Crônicas

A minha pátria

Quando escrevo sobre a minha pátria, eu fico confuso. Penso em tudo que amo e, ao mesmo tempo, penso em tudo que odeio.

Quando escrevo sobre a minha pátria, sinto calor, arrepio, felicidade, dor, enjoo, sinto frio…

Quando escrevo sobre a minha pátria, a palavra evidente é contradição!

A minha pátria é o paraíso, o céu azul, o mar aberto e profundo, o olhar da moça cor de cobre, o lugar mais lindo do mundo.

A minha pátria é o embuste, o ridículo, os patéticos engravatados, o abuso, o homicídio, a insensatez, a brutalidade, o conflito armado na cidade.

A minha pátria é pão de queijo, goiabada, aconchego, o doce beijo, o gostoso café e a palavra cafuné…

A minha pátria é a maior mentira que se tem contado, o país que não tem futuro, o país das grades e dos muros, o país das cracolândias e a morte das muitas infâncias.

Brasil, terra dos esfomeados e dos fartos, espaço de mendigos e de reis, lugar de iletrados e doutores…

A minha pátria é isso: o sim e o não, o bonito e o feio, o certo e o errado, a preguiça e a luta, o cansaço e a perseverança, a desilusão e a esperança…

Eis o meu país, eis a minha pátria: uma colcha de retalhos, uma porção de cacos que ora se juntam, formando um espetáculo, um carnaval… ora se espalham, criando o caos.


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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

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