A vida presta, muito
A frase antológica de Guimarães Rosa, citada por Fernanda Torres em seu discurso na premiação do Globo de Ouro, me fez pensar nos múltiplos significados nela contidos. Na minha leitura do filme Ainda Estou Aqui, dois deles me tocaram sobremaneira:
— O amor incomensurável de Eunice por seus filhos, a ponto de tentar, depois do trágico desaparecimento de Rubens Paiva, proporcionar a eles uma vida que “prestasse muito”. A cena emblemática da fotografia em família sem o pai consegue transmitir sua recusa em vitimizar os
filhos que, agora, precisavam seguir em frente, sorrindo.
— O desprezo pela vida que caracteriza as ditaduras persecutórias, como foi o caso do Brasil, entre 1964–1985. O interrogatório de Eunice, mostrado de uma maneira extremamente cuidadosa por Walter Salles, foi suficiente para escancarar o lado sanguinário do ser humano, quando cooptado por um regime que não dá nenhum valor à vida.
Esses dois significados associados à fase “A vida presta muito” me fizeram relembrar outra frase, “A vida é bela”, título do filme de Roberto Benigni (1997).
Só para avivar a memória, A Vida é Bela se passa durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália. O judeu Guido e seu filho, Giosué, são levados para um campo de concentração nazista. Afastado da mulher, ele tem que usar sua imaginação para levar o menino a acreditar que estão participando de uma grande brincadeira, com o intuito de protegê-lo do terror e da violência que os cercam. Seu único objetivo era não permitir que o filho perdesse a inocência perante o evidente cenário de terror, numa verdadeira demonstração de amor.
O motivo maior que levou Roberto Benigni a realizar este filme foi a sua vontade de contar uma história de amor e humanidade num contexto extremo, da mesma forma que Walter Salles em Ainda Estou Aqui.
Duas propostas que procuram mostrar o lado reverso da tragédia, oferecendo ao espectador o que há de mais sublime na maneira de enfrentar a dor. Curiosamente, em 1999, A Vida é Bela ganhou o Oscar de melhor ator e melhor filme estrangeiro, vencendo o filme brasileiro Central do Brasil, que ficou com o Globo de Ouro.
Não acredito em coincidências e sim que a vida tem um roteiro já traçado. Vinte e cinco anos depois, Walter Salles volta ao palco com Fernanda Torres, a filha, para dar à Fernanda Montenegro, com 95 anos, a alegria de se ver lá representada no Globo de Ouro de melhor atriz.
A vida é bela, e presta muito!
Que belíssima crônica, minha amiga. Sou fã.
Obrigada, querida amiga!