Crônicas

A nossa vida dos outros

Queremos mais que uma vida. Queremos viver várias vidas. Desejamos ser piratas, mouros, cantores famosos, astros do cinema, reis e cavaleiros. Desejamos ser o outro e nunca nós mesmos. Não reparamos no espelho o nosso rosto… Em que espelho ficou perdida a minha face? Deixamos o tempo passar. Deixamos nossas coisas para deslumbrar outra vida, outras vidas. Nos assustamos depois com o que vemos: velhice.

O pior de tudo é quando nos metemos na vida do outro. Somos os donos do conhecimento. Entendemos todos os males e problemas alheios e não sabemos resolver os nossos.

No entanto, possuímos apenas uma única e delicada vida. Se há ou não há aventuras ou tesouros, grandes batalhas ou fantásticos enigmas, não importa. Importa a vida. A nossa.

É cotidiana e tributável e a mesma e a mesma e a mesma continuamente? O que fazer? Somos humanos. Somos falhos. Somos loucos e controversos. Somos o próprio conflito e o próprio caos. E quando amamos, tudo piora. Tudo alcança dimensões maiores e mais dramáticas. E morremos sem morrer. E perdemos e ganhamos e continuamos a jogar seja qual for o jogo. E é assim e sempre será. Estamos vivos e este fato, por si só, possui um valor incalculável.

Queremos outras vidas, mas temos uma, uma só para gastar e para amar e para chorar. Não percamos tempo.

O que se há para viver, viva. O que se há para gastar: gaste. O que se há para amar: ame. O que se há para chorar: chore. Tudo no seu tempo…

Encontre-se e perca-se e deixe-se levar. Aprume-se, endireite-se e siga o que há de significante. Veja ou não veja. Sinta ou não sinta. Escreva ou leia ou faça os dois ou nenhum dos dois. Faça o que é importante para a sua vida.

Queremos mais que uma vida. Queremos viver várias vidas. Queremos viver a vida dos outros.

No entanto, a melhor e mais valiosa a ser vivida, definitivamente, será a nossa…


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Campista Cabral

Campista Cabral, leitor assíduo dos portugueses Camões e Pessoa, do poetinha Vinícius, herdou deles o gosto pelo soneto. A condensação dos temas do cotidiano, assim como a reflexão sobre o fazer poético, parece procurar a sua existência empírica ou, nas palavras do poeta, um rosto perfeito, na estrutura do soneto. Admirador e também leitor obsessivo de Umberto Eco, Ítalo Calvino, José Cardoso Pires, Lobo Antunes, do mestre Machado de Assis e do moçambicano Mia Couto, retira dessas leituras o gosto pela metalinguagem, o prazer em trabalhar um espaço de discussão da criação literária em sua prosa. A palavra, a todo instante, é objeto base dos contos e das crônicas. A memória, o dia-a-dia, o amor, as sensações do mundo e os sentidos e significados da vida estão presos nos mistérios e assombros da palavra.

Um comentário

  1. Sempre trazendo bons pensamentos ,reflexões e até mesmo levando para lugares incríveis .
    Você e a Hamandab são sensacionais ….

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