Crônicas

Entrevista de Itararé (com o Barão Idem)

Apparício Torelly, conhecido como o Barão de Itararé, foi um famoso jornalista que atuou na imprensa brasileira nas primeiras décadas do século passado. Notabilizou-se pelo espírito crítico e o humor ácido, expressos em tiradas como as que constam na entrevista abaixo. Fi-la (ele deploraria essa ênclise!) extraindo passagens da sua obra, que tem servido de estímulo e inspiração a muitos humoristas brasileiros. Vamos então às perguntas:

P – O senhor promete dizer tudo neste bate-papo? Não vai esconder a verdade?

R – Sou um homem sem segredos, que vive às claras, aproveitando as gemas e sem desprezar as cascas.

P – Falemos primeiro de política. O Brasil discute agora o seu regime de governo. Muitos querem o presidencialismo – pelo futuro não do País, mas do presidente de plantão. Que pensa o senhor sobre isso?

R – A moral dos políticos é como elevador; sobe e desce. Mas, em geral, enguiça por falta de energia …

P – Por falar em política, o senhor tem alguma sugestão para o pagamento da nossa dívida?

R – Tempo é dinheiro. Vamos então fazer a experiência de pagar as nossas dívidas com o tempo.

P – E como ficam os credores internacionais?

R – Quem empresta, adeus …

P – A mudança no regime de governo deve alterar o processo de escolha dos homens públicos, Barão?

R – O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.

P – Falemos de outras coisas. O senhor considera que exista alguma regra para comer e beber?

R – Comer até adoecer, beber até sarar.

P – Verdade, Barão? E o fígado?

R – O fígado faz muito mal à bebida.

P – O álcool às vezes, realmente, é um consolo para os misantropos. Ou para os misóginos…

R – Quanto mais conheço os homens, mais gosto das mulheres.

P – Mas isso o levaria, por exemplo, a se casar?

R – O casamento é uma tragédia em dois atos: um civil e um religioso.

P – Ora, dizem que os homens inteligentes dão bons maridos.

R – Que tolice! Os homens inteligentes não se casam.

P – Mudando de assunto. Como o senhor vê certos frutos modernos do engenho humano – como por exemplo a televisão?

R – A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana. Com o progresso, um ignorante pode somar maquinalmente.

P – Ah, então o senhor é um passadista. Acredita, como Comte, que os vivos são governados pelos mortos.

R – Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos.

P – Dou-me por satisfeito, Barão. Muito obrigado.

R – O “Muito obrigado” é sempre um pagamento módico.


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Chico Viana

Chico Viana é professor aposentado da UFPB e doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicou artigos em periódicos nacionais e internacionais, como a revista da Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll) e a da Associação Brasileira de Estudos Medievais (Abrem). Publicou “O evangelho da podridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos” e outros títulos à venda na Amazon. Atualmente dá aulas virtuais de Português e Redação no curso que leva o seu nome. Entre seus blogues, destacam-se chviana.blogspot.com e chicoviananapontadolapis.blogspot.com.

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