Contos

Elástico infinito – a natureza e a sua sabedoria

Um alce, no alto de uma floresta densa, olha para cima, por um momento fugaz. No mesmo instante, ouve-se o murmurar do léxico perceptível – numa onda para nós, humanos, intangível -: e o alce o distingue pelo encontrar das superfícies de uma folha na outra, obrigadas a ter tal conexão corporal por um simples capricho do vento, senhor de todos os movimentos.

Lentamente, do alto da mesma floresta densa, formigas passam destemidas por detrás das patas dianteiras do alce. Carregam as mesmas folhas que balançam lá no alto, há átimos escassos, e pousam, vencidas, em solo fértil. Tomam um movimento menos intenso, porém direcionado, ao transformarem-se, de copa, em cobiçadas mercadoria de transporte.

Lesmas alimentam-se das mesmas folhas, logo adiante. O alce pisca. O vento continua o sopro travesso de sua fúria adocicada. O sol brilha e, através de feixes de luz, pousa no rosto do quadrúpede, no alto daquela floresta. Por entre as frestas de folhas que acobertam toda a vida nas sombras, a luz irradia o parar e o perceber.

No topo da floresta ainda intocada pela indecência humana, o tempo não é contado pelo movimento automático dos ponteiros. Tampouco pela trajetória do sol ao redor da terra. Os espaços não são medidos por número de cômodos ou alturas sobrepostas. Aqui os inquilinos são todos, todos entendem, sem ser racionais, o quanto sua vida é passageira. Ninguém tem documentos de posse ou tecnologias que aletam para a finitude das coisas. Portanto não acumulam móveis ou obras de arte, deslocam-se sem apegos para outros abrigos, dividem comidas, usam o necessário. O tempo é o tempo de uma vida, são instintos, o saciar das necessidades primordiais. Inexiste o planejamento estratégico de papéis rascunhados. Inexiste a indecisão. Tudo é o agora, não existe o que se foi ou o que virá.

O Alce, ao olhar para cima, entendeu tudo. E ao sentir a carícia do sol em seu rosto, um instante torna-se infinito.


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Bia Mies

BIA MIES é carioca da Serra Fluminense, autointitula-se "do mundo" e reflete em sua escrita um olhar sensível sobre a vida do seu "entremeio": cada crônica torna-se uma interação entre o trivial e a reflexão poética, uma tapeçaria de influências e insights. Tece pontes entre arquitetura, urbanismo, artes visuais e cênicas, moda, leituras, cafés, viagens, família, amores, Zeca (seu fiel companheiro de quatro patas), amigos, Itália e "experiências dos usuários", área na qual atualmente se especializa. Cada percepção transforma-se em texto, numa busca exploratória de pensamentos e emoções, através de uma visão pessoal do cotidiano e do extraordinário. Celebra a beleza da imperfeição e convida o leitor a uma jornada introspectiva, onde cada palavra é cuidadosamente escolhida para ressoar e provocar. Como o sopro das vivências que se entrelaçam pelo seu caminho, Bia Mies homenageia quase duas décadas de exploração literária no Crônicas Cariocas.

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