Contos

O NEVOEIRO

Um pequeno conto sobre a incapacidade de se ver as coisas - qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência

Metáfora. Figura de Linguagem que consiste em comparar dois ou mais elementos de forma indireta.

Conforme o dicionário, a metáfora nos presta este favor. Aliás, um grande favor! Sem a metáfora, a imagem do que falamos ou escrevemos não teria a mesma expressividade!

Aqui, nestes rascunhos e esboços de um tempo, a metáfora nos serve como uma imagem de alerta, de reflexão e, por que não, de perplexidade! Como podemos ignorar o óbvio?

Outro ponto importante a considerar antes do exemplo, é que fatalmente repetimos os mesmos erros ao longo da história!

Elementos de comparação: nevoeiro e visão.

NEVOEIRO: Quando a temperatura do ar cai até o ponto de saturação da umidade do ar, formam-se as chamadas gotículas de água em estado líquido que, de tão pequenas, ficam em suspensão, reduzindo a visibilidade!

VISÃO: Um dos cinco sentidos. Por meio desse sentido, temos a capacidade de enxergar tudo à nossa volta.

Remexendo os espaços e as gavetas do tempo, a história que se segue já foi contada por muitas gerações. A propósito, ela se repete indefinidamente… a despeito da inteligência e da sagacidade de algumas criaturas…

Conta-se que há muitos anos, um grande nevoeiro tomou conta da cidade.

Entretanto, o nevoeiro não veio abruptamente, mas aos poucos…

Conta-se que as pessoas nem estranharam.

Uma neblina pequena se formou em pontos isolados, o que não chamou a atenção de ninguém.

Depois, outros pontos passaram a apresentar também uma fina e frágil neblina…

O calor sempre foi uma grande reclamação e, para muitas pessoas, estava bom, o calor havia diminuído. Isso era bom! Afirmavam muitos!

Depois, pontos e mais pontos da cidade foram sendo tomados pela mesma neblina. Até que a cidade inteira foi envolvida.

Os carros, desde cedo, já saíam de suas casas com os faróis acesos. As pessoas saíam com casacos e se encolhiam. As luzes das ruas ficavam acesas por muito mais tempo.

E assim foi que, quando o nevoeiro chegou, denso, forte, espesso, ninguém reclamou, ninguém se surpreendeu… todos estavam já acostumados com seus casacos e gorros e luzes e frio.

O nevoeiro assumiu o cenário da cidade e, como se a própria cidade fosse, como um prédio, uma ponte ou uma rua, era já algo comum, banal, corriqueiro…

Um dia, o nevoeiro tornou-se ainda mais denso… Voos cancelados. Viagens adiadas.

O nevoeiro impedia a visão das pessoas. Elas?

Elas continuaram seus afazeres, mesmo que se machucassem ou esbarrassem em alguém.

E elas se batiam e se esbarravam e se cortavam até.

Elas tropeçavam e caiam e se levantavam muitas e muitas vezes.

E assim viviam.

Simplesmente viviam, indiferentes às coisas…

Mostrar mais

Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

Um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Verifique também
Fechar
Botão Voltar ao topo

Adblock detectado

Desative para continuar