porta.

  • Nau dos Quintos!

    Com o passar do tempo construímos nossos lares e relações humanas temperadas com expressões correntes populares, baseadas em acontecimentos curiosos, que carregam muita história e verdades. 

    O folclore popular mostrou caminhos que levaram á literatura e modificou o comportamento do povo, desenhando estradas baseadas em vidas passadas, por vezes doloridas e muito marcantes, ao ponto de expressões curiosas se tornarem de uso bastante frequente. 

    Estar de bucho Cheio ou Encher o bucho, significa estar bem alimentado, de barriga cheia. 

    Essa expressão era utilizada mais comumente nas Minas de ouro, tanto pelos escravos quanto por seus exploradores. Na época de sua criação os escravos deveriam preencher com ouro um buraco na parede, conhecido como bucho, para só então receber sua tigela de comida. 

    Entravam tantas “peças” (negros) na mina, e ao final do dia eram contadas quantas não saíram, e lá permaneceram com o bucho vazio, para todo sempre. 

    Era tanto ouro no Brasil que a Coroa Portuguesa viu a possibilidade de quitar suas dívidas com a Inglaterra, e resolveu cobrar imposto de 20% (a quinta parte) do peso do ouro extraído das cidades mineradoras. 

    O Quinto tomou lugar para amaldiçoar uma pessoa, mandando-a para longe, ou para um lugar remoto, utilizando a expressão “Quinto dos Infernos”, que começou a ser usada em Portugal para se referir ao Brasil.

    Também usada para designar um lugar muito longe (“lá no quinto dos infernos”). Porém, sua origem e real significado, são totalmente diferentes.

    O navio que partia de Portugal para recolher esse imposto era chamado de nau dos quintos. 

    Como ele também transportava exilados para a nova colônia, mandar alguém à “nau dos quintos dos infernos” (ou apenas aos “quintos dos infernos”) significava bani-lo a um lugar degradante, o Brasil.

    A cobrança foi uma das principais causas da Inconfidência Mineira, um ato revoltoso sem sucesso, que acabou sendo reprimido pela Coroa em 1789.

    E para evitar as constantes sonegações, que geraram outra expressão famosa, o Santo do Pau-Oco, estátuas religiosas foram utilizadas pelos mineradores para contrabandear o ouro.

    Por isso, em 1750, a Coroa Portuguesa decidiu recolher o quinto diretamente das casas de fundição. A riqueza obtida pelo recolhimento do imposto era levada para Portugal encher os bolsos da corte. 

    O povo explorado sempre buscou caminhos criativos e soluções inovadoras para sobreviver, mesmo utilizando uma graça popular transformou dor em luta, na busca de resultados positivos, encontrados pelos vencedores, durante suas árduas batalhas.

  • A Calcinha de Ipanema

    Ela estava sentada com as amigas em uma mesa de um bar ali na Joana Angélica, esquina com a Vieira Souto, perto do Posto 9, e entrou no banheiro. Quando saiu de lá, tinha cara de quem tinha achado um poço de petróleo no calçadão. Foi logo anunciando a boa nova:

    — Olha aqui, gente… tá novinha!

    Exibia, triunfante, uma peça íntima branca e preta, imitando o desenho ondulado do calçadão de Ipanema.

    — Amiga, você tá louca? Onde achou isso?
    — No banheiro.
    — Credo, amiga… roupa íntima dos outros?

    Elas falavam alto, gesticulavam, e a peça passava de mão em mão. Garçons, clientes gringos na mesa ao lado, casais e outros grupos de amigos… todos envolvidos no mistério do objeto perdido. Ou teria sido abandonado?

    — Gente, quem será a doida que deixou isso no banheiro?
    — Uma gringa que experimentou o baile funk.
    — Deve ser uma turista, dessas que acham que estão em novela.
    — Amiga, mas pensa só: a mulher entra no banheiro e deixa isso lá. Pode isso?
    — Mas você esqueceu que toda mulher tem uma peça reserva na bolsa?
    — Ah, tá. Às vezes ela até guarda alguma impressão digital, né?

    O garçom trouxe mais uma taça de vinho e colocou uma bandeja com frutos do mar. Mas o mistério da peça perdida permanecia indissolúvel.

    — Amiga, devolve isso pro garçom?
    — Deve ser de alguém aqui.
    — Quer que eu vá de mesa em mesa? Ô, gente.
    — Para, amiga. Que vergonha.
    — Então, quem achou a peça fica com ela.

    Nenhuma delas se opôs.

    Ali, elas ficariam tomando vinho, sentindo a brisa do mar, jogando conversa fora. Sabiam que, no Rio, até uma peça perdida encontra seu dono — além de ser fonte de boas histórias.

  • Poema #24: RETORNO AO FINAL

    “meu Deus, porque me abandonaste?
    se sabias que eu não era Deus,
    se sabias que eu era fraco”

    Drummond

    protagonista
    de minha vida pregressa
    hoje sou coadjuvante
    de ruinas.

    nas águas do rio
    fiz algumas tentativas
    mas acabei afogando
    na correnteza.

    mudei de fase:
    virei pescador
    de sonhos frustrados
    à beira dos barrancos.

    galopei como quem
    sonha por estradas
    poeirentas de Minas
    Gerais, sozinho.

    empinei pipas e
    papagaios em céus
    nevoentos de minha
    infância distante.

    virei (ou tentei virar)
    compositor de vanguarda
    e fiz parcerias utópicas
    com célebres defuntos.

    amante de belezas glacias
    as mulheres passaram
    por minha vida como
    barcos à vela naufragados.

    fui poeta das condolências
    em velórios de interior
    quando o defunto era
    o que menos importava.

    candidatei a representante
    do povo, mas não tinha
    propostas viáveis no bolso
    da algibeira rota e furada.

    Da Essencialidade da Água

  • A tal da amnésia glútea

    Outro dia me peguei pensando em como tem coisa que a gente simplesmente deixa de usar. Palavra antiga, receita de família, roupa guardada no fundo do armário. Mas o mais curioso é que isso também acontece com partes do corpo. Não acredita? Pois saiba que existe gente sofrendo de algo chamado amnésia glútea.

    É, parece nome de doença rara, mas é mais comum do que se imagina. E não tem nada a ver com esquecer datas, nomes ou senhas de e-mail. A amnésia, nesse caso, é das nádegas mesmo. Literalmente. Ou melhor, da função delas. O que acontece é que os glúteos simplesmente “esquecem” de trabalhar. Ficam ali, inativos, como funcionários desmotivados à beira da aposentadoria. Aí vem a falta de firmeza, ou mesmo a tendência a apontar mais para baixo que para trás, o que é motivo de desespero para a maioria das mulheres e cinicamente criticado pelos homens que não se olham no espelho.

    Dizem por aí que é um mal da vida moderna. Sedentarismo, cadeiras ergonômicas demais, horas a fio sentados encarando telas. O traseiro se acomoda — no sentido literal e figurado — e para de cumprir seu papel evolutivo de nos empurrar para frente, manter o equilíbrio, dar firmeza aos passos. Passa a viver de aparência. Fica ali, meio caído, meio esquecido, sustentado apenas por leggings milagrosas ou filtros do Instagram. Passa a existir apenas como volume decorativo.

    Lá fora, os especialistas deram até nome bonito: dead butt syndrome. Aqui, como sempre, fomos direto ao ponto: “bunda mole”. Grosso? Talvez. Mas preciso.

    O mais engraçado — ou trágico, dependendo do ponto de vista — é que pouca gente admite que sofre disso. É vergonhoso. Então culpam a genética, a postura da infância, o colchão, o formato da cadeira. Nunca é a própria falta de movimento. Nunca é o fato de que caminhar virou exceção, e não rotina.

    O corpo, coitado, vai se ressentindo. Vêm as dores nas costas, o desequilíbrio, a sensação de cansaço constante. E ninguém desconfia que talvez a origem de tudo esteja… atrás.

    E nem pense que ficar postando vídeos sensuais ou fazer poses em espelho resolva o problema. Rebolar não é tratamento. O glúteo quer ação de verdade: subir escadas, caminhar, viver. Ele foi feito para empurrar o corpo adiante, não para angariar likes.

    Então, se você anda se sentindo meio torto, meio mole, meio arrastado, talvez esteja na hora de prestar atenção nele: seu esquecido, negligenciado, mas essencial traseiro.

    Levante-se da cadeira. Dê uma volta no quarteirão e ative a memória de sua bunda. Antes que ela esqueça de vez que está aí para servir — e não só para sentar.

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